terça-feira, 31 de março de 2015
2 fragmentos de um conto de Mestre Aquilino
Sem dúvida o que constitui a realidade sensível, ou seja em certas criaturas uma física especiosa, é pouco em face da obra do espírito, ou o ideal de que as veste a imaginação. Mais vale o desejo do que o prazer, a esperança de amor do que o próprio amor, a super-realidade filha da ficção do que o real filho da natureza. E o homem é infeliz porque confere ao material uma importância que não merece. (pg. 43)
...
Nós as mulheres perdoamos todos os desconchavos desde que redundem em louvor nosso. (...) Cada vez me capacito mais que os homens não conhecem nada de nada das mulheres. E por isto: a tendência do espírito em criar o complexo. Se soubessem como somos simples, fáceis, objectivas, estamos na corrente dos desejos, longe do enigma que se aprazem ver em nós, o amor perderia os encantos de que o cercam o maravilhoso e a dificuldade, mas a espécie humana lucraria em sossêgo e pacificação. (pgs. 78 e 79)
Aquilino Ribeiro (1885-1963), in Quando ao Gavião cai a pena.
Uma fotografia, de vez em quando (58)
A obra do fotógrafo húngaro, de origem judia, André Kertész (1894-1985), é normalmente dividida em três fases: a magiar (até 1924), em que fotografa, sobretudo, camponeses, ciganos e paisagens do seu país, bem como a I Grande Guerra; a segunda parte, francesa (de 1925 até 1936), com incursões pela paisagem urbana e cidadãos anónimos, bem como ensaios e as primeiras fotomontagens, e finalmente a fase americana - quando abandona a França, para escapar ao nazismo - até ao final da sua vida.
Pascal
Se bem me lembro, era por esta época (Páscoa), que se preparava a Primeira Comunhão, sabida que fosse, competentemente, a doutrina aprendida, pelos infantes e infantas, na catequese. A celebração do sacramento coincidia, na maioria das vezes, pelo Domingo de Páscoa. Tiravam-se fotografias, para memória futura e, sendo a família da criança, mais especiosa e de pergaminhos, o acto justificava a feitura de uma pagela ou santinho, como o da imagem, para oferecer aos convidados.
A pagela, belga, data do já recuado ano de 1907 e terá sido endereçada a Marie Bonjean.
agradecimentos a A. de A. M..
Curiosidades 41 (Inauguração da Estátua Equestre - final)
Dando continuidade, e para concluir, estas curiosidades sobre os festejos que acompanharam a inauguração, a 6 de Junho de 1775, da estátua equestre de D. José, no Terreiro do Paço, aqui deixamos nota de mais algumas despesas, mais singulares, usadas na cerimónia. Como nos 2 anteriores postes, sobre o mesmo assunto, as informações são transcritas do livro de Ângelo Pereira, anteriormente já referido. Assim:
"Da despeza feita pelo dito Copeiro e Armador Fernando Antonio pª. o ornato das Cazas...:
- Canivetes e tizouras........................................ 16$735 mil réis.- Colheres pª. Copos de Neve............................ 17$350.
- Grateficações...............................................2:287$600.
- Loiça da India q. se quebrou..........................266$330.
- Pregos e Alfenetes..........................................132$905.
- Rolhas................................................................2$400.
- Vassoiras...........................................................2$450.
(...)
Das qualidades de Vinhos nacionaes q. havia no banquete
- Dª. Marota....................................................Lavradio branco.
- Carcavellos...................................................Tinto.
- Chave doirada...........................................Setubal moscatel.
- Golgãa.............................................................Alto Douro."
Seguramente que o Vinho de Carcavelos terá sido fornecido da Quinta de Oeiras, do sr. Marquês de Pombal. Por outro lado, atente-se no peso e valor considerável da despesa com "Grateficações".
segunda-feira, 30 de março de 2015
Comerciantes e vendedores portugueses
Aqui há uma boa trintena de anos, tive oportuna necessidade de consultar e ler um estudo de mercado para uma empresa de grandes superfícies, com relatório anexo, minucioso e fundamentado, sobre as potencialidades da Linha de Sintra, para abertura de novas lojas. Havia prós e contras, na conclusão.
Há cerca de um ano, nas minhas imediações outrabandistas, reabriu pela quinta vez (quanto a donos), uma pequena superfície, agora franchisada (talvez porque abriu um Lidl, próximo), para minha surpresa. Mas, intimamente, desejei-lhes felicidades, até porque me era útil, e a dona e os três empregados eram discretos e simpáticos. Creio que nunca lá gastei mais do que 10/15 euros, para compras de ocasião e momentânea necessidade. O pequeno supermercado fechou há 8 dias... Subitamente, na sexta-feira passada, reabriu com nova gerência. Franchisada, também.
Em 2013, no coração de Lisboa, e numa loja que já fora de roupas, galeria e de decoração doméstica, inaugurou-se um bar. Vim a saber que pertencia a uma advogada lisbonense, pouco conhecida, mas que devia ter muitos amigos. Porque o local se tornou incomodativo, e HMJ, mais sensível do que eu ao ruído nocturno, se perturbava grandemente, eu sosseguei-a, premonitoriamente: "Tem paciência, que só vai durar um ano!" Durou 2.
Por tudo isto, achei interessante que Clara Ferreira Alves, numa das suas últimas crónicas, pessimista, no Expresso, tenha escrito (em tempo: o meu amigo H. N. sublinhou metade do vou transcrever), com inteiríssima razão:
"...Há lojas fechadas, com papéis a tapar os vidros da montras. O melhor hambúrguer do mundo e tretas assim. Uma boa parte destes empreendedorismos espeta-se, fecha. Muita gente não tem formação para montar um negócio."
Fora as tias, que têm quem as espalde, é uma tristeza. Mas também a falta de sentido crítico e da realidade, de uma boa parte dos portugueses. E não é só em relação à literatura...
A prima de Alberto Manguel
As duas mais frequentes posições para leitura são: sentada e deitada, como se imagina. Embora, raramente, eu leia de pé, pequenos textos, prefiro a posição reclinada ou deitada. Mas não na situação, algo incómoda, da fotografia de André Kertész (1894-1985), onde uma anciã, do Hospício de Beaune, lê, concentrada, amparada por grandes almofadas.
Quanto a ler em viagem, já fui mais ambicioso do que hoje. Tentei, durante muito tempo, ler livros de ficção (a poesia, guardo-me para a ler em casa), sem grande sucesso. Ainda cheguei aos policiais, mas a falta da devida concentração continuava a ser a mesma, e acabei por desistir. Restaram os jornais e revistas, que ainda costumo levar, para viagens.
Alberto Manguel (1948) na sua Uma História da Leitura (Presença, 1998) fala-nos duma sua prima e das suas opções de leitura, em viagem. Assim:
"Uma prima minha de Buenos Aires, como tinha consciência clara de que os livros podiam funcionar como emblema, um sinal de aliança, escolhia sempre o livro que levava em viagem com o mesmo cuidado com que escolhia a mala de mão. Não viajava com Romain Rolland, porque achava que lhe daria um ar excessivamente pretensioso, nem com Agatha Christie, porque a faria parecer demasiado vulgar. Camus era próprio para uma viagem curta, Cronin para uma mais longa; uma história policial por Vera Caspary ou Ellery Queen era aceitável para um fim-de-semana no campo; um romance de Graham Greene era adequado para viagens de barco ou de avião."
domingo, 29 de março de 2015
Citações CCXXXI
O papel mais difícil numa comédia é o do bobo, e essa parte não deve ser entregue a um simplório qualquer.
Miguel de Cervantes (1547-1616).
Mercearias Finas 99
O ser humano tem destas coisas...
Para tudo haverá requisitos indispensáveis, manias, superstições, mimetismos subjectivos que nos estão inscritos, indelevelmente, no ADN e no sangue.
Se, para fazer um arroz, não encontro, nas gavetas da cozinha, a colher de pau mais antiga, a mais pequena e escura (a ASAE que se cuide!...), começo a ficar possesso e a augurar o pior, para o acompanhamento - pensando, ao mesmo tempo, que nada me vai correr bem. O mesmo acontece, em relação ao tacho. Que terá de ser o médio, de mais escuro interior, crestado por um fogo ancestral, e vimaranense.
Mas, como hoje, encontrei os imprescindíveis apetrechos culinários, o arroz de tomate quase saiu perfeito. E a regra, pelos pressupostos atávicos, se cumpriu à maneira.
sábado, 28 de março de 2015
O óbvio
Nota-se e torna-se evidente pelo número de visitantes ao Blogue, hoje, que esteve um rico dia de Primavera. Entre o interior e o exterior, acho este último muito mais saudável e arejado.
Por outro lado, e que eu saiba, também não morreu ninguém muito importante...
Exposição de Pintura
Retro (67)
Mais um folheto publicitário do ex-SNI, desta vez destinado a publicitar, turisticamente, a bonita cidade de Lagos, uma das poucas urbes algarvias de que guardo gratas recordações.
No entanto, a sua bela e grande baía, nos finais do século XVI, foi ponto de partida para duas tragédias ibéricas. Em 1578, de lá partiu com barcos portugueses, D. Sebastião com destino à morte, em Alcácer Quibir. Dez anos mais tarde (1588), lá estadiou a Invencível Armada, vinda de Cádiz, antes de se dirigir rumo à Inglaterra. Uma forte tempestade, haveria de destruí-la, antes de conseguir o seu objectivo bélico.
Infaustos acontecimentos que hoje não ensombram, senão de memória, a sua beleza.
sexta-feira, 27 de março de 2015
Mais outro aforismo de Karl Kraus
Um pensamento não é legítimo, senão quando nos surpreendemos em flagrante delito de plagiato de nós mesmos.
Karl Kraus (1874-1936), in Pro domo et mundo (pg. 72).
arte menor (18)
Permanece
de memória,
sem lhe entrar a Primavera.
Passa por ela outra gente,
nem repara que envelhece.
Sb., 17-21/3/2015.
para A. de A. M., que deu o suficiente e amigo nihil obstat.
quinta-feira, 26 de março de 2015
Divagações 83
Do jantar, para o Escritório, e pelo corredor, vem-me à boca da memória o sabor frutadíssimo, não citrino, das castas Antão Vaz e do Perrum (?), que este muito modesto (preço) Vila dos Gamas 2013 (excelente) me deixou.
Nem sempre as razões dos outros conseguem explicar, mesmo que científicamente, as acções inesperadas de um homem. Dizia Camus que um suicídio tem mais do que uma única razão. Provavelmente, a razão do próprio suicida; e os outros (Sartre) que a permitiram ou provocaram.
É uma ironia de Deus (consintámos a maiúscula, por uma vez), na sua regra de amor ao próximo, que respeite a liberdade de 1 homem, em prejuízo da liberdade de viver de outros 140 e tal seres humanos.
E é por isso que, neste acidente da Germanwings, acolho mais facilmente para mim, como fé, que a vida está cheia de acasos e de necessidades.
Laus deo!
Laus deo!
A par e passo 130
Nunca hesito em afirmar que o diploma é o inimigo mortal da cultura. Quanto mais importância os diplomas tiverem na vida, (e esta importância não cessa de crescer por causa das circunstâncias económicas), mais o rendimento do ensino será fraco. Quanto mais controlo for exercido, mais os resultados serão maus.
Maus pelos seus efeitos sobre o espírito público e sobre o espírito, em geral. Maus porque criaram esperanças, ilusões sobre direitos adquiridos.
Paul Valéry, in Variété III (pgs. 275/6).
Uso Pessoal 11
Das 4 lupas em apreço, apenas a maior, do lado esquerdo, com cabo dourado e nobre, tem uma função ambivalente. E já a tenho usado, também, para ler caracteres minúsculos de documentos, bulas farmacêuticas e ver outras coisas miúdas. A lente chegou às minhas mãos, por herança, no início dos anos 80, mas, das quatro, é seguramente a mais antiga. O seu anterior proprietário usou-a apenas para fins filatélicos, durante uma boa parte do século XX.
A que mais estimo, e desfigurada (falta-lhe o suporte em baquelite, que se partiu), ao fundo, do lado direito, foi comprada há largos anos, no Mercado Filatélico (Rua 31 de Janeiro, Porto), quando iniciei a minha colecção de selos. É ainda a que mais uso, porque é um óptima lupa, embora não seja a mais fácil de manusear, por falta do cabo original. Pelo seu uso intensivo, já se pagou, há muito...
Ainda do lado direito da imagem, ao centro, uma lente bem prática, facilmente transportável no bolso, e que levo sempre que vou para fora, e tenciono comprar selos.
Finalmente, do lado direito, ao alto na imagem, uma lupa mais potente (x 10) que, montada, apresenta o formato de um pequeno cubo, na sua armação, com o centro vazio e desocupado, onde deve ser colocado o objecto a examinar. Tem amplas finalidades, e precisão.
Resta-me acrescentar que uma boa lente é imprescindível a qualquer filatelista que se preze.
quarta-feira, 25 de março de 2015
Regionalismos transmontanos (76)
2. Tocaio - que ou aquele que tem nome igual ao de outro, homónimo.
3. Tomba-ladeiras - trangalhadanças. Pessoa desastrada.
4. Tora - bocado grande de carne.
5. Torar - crestar.
6. Torninha - pião pequeno feito no torno.
terça-feira, 24 de março de 2015
Cuidar dos vivos ou em louvor da memória e de A. V.
Eu, que me gabo, às vezes, de ter boa memória, ficava de rastos quando dialogava com A. V. (1938). Conheci-o, vai para 30 anos, no número 44, da rua do Alecrim, talvez por um comum amor aos livros. Eu ouvia, Tarcísio Trindade fazia pequenas observações, A. V. discreteava, fluente, sobre a vida cultural do século XX - enchendo a livraria de histórias. Datas, pequenos ditos, citações nobres, tudo parecia rejuvenescer das suas palavras - era um homem de peso: pelo vulto e pelo que sabia e nos lembrava.
Açoriano notório, excepto pelo sotaque, era generoso na partilha, afável na sua amena truculência medida, e deixava-nos, quase sempre, alguma pérola fulgente, ou alguma nota de humor urbano, para trazer para casa. Hoje, e no jornal Público, li, com imenso gosto e proveito, mais uma das suas crónicas exemplares. Desta vez, era sobre o Orpheu. Diz ele: "...O Orpheu projectou-se no grupo e na geração da Presença, nos Surrealistas, nos neorrealistas, nos Cadernos de Poesia e em sucessivos outros movimentos literários até aos nossos dias."
Só há uma coisa, nesta citação, em que não estou de acordo com ele: na referência à Presença. Embora estimável, foi um movimento literário retrógrado (pelo menos, conservador), em sentido restrito e não pejorativo, que colhia raizes bem para trás de Orpheu.
E, já agora, como não o tenho visto, com seis dias de atraso, lhe envio os Parabéns, meu caro A. V. - se me vier a ler. Até sempre!
H. H.
Tem sido o chorrilho habitual das almas leves, votivas e necrófilas, hoje, nas visitas ao Arpose, aos postes antigos sobre Herberto Helder (1930-2015). Que morreu, ontem.
Li-o mal na juventude, dei por ele tarde, comecei a admirá-lo, ainda mais tarde. Posso dizer, hoje, que era o melhor dos vivos. Com Pessoa, Eugénio e Echevarría, felizmente ainda vivo, faz o melhor da grande poesia do século XX português.
Grande parte do que hoje se publica de poesia, em Portugal, ou são versinhos do quotidiano fútil ou mera publicidade mercantil, rimada ou não, de quem quer ganhar protagonismo e uns patacos. E o patego embarca, alegre e liricamente...
Que Herberto Helder, na sua inexistência, lhes não perdoe!
Que Herberto Helder, na sua inexistência, lhes não perdoe!
Das minhas bibliotecas alheias
Alberto Manguel (1948), na sua Uma História da Leitura (Presença, 1998), a páginas tantas, fala de algumas bibliotecas que, particularmente, lhe agradaram (Huntington, British Library, BNF...), e que frequentou, em alguns períodos da sua existência.
Ora, por associação, fiz eu próprio o meu trabalho de casa: recordei as bibliotecas da minha vida. E, curiosamente, lembrei-me também daquilo que me ficou (autores) do que lá li, e que a essas bibliotecas me ficou gravado, na memória. Segue pois a lista, por ordem cronológica:
1. Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento (Guimarães); onde li, principalmente, Francisco Manuel de Melo.
2. Biblioteca (nova) da Universidade de Coimbra, onde tomei contacto primeiro com os modernistas portugueses (Almada, Sá-Carneiro e Pessoa).
3. Biblioteca Municipal Palácio Galveias, ao Campo Pequeno (Lisboa), para ler Shakespeare.
4. Biblioteca Pública de Évora, onde, maravilhado, manuseei e li cartas manuscritas do poeta João Xavier de Matos, endereçadas a Fr. Manuel do Cenáculo.
segunda-feira, 23 de março de 2015
Citações CCXXX
A passagem do homem do estado natural ao cultural - que é o acto mais decisivo da sua história - está ligada às suas faculdades linguísticas.
George Steiner (1929), in Extraterritorial (pg. 82).
Ignorâncias lexicais
Quando, para nomear um objecto, situação ou qualidade, desconhecemos a palavra exacta que os caracteriza, somos obrigados, perante um interlocutor, a dar a volta através duma frase explicativa, para os definir e descrever. De uma forma geral, o vocabulário campestre ou rural é mais rico, sobretudo pela precisão e sabedoria com que abarca as diferentes espécies de fauna e flora, os trabalhos e utensílios agrícolas, a vida natural, no seu todo. Em contrapartida, o léxico urbano será mais complexo, apenas nas vertentes tecnológicas e industriais, tendo uma componente mais acentuada sobre o futuro, com constantes actualizações. O vocabulário rural repousa mais no passado e na tradição, correndo sempre o risco de se ir perdendo, à medida que o nosso conhecimento se vai, também, reduzindo.
O menos que se poderá dizer de um escritor regionalista ( e este adjectivo é, muitas vezes, um labéu) de qualidade, é que ele nos enriquece o vocabulário e alarga os conhecimentos sobre as coisas da terra, mesmo que sobre zonas circunscritas e localizadas, geograficamente. Ora, deste livro (em imagem) emprestado pelo meu amigo H. N., que aborda, sobre vários aspectos, Camilo, pela pena ampla de João de Araújo Correia, esta obra, repito, à medida que a ia lendo, ia anotando, num papelinho, palavras que eu desconhecia. Cheguei ao fim, com nove interrogações escritas, das suas 149 páginas de prosa rica e luxuriante. Depois fui consultar dicionários, até de regionalismos. E dessas nove dúvidas, duas ficaram ainda por esclarecer. Serão gralhas da impressão? Duvido, francamente.
Por aqui deixo a lista das palavras (em itálico) que anotei. Com localização da página do livro e respectiva significação que apurei (ou não):
1. "...correr à desmedrina..." (pg. 20) - significado desconhecido.
2. "...rapaz esterlinto..." (pg. 21) - significação obscura.
3. "...as suas cobertoiras..." (pg. 68) - tampas ou coberturas.
4. "...da molhelha, cuja arquitectura..." (pg. 68) - almofada.
5. "...que azanga do mesmo Tâmega..." (pg. 80) - azangar = lançar mau olhado ou agouro.
6. "...Tirou-os da vesícola e do colédoco..." (pg. 91) - canal que conduz a bílis ao duodeno.
7. "...e outras cavadias..." (pg. 113) - escavações, sulcos.
8. "...até o tílburi vaporoso..." (pg. 129) - carrinho coberto, com 2 lugares (inventado por Gregor Tylburi).
9. "...nugas literárias..." (pg. 134) - bagatelas.
Nota pessoal: se alguém me souber esclarecer o significado das palavras 1. e 2., agradeço.
domingo, 22 de março de 2015
Osmose (51)
Aos Domingos, os blogues acordam mais tarde, fazem-se esperar, normalmente, abandonam-se à morna atmosfera dos quartos interiores. Bocejam ainda às primeiras palavras se, premeditados, não agendaram, atempadamente, um poste inócuo ou desinteressante, para pequeno almoço de visitas temporãs.
Os visitantes, porém, comungam também da mesma lassidão matinal, que nem a Primavera desiberna ou atiça, de forma flagrante. Porque o Domingo há-de ser sempre mais subjectivo, doméstico, mesmo que exterior. Camaleónico nos gestos ou, ironicamente, inútil, contra a utilidade dos outros dias. Ditos úteis.
Está dito.
Está dito.
Ovídio, em desabono do Kama Sutra
"Um homem e uma mulher, aquilo que têm que fazer, aprendem-no sozinhos, e sem mestre."
Ovídio (43 a.C.-18 d.C.), apud Camille Laurens, in Le Monde (13/3/2015).
sábado, 21 de março de 2015
De Léon-Paul Fargue (1876-1947)
Há quase cinco anos (26 e 27/4/2010), falámos aqui do poeta francês Léon-Paul Fargue. É altura de o trazer novamente ao Arpose, tendo em conta este dia em que chegou a Primavera e, também, se celebra a Poesia. Aqui ficam duas reflexões de Fargue, ao que dizem, poeta um pouco esquecido, em França.
A chegada da fanfarra da Primavera faz-nos duvidar, subitamente, da melancolia do mundo.
...
Escrever é, de algum modo, manifestar que se prefere, à vida, a sensação da vida.
Palavras do dia (7)
A frase, de J. Pacheco Pereira, vem na crónica do jornal Público, e repete-se ao longo do texto, intercalada, como um refrão ou estribilho, para sublinhar o carácter de alguns actores menores da nossa cena política. Reza assim:
"Homens sem qualidades não assumem responsabilidades."
2 haiku de Primavera
Prenúncio de Primavera -
o milhafre da planície
chega-se às nuvens.
Ilida Dakotsu
(1885-1962)
...
No tanque das lavagens
a lua de Março -
espero-te.
Mayuzumi Madoka
(1965)
Nota: intencionalmente, estas traduções de poesia para saudar a Primavera e celebrar o Dia Mundial da Poesia, marcado pela Unesco.
sexta-feira, 20 de março de 2015
Divagações 83
Questão curiosa: se não aceitamos um banqueiro escroque (Oliveira Costa, por exemplo), porque é que aceitamos e temos simpatia por um cavalheiro ladrão (Arsène Lupin, neste caso)?
Grande parte da diferença de critérios reside nos planos em que ocorrem os casos: na realidade ou na ficção. Somos até capazes de, num filme, apoiarmos (intimamente) o vilão da fita, desde que tenha habilidade e classe, e seja corajoso. Mas, na vida real, condenamos, sem apelo nem agravo, o malfeitor (Ricardo Salgado, por exemplo, [não refiro Passos Coelho, porque lhe falta classe e habilidade...], no caso BES).
Talvez se possa concluir que não há somente uma ética, nem uma forma humana, única, de julgar.
Mais 1 aforismo de Karl Kraus
A filosofia não é, muitas vezes, senão a coragem de entrar num labirinto. Mas aquele que se esquece da porta de entrada pode facilmente aceder à reputação de um pensador autónomo.
Karl Kraus (1874-1936), in Pro domo et mundo (pg. 54).
quinta-feira, 19 de março de 2015
Livraria Antiquária do Calhariz
Chegado, hoje, pelo correio, o 23º Boletim Bibliográfico, organizado por José Manuel Rodrigues, referente ao mês de Março. Pela singularidade, destacaria dois lotes: um dedicado ao ciclismo (ainda do séc. XIX), outro de gastronomia moçambicana, editado no próprio ano da Independência. Desconhecia a existência de ambos. Aqui vai a descrição sucinta, lote respectivo e preços:
72 - A Bicycleta (revista quinzenal), dos nº 1 a 36 (Lisboa,1895-96)..................... 350 euros.
183 - Cozinha Moçambicana (Lourenço Marques, 1975)...................................... 50 euros.
E ainda, sempre de realçar, uma primeira edição de um grande poeta português vivo:
291 - Helder (Herberto), Os passos em volta (Portugália, 1963)............................. 75 euros.
Retro (66)
Folhetos como este, das imagens, desdobráveis em 3 partes, eram encomendados e distribuídos pelo ex-SNI (Secretariado Nacional de Informação) para fomentar o turismo nas terras portuguesas.
Era um Algarve antes da chegada e proliferação dos patos bravos, pelo litoral...
com os melhores agradecimentos a A. de A. M..
Citações CCXXIX
Como se conhecer a si mesmo? Não nos conhecemos nunca através da meditação, mas somente pela acção. Faz o teu dever ou, pelo menos, tenta - assim saberás o que vales.
J. W. Goethe (1749-1832).
quarta-feira, 18 de março de 2015
Livrinhos 23
Aberto desastradamente, com ofensa, no corte de algumas páginas (sem, no entanto, prejudicar o texto), estas "Máximas e Pensamentos" de Goethe, das Éditions André Silvaire, foram impressos em Paris, no ano de 1961.
Deve ter sido útil, este livrinho, dado que foi bastante manuseado (pelo seu estado, um pouco alquebrado) e tem muitos sublinhados, a lápis, no texto. Julgo que ainda me será proveitoso, apesar disso. Razão pela qual o comprei hoje, num alfarrabista lisboeta, por 2,50 euros.
Adagiário CCXV : abelhas
2. A abelha-mestra não tem sesta e, se a tem, pouca e depressa.
3. A abelha procura parelha.
terça-feira, 17 de março de 2015
A par e passo 129
Todo o futuro da inteligência depende da educação, ou melhor, dos ensinamentos de todo o género que os espíritos recebem. Os termos educação e ensino não devem ser tomados aqui num sentido restrito. Pensa-se geralmente, quando os enunciamos, na formação sistemática da criança e do adolescente, pelos seus pais e pelos seus mestres. Mas não nos esqueçamos que toda a nossa vida pode ser considerada como uma educação, não propriamente organizada, nem mesmo organizável, mas pelo contrário, essencialmente desordenada, porque consiste num amontoado de impressões e de aquisições boas ou más que nós devemos à própria vida.
Paul Valéry, in Variété III (pg. 270).
2 aforismos (longos) de Karl Kraus (1874-1936)
Viena: o aristocrata come ostras, o povo olha. Berlim: o povo não olha, se o aristocrata come ostras. No entanto, para evitar ao aristocrata qualquer incomodidade e desviar a atenção do povo, ele come, na mesma, ostras. Eis a democracia em que me encontro.
...
Não é suficiente, a benefício da solidão, que nos sentemos sozinhos à mesa. É necessário que haja cadeiras vazias à volta. Se o empregado vem buscar alguma destas cadeiras vazias, eu sinto um vazio; e a minha natureza sociável desperta. Eu não consigo viver sem cadeiras vazias.
Karl Kraus, in Pro domo et mundo.
segunda-feira, 16 de março de 2015
Assim vai Portugal...
Estas coisas ou situações, todos temos a tendência de esquecê-las, por pesadas e insuportáveis. Porque creio que MR, no seu Prosimetron, já tinha colocado uma fotografia semelhante, destes habitantes nocturnos do Túnel do Marquês, em Lisboa.
Mas o meu amigo C. S. veio relembrar-me esta indignidade humana e portuguesa, hoje.
Curiosidades 40
Já aqui falámos, em tempos (Pinacoteca Pessoal 51, de 25/5/2013), do pintor veneziano Vittore Carpaccio (1460?-1525?). Mal amado, por uns, omitido por outros dos índices das histórias de Arte, tal como o divino poeta Francisco de Aldana é esquecido, por vezes, nas histórias da literatura espanhola, Carpaccio tem, no entanto, um pequeno grupo de grandes e fiéis admiradores, onde se contava, entre outros, o nome de Marcel Proust, um incondicional das suas pinturas.
Quis o destino, porém, que o seu apelido (Carpaccio) mais se difundisse para denominar, gastronomicamente, as finas fatias de carne que, assim são cortadas, para serem servidas frias, normalmente. O prato, em si, terá tido origem, em 1950, no Harry's Bar, de Veneza, para servir de dieta à condessa Amalia Mocenigo. E, porque, sendo a carne mal passada, o seu tom rubro lembrava o vermelho veneziano tão característico da pintura de Vittore Carpaccio.
E porque saiu, há pouco tempo, um livro intitulado Ciao, Carpaccio, de Jan Morris, sobre a arte do Pintor veneziano, acrescente-se mais uma curiosidade, referida por Christopher Stace, no penúltimo TLS (nº 5840). Ciao, fórmula italiana globalizada, hoje, de despedida, tem origem na expressão veneziana de cortesia: Sciao vostro! Que significa - Vosso servo! - em português.
E aqui deixo, para remate do poste, a imagem de uma pintura de Vittore Carpaccio, de que gosto muito, e que se intitula: "Pesca na Laguna".
Regionalismos transmontanos (75)
2. Terló - indivíduo simplório.
3. Terpola - excrecência nodosa no tronco ou ramos das árvores.
4. Terriça - variedade de abelha selvagem.
5. Terrosa - batata.
6. Tesoirar - podar (videiras), o m. q. tesourar.
domingo, 15 de março de 2015
John Gray (Inglaterra, 1948)
Estimulante, mas pessimista, o pensamento do filósofo inglês John Gray merece ser conhecido. Sobretudo pelos problemas que aborda e que assolam ou caracterizam o nosso tempo. O progresso e os seus mitos, a civilização e a barbárie, as crenças e o cepticismo, o comunismo e o capitalismo...
Este vídeo (cerca de 20 minutos) regista a apresentação que Gray fez, na África do Sul, do seu livro "The Silence of Animals". Para clarificar os temas que aborda, o filósofo parte de um conto de Joseph Conrad, em que este refere que, antes de visitar o Congo (Belga, na altura) e conhecer as condições das suas populações, era apenas mais um dos muitos "animais civilizados".
Impromptu (14)
Ele há coisas assim. Pequenas, inexplicáveis, com que a gente engraça ou de que se enamora. Estes "Passos Perdidos" (1967), de João de Araújo Correia (falado aqui em 26/11/14, e ontem, 14/3/15), deram-me pano para mangas de pinturesco e uma fresca, rural e agradável atmosfera de leitura. E, a parte que mais me encantou, na sua singeleza sugestiva, vem no final da crónica que o médico e escritor duriense consagrou às termas de Monte Real. Reza assim:
"Monte Real é bonito. Mas, não saúda outro monte. Lá em cima, na minha terra, as montanhas são comadres. Conversam umas com as outras. Começo a ter saudades desse comadrio."
Aqui fica a marcar o dia do fim da leitura de "Passos Perdidos". Que também já me vai deixando saudades.
Bibliofilia 118
Embora deduzido e reduzido do grande Elucidário, de Fr. Viterbo, este Diccionário Portatil, do mesmo Autor, é uma súmula dos termos antigos mais frequentes, alguns ainda usados, hoje em dia, mas de mais obscura significação. Editado pela Real Imprensa da Universidade, em Coimbra, no ano de 1825, destinar-se-ia, provavelmente, a ser usado pelos estudantes das Faculdades, sobretudo da área das Letras. Com 164 páginas, era facilmente transportável, ao contrário do Elucidário original, em 2 volumes.
O meu exemplar, não encadernado nem aparado, está em bom estado e comprei-o, há cerca de 30 anos, em Lisboa. Dei por ele Esc. 2.200$00. E tem-me sido útil, como será para quem se interesse por antiqualhas e palavras portuguesas antigas que, hoje, já muito raramente se usam.
sábado, 14 de março de 2015
Da Janela do Aposento 59: Ócio e Silêncio
Inspirada numa afirmação certeira
de A. Guerreiro, recordando-nos que é “do otium
que nascem as artes, as letras e as ciências”, acrescentaria também o silêncio.
Se “o otium, como tempo de liberdade,” propicia o encontro com o outro,
tanto na sua versão textual como noutra forma artística, o silêncio acrescenta,
a esse supremo bem do ócio, a condição indispensável para centrar a atenção na
essência – na nossa e na alheia.
Para bom entendedor, bastariam
estas duas categorias para uma formação humana essencial.
Libertavam-se as criaturas dos
ruídos alheios à leitura e ao pensamento e, sobretudo, terminava o rodopio das
actividades permanentes com que a indústria do lazer planeia e preenche os dias
desde tenra idade.
Post de HMJ
Pena de Morte
Talvez nem todos saibam que Portugal foi o segundo país do mundo a abolir a pena capital, em 1867, depois do Ducado da Toscânia (1786). A iniciativa partiu do deputado liberal António Aires de Gouveia, mais tarde, bispo de Betsaida, e teve legislação a consagrá-la com a assinatura do Ministro da Justiça, Manuel Baptista. A França foi o último país da, então, U. E. a abolir a pena de morte, já só em 1981, durante o consulado de François Miterrand.
Mas durante todo o século XIX e parte do XX, houve várias personalidades, em França, que defenderam essa medida, embora sem resultados. Uma das primeiras figuras a fazer campanha pela abolição, foi o escritor Victor Hugo (1802-1885). Era conhecida a sua posição, pelo mundo fora. Daí que, logo que a legislação foi aprovada, em Portugal, o jornalista Eduardo Coelho, director do Diário de Notícias, por carta, tenha dado a conhecer a Victor Hugo a feliz notícia.
O grande escritor francês, apressou-se a responder, assim:
"Sr. Eduardo Coelho: - Está, pois, a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. Penhora-me a recordação da honra que me cabe nessa vitória. Humilde operário do progresso, cada novo passo que ele avança me faz pulsar o coração. Este é sublime. Abolir a morte legal deixando à morte divina todo o seu mistério, é um progresso augusto de entre todos. Felicito o vosso parlamento, os vossos pensadores, os vossos escritores e os vossos filósofos! Felicito a vossa nação. A Europa imitará Portugal.
Morte à morte! Guerra à guerra! Vida à vida! A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos cidadãos.
Aperto-vos a mão como ao meu compatriota na humanidade. - Vítor Hugo."
Nota: a tradução, da carta de V. Hugo, pertence a João de Araújo Correia (1899-1985), e encontra-se no seu livro Passos Perdidos (Portugália, 1967) - aqui referido recentemente - nas páginas 161/2.
sexta-feira, 13 de março de 2015
Citações CCXXVII
Os velhos amigos são como os vinhos velhos que, perdendo o seu verdor e o seu pico, ganham, no entanto, um calor suave.
Saint-Beuve (1804-1869).
Retro (65)
Era no tempo em que um curso de Farmácia representava um seguro de vida ou, pelo menos, uma existência desafogada a quem a viesse exercer. Mas 59 anos implicam transformações e mudanças grandes. Porque, surpreendentemente, os sérios e dignos Artur Ribeiro, Júlia Barroso ou Mena Matos, de antanho, vieram dar lugar aos infra-pimbas quins barreiros.
E até a afamada Orquesta Vilaça me faz lembrar os "caixões Vilaças", do Herman José, que "eram caros com'ó caraças"...
com os melhores agradecimentos a A. de A. Mattos.
quinta-feira, 12 de março de 2015
Ramalho, em Paris
Ora vejam:
...Os portugueses são indolentes, pezados, mas persistentes, perseverantes, fieis e generosos; taes são as principaes qualidades que fazem o seu elogio. É um paiz onde o "menu" de um banquete de um burguez ainda hoje se cifra em tres palavras: sopa, vaca e arroz. Napoleão dizia que com soldados portugueses daria a volta ao mundo. Os homens, cuja dureza tanto admirava o primeiro guerreiro dos tempos modernos, tinham-se creado com o mais rijo dos alimentos - a broa.
Entre os portugueses são os minhotos os homens que primeiro pegam em armas e sustentam a guerra ao primeiro indicio de opressão com que os ameacem. Se estudarmos a razão d'este forte sentimento de independencia na gente do Minho, encontramol-a na saudavel frugalidade nacional do caldo d'unto e do vinho verde.
Tirando a referência à perseverança, como qualidade dos portugueses, eu estaria tentado a concordar com grande parte do resto desta citação de Ramalho Ortigão (1836-1915). Este livro (Em Paris), um dos menos conhecidos do Escritor portuense, entre outras coisas, é um hino à gastronomia e à Mulher. E lê-se, com imenso agrado, rapidamente.