quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

De John Donne, as palavras eternas


Considerado o maior poeta inglês, dos chamados "metafísicos", John Donne (1573?-1631) é sobretudo conhecido pelo que muitos julgam ser um poema, que começa assim: "No man is an island..." Clérigo, de exercício, essas suas palavras, no entanto, são apenas o terceiro parágrafo (em prosa) da chamada Meditation XVII. Já no século XX, foram glosadas por Hemingway, em título de livro famoso - For whom the bell tolls.
Respeitando a tradição, aqui tentamos uma versão livre, em verso português, das suas perenes palavras:

Nenhum homem é ilha,
inteiro em si mesmo.
Cada um faz parte do continente,
pequena parte de um todo.
Se um pouco da terra for banhada pelo mar,
a Europa não o será menos.
Como tudo aquilo que é teu
será também do teu amigo.
A morte de um único homem
diminui-me, porque estou ligado
a toda a humanidade.
Por isso, não mandes perguntar
por quem o sino dobra,
que ele, também, dobra por ti.

Do passado para o futuro


Este postal de 1918 para agradecer: aos Amigos, a fidelidade, aos Comentadores do Arpose, o estímulo, e aos Seguidores a paciência com que nos foram acompanhando ao longo de 2014. E para desejar, cordialmente, a todos, o melhor possível para o Novo Ano de 2015, que amanhã começa.

P.S.: uma menção especial às 328 esforçadas e anónimas donas de casa obsessivas, que neste mês de Dezembro, vieram visitar o poste (de 2012!...) sobre mexidos vimaranenses... Ufa!...

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Citações CCXIV


Nem sempre basta virar a página, por vezes, é preciso arrancá-la.

Achille Chavée (1906-1969).

Revivalismo Ligeiro CVII

Há que mudar de registo. Se, pela altura do Carnaval, período festivo de origem pagã, há mais que tempo para nos habituarmos à compostura solene da Paixão ou da Páscoa, do Natal religioso e interior vai apenas uma semana até às laicas doze badaladas da meia-noite que anunciam o Ano Novo e a libertação dos sentidos que, por exemplo, no Brasil atingem o paroxismo sensorial. 
Não irei a tanto. Mas chamo a atenção, neste vídeo, para o rapaz da pandeireta, que aparece normalmente à esquerda, com o seu corte de cabelo "à malga". E o seu gesticular autista e repetitivo corporal. A mim, dá-me, pelo menos, para rir, só de o observar...

2 opiniões francesas sobre o mesmo tema, mas desencontradas



Mais vale ter mau carácter, do que não ter nenhum.

Georges Bernanos (1888-1948), in Chemin de la Croix-des-Âmes.

...
Um homem tem sempre dois caracteres, o seu, e aquele que a sua mulher lhe empresta.

Albert Camus (1913-1960), in L'Été.

A par e passo 120


A frase de Protágoras, que o homem é a medida das coisas, é uma expressão característica, essencialmente mediterrânica.
Que quer ele dizer? O que é que há para medir?
Não será substituir o objecto que medimos por um acto humano cuja simples repetição esgota esse mesmo objecto? Dizer que o homem é a medida das coisas, é pois opor à diversidade do mundo o conjunto ou grupo de poderes humanos; é opor também à diversidade dos nossos instantes, à mobilidade das nossas impressões, e mesmo à particularidade da nossa individualidade, da nossa pessoa singular e, de algum modo, especializada, acantonada que está numa vida local e fragmentária, um EU que a resume, a domina, a contém, como a lei contém o caso particular, como o sentimento da nossa força contém todos os actos que nos são possíveis.
Sentimos este eu universal, que não é a nossa pessoa acidental, determinada pela coincidência de uma quantidade infinita de condições, factores e acasos, porque (e aqui entre nós) há que pensar na enorme quantidade de coisas que nos couberam por acaso!... Mas sentimos, tenho que o dizer, quando nós merecemos senti-lo, que este EU universal que não tem nome, nem história, e através do qual a nossa vida recebida e orientada, ou sofrida por nós não é senão uma das inumeráveis vidas em que este eu idêntico se consubstanciou...

Paul Valéry, in Variété III (pg. 242).

Descubra as diferenças


É normal que os amigos de um casal, pais recentes, ao verem o recém-nascido, menino ou menina, exclamem sorridentes e efusivos: "é tão parecido com...", " lembra...", "é a cara chapada de..." - procurando um rosto antepassado, para avalizar, pelas feições, a legitimidade do nascituro. Há, neste esforço de procurar as semelhanças, o sentido de uma moral ou de piedade cristã, que só poderemos louvar.
O futuro pode trazer também esse carimbo de legitimidade sanguínia e de genes passados. Se compararmos o rosto de Jorge V (1865-1936), de Inglaterra, com os traços do czar Nicolau II (1868-1918), da Rússia, que eram primos, e ambos netos da rainha Victoria, a semelhança é enorme e impressionante. Mas se compararmos o nosso D. Pedro IV com o seu irmão D. Miguel, portugueses e irmãos, a dissonância dos seus rostos é profunda.
O mistério reside, bem como o nó do probema, na figura augusta da rainha Carlota Joaquina. Porque como diz o povo: mãe há só uma!...
Já agora, e o Menino Jesus, a quem aparentava: ao Espírito Santo ou ao S. José?

domingo, 28 de dezembro de 2014

Leituras : passado, presente e futuro


Uma das vantagens do Inverno é que acabamos por ler mais: o inóspito exterior e as longas noites, a isso convidam.
Findo que foi o primeiro livro das Memórias de José-Augusto França (Tomar, 1922), vou já a meio da leitura do segundo volume (em imagem), que se ocupa dos primeiros anos do século XXI, até 2012. Memórias movimentadas, com grande ritmo descritivo, importantes para quem queira conhecer ou se interesse pela vida artística portuguesa de grande parte do século passado. Espera vez, entretanto, a vida da rainha Victoria (1819-1901), levantamento histórico de um longo reinado, levado a cabo por um notável autor inglês de biografias - Lytton Strachey (1880-1932).

Haiku de Inverno


Petrificado quase
sobre o meu cavalo -
o meu ombro gelado.

Matsuo Bashô
(1644-1694)
...
Pela noite de Dezembro
um leito gelado -
eis tudo o que eu tenho.

Ozaki Hôsai
(1885-1926)
...
De novo o Inverno
mesmo nas frases gélidas,
vaporosas das visitas.

Sumitaku Kenshin
(1961-1987)

sábado, 27 de dezembro de 2014

O zelo : o excesso, a lei e a beatitude


Da burocracia, já quase todos nós lhe experimentámos as múltiplas metamorfoses e malefícios. Atrás de envidraçados e defensivos guichets, públicos ou privados, acobertam-se, muitas vezes, pequenos tiranetes de serviço que são, na sua maioria, serviçais e bajuladores da hierarquia imediatamente superior, mas tiram, do escrupuloso e literal cumprimento da lei, desforço da sua mediocridade rotineira, em relação àqueles que precisam do seu carimbo ou aprovação. Kafka definiu-lhes os tiques e o estilo.
O vídeo que, ora, se apresenta, será, porventura, excessivo e ligeiramente populista na forma, mas é também claramente exacto na sua denúncia e caricatura de um procedimento desumano e totalitário desses tais tiranetes de serviço que, tantas vezes, temos que suportar.



com agradecimentos cordiais e os melhores votos natalícios a AVP.

Regionalismos transmontanos (67)


1. Respício - criança magra e enfezada.
2. Resulho - a parte sólida do caldo, o m. q. rasulho.
3. Revergada - diz-se da caligrafia difícil de entender.
4. Ribeira - terra baixa, fresca e com regadio, boa para a cultura.
5. Riça - diz-se da galinha com penas crespas, frisadas (riçadas).
6. Rijar - frigir, fritar, frejucar (em pingo).

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Mercearias Finas 94


Imperdoável seria que nesta época natalícia, riquíssima em gastronomia tradicional portuguesa, eu não consagrasse um poste de Mercearias Finas ao que foi sendo consumido nestes dias, propensos à engorda, ao colesterol e à beatitude estomacal. Mesmo em versão resumida, aqui vai um inventário do que à mesa foi chegando: um capão, em tríptico gastronómico, que deu para um assado, um arroz de cabidela e uma prévia canja aconchegante e untuosa, para rebater o frio de Dezembro. De Cozidos, houve as duas versões - terrestre, ou à portuguesa, nas suas carnes diversas e fumeiros, mas também a marítima, de bacalhau que foi acompanhado por uma penca da Póvoa, concordante na sua origem beira-mar... Do cabritinho mamão, natalício para o almoço, há que louvar-lhe a mansidão da carne e tenrura saborosa, com arroz de miúdos, do dito, entrelaçado dos netinhos da couve poveira. Amanhã haverá perdizes, celebrando a vinda da prole (ainda tenho que escolher o tinto!), com couvinhas de Bruxelas e batata palha.
Das doçarias, falará a fotografia acima, sendo que os mexidos vimaranenses (tão frequentados, no Arpose, por donas de casa platónicas, neste Dezembro de 2014: o número já vai em 278...) aparecem na direita alta. Estão óptimos, graças ao dom particular de HMJ. E por aqui me fico, que ainda tenho que escolher o vinho tinto, para amanhã...

Recordações e efemérides


A quadra natalícia tem o condão, natural e instintivo, de nos reaproximar da infância, por um contágio de respiração de ambientes longínquos, mas marcantes. Das coisas mais antigas que me lembro, destacam-se os funerais da rainha D. Amélia (1865-1951) e do Marechal Carmona (1869-1951), que tiveram forte repercussão nacional e grande cobertura radiofónica e jornalística. Mas não só a morte ficou reflectida na minha memória mais recuada. Também um acontecimento patriótico e desportivo: a vitória, em 1954, na travessia a nado do Canal da Mancha, obtida pelo português Joaquim Baptista Pereira (1921-1984), esforçado nadador nascido em família pobre de Alhandra. E de quem muito poucos se lembrarão hoje, mas que o British Pathé registou em imagens, para sempre. Que se podem ver no vídeo, abaixo. Passam este ano 60 anos sobre o feito glorioso.


Um poema de Dylan Thomas, em versão portuguesa


O palhaço na Lua


As minhas lágrimas são como um fluir tranquilo
de pétalas derramadas por uma rosa mágica
e toda a minha mágoa atravessa a fenda
de céus passados e neves esquecidas.

Penso que, se eu pudesse tactear a terra,
ela havia de desmoronar-se;
tudo isto é tão triste e tão belo,
tão trémulo como imagens de um sonho.


Dylan Thomas (1914-1953).

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Pinacoteca Pessoal 89


Passa este ano o centenário do nascimento do poeta galês Dylan Thomas (1914-1953), ainda hoje muito popular entre os ingleses que gostam de poesia. O último TLS faz-se eco da saída recente de vários estudos sobre a obra do Poeta, bem como de algumas antologias de poemas.
Documentada muito razoavelmente, a sua iconografia contém três retratos feitos (1934, 1953 e 1964) pelo pintor Alfred Janes (1911-1999), também ele galês. O último retrato, a tinta-da-China, é já póstumo, baseado que foi  em fotografias de Thomas. Aqui ficam, em imagens dispostas cronologicamente.

Retro (61)


No ano do centenário do início das hostilidades da I Grande Guerra, este "Fado das Trincheiras", cantado pelo Miúdo da Bica, celebrando a participação portuguesa na guerra. E em mais uma geminação com MR, no Prosimetron (canção de Mike Harding). Muito embora esta interpretação de Fernando Farinha (1928-1988) tenha um tom muito mais patriótico e heróico...

Guloseimas tradicionais de Natal (2)


Já aqui, a 1/12/14, demos conta de 4 doces tradicionais natalícios de países estrangeiros que ilustram outros tantos pacotinhos de açúcar da Sidul. Este 7/12 traz a imagem e a receita dos Gajorros, oriundos de Espanha, mais concretamente de Cabra, terreola próxima de Córdova, segundo a Wikipédia. Estas roscas doces, de forma helicoidal, levam gemas, claras, limão, azeite, farinha, açúcar mascavado e canela.
Creio que não serão muito antigos, porque o grande Diccionário Español-Portugués (1864), em três grossos volumes, de Manuel do Canto e Castro Mascarenhas Valdez, não regista o vocábulo Gajorro, pelo que apurei.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Uma geminação com o Prosimetron


Para MR, que tem consagrado alguns postes ao Chá das 5, no amigo blogue Prosimetron, com uma profusa selecção de chávenas insólitas...

Os factos do ano de 2014, antecipadamente, no Arpose


Antecipo, por serem com certeza inultrapassáveis, os dois factos mais singulares, acontecidos no Arpose:
1. Uma visita recente e honrosa oriunda do Ministério das Comunicações e Informação do Kuwait. Ainda para mais a pesquisa foi feita em língua romena...
2. A consagração no top 1 de postes mais visitados, do que foi dedicado aos Mexidos vimaranenses (de 24/12/2014). Que foi frequentado por 229 donas de casa, só neste mês de Dezembro, e até agora...

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

A par e passo 119


É agora que eu gostaria de elevar um pouco o tom destas confidências.
O porto (Sète), os navios, os peixes, os cheiros, a natação, não eram senão uma espécie de prelúdio. Torna-se necessário, nesta altura, exemplificar-vos uma acção mais profunda do mar natal sobre o meu espírito. O rigor é extremamente difícil nestas matérias. Não gosto de falar de influência, que designa apenas uma espécie de ignorância ou hipótese, e que desempenha um papel tão importante e tão cómodo na crítica. Mas tentarei dizer aquilo que me parece.
Certamente que nada foi tão forte na minha formação, mais íntimo, melhor absorvido - ou construído - do que estas horas votadas ao estudo, distraídas na aparência, mas dedicadas, no fundo, ao culto inconsciente de três ou quatro divindades incontestáveis: o Mar, o Céu, o Sol.
Eu reencontrava, sem o saber, não sei que deslumbramentos ou exaltações do ser primitivo. Não vejo nenhum livro que possa substituir, nenhum autor que consiga criar em nós estes estados de estupor fecundo, de contemplação e de comunhão que eu conheci nos meus primeiros anos de vida.

Paul Valéry, in Variété III (pg. 241).

Citações CCXIII


A timidez, fonte inesgotável de infelicidades na vida prática, é a causa directa, ver única, de toda a riqueza interior.

E. M. Cioran (1911-1995).

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Ponto de situação quanto aos Mexidos de Natal, vimaranenses...


Nos 22 dias deste mês de Dezembro, e até ao momento, as visitas, ao poste (e receita) dos Mexidos vimarenses, já somam 164...
Provavelmente, amanhã e depois, ainda virão mais algumas donas de casa de última hora, dessas que andam pela internet.
Se eu não fosse céptico e empedrenido, a minha boca abrir-se-ia num sorriso de bonomia e satisfação, ao imaginar que em 164 lares lusos, alguns até da diáspora, haveria, pelo menos, uma travessa de Mexidos vimaranenses, na mesa iluminada da Consoada deste Natal de 2014...

O Natal dos outros, e de outros tempos...

Da Rússia
Da França
Da Alemanha
E da Inglaterra.

James Simmons (Irlanda do Norte, 1933-2001)


Um poema de aniversário

para Rachel

Por cada ano de vida nós acendemos
uma vela no teu bolo
para assinalar uma espécie de progresso
que todos podem cumprir,
e depois, para testar tua fibra ou dar
uma ideia da morte,
pedimos-te que apagues todas as velas, cada ano,
com o teu próprio sopro.

domingo, 21 de dezembro de 2014

O reverso da medalha


Há quase sempre a possibilidade de ver uma coisa ou facto segundo duas perspectivas antagónicas. Em resumo, é aquela situação do optimista ver o copo meio cheio e o pessimista dizer que o copo está meio vazio, presumindo que ambos gostassem da bebida. Hoje poderíamos dizer que o dia é o mais pequeno do ano ou, pelo contrário, afirmar que é a noite mais longa. Qualquer das afirmações é verdadeira.
Mas, mais profundo de sentido, é o postulado do sociólogo inglês David Martin (1929), quando refere: "Na religião, tal como na ciência, não se pode ter o perfume sem ter também o gás mostarda." 

Divagações 78


As representações religiosas em pintura, da Natividade à Crucificação, de tão vistas e reproduzidas, deixam-me, normalmente, indiferente e não conseguem já despertar-me a mínima emoção ou um qualquer prazer estético. Por outro lado são raros, nessas representações pictóricas, os laivos de originalidade ou de algum pormenor que ultrapasse o estereotipo.
Como aqueles poemas de circunstância de grande parte da pobre poesia portuguesa dos séculos XVII e XVIII, que dizem sempre o mesmo, expressando a banalidade sentimentalesca através dos jargões vazios de uma época de artifícios.
Ainda me agradam um mínimo, no entanto, pela sua rústica simplicidade, algumas pinturas de Giotto (1266?-1337) e de Fra Angelico (1395-1455) sobre o Natal. Daí, este céu azul vazio, de Giotto, povoado de estrelas ingénuas, que escolhi para ilustrar o poste.

sábado, 20 de dezembro de 2014

Um tranquilo Natal!


Quando os CTT, de Portugal, eram considerados dos mais eficientes do mundo - e isso ocorreu durante uma grande parte do século XX -, eu costumava mandar as Boas-Festas, pondo no correio os cartões respectivos, a 21 ou 22 de Dezembro, sabendo de antemão que chegariam a tempo. Hoje, não confio...
Com o habitual cenário do nosso Presépio minimalista, daqui enviamos aos nossos Amigos, Comentadores e Seguidores, os melhores votos para este Natal de 2014. O Presépio vai em tríptico, para abranger melhor a totalidade das figuras...

Palavras de sabedoria


"Ler Marguerite Yourcenar, hoje, não é exumar um repositório de boas maneiras, mas explorar, para lá de uma obra singular pelo seu pensamento e plural pela sua forma, todo um acervo de modernidade literária irredutível aos ícones e ao imaginário comum."

Bruno Blanckeman, in Le Magazine Littéraire (nº 550, Dezembro de 2014).

Uma fotografia, de vez em quando (52)


São duas fotografias de juventude - Gala, a mais velha do grupo de amigos, teria 37 anos -, tiradas em Cadaqués, por Paul Éluard (1895-1952), no Verão de 1931.
Em ambas surge Nusch Éluard (1906-1946), segunda mulher de Paul, que morreu jovem, mas serviu de modelo a Picasso e foi fotografada por Man Ray, dada a sua beleza singular. Muito haveria a dizer deles, a propósito, por exemplo, do triângulo amoroso que se veio a constituir entre Paul Éluard, Gala e Dali - que, nesta altura, teria 27 anos. Só de René Char (1907-1988), com 24 anos de idade, nada há a dizer: a sua poesia, falará por ele...

Afinal, em que ficamos?!


A gente já se habituou, nos últimos tempos, a que os políticos digam, hoje, uma coisa, e passados uns meses, ou até dias, venham dizer o seu contrário. Aos escritores, é que não perdoamos. A menos que isso represente uma evolução ponderada, entre a juventude e a maturidade, e que nós a possamos entender, nas suas razões justificadas e objectivas.
Escrever muito também não deve ajudar à coerência. À força de puxar pela moleirinha, vão saíndo as coisas mais díspares, às vezes, contraditórias. Será o caso, talvez, do M. E. C., que se desdobra, plumitivamente. Agora, numa mesma crónica, do mesmo dia e no mesmo jornal (Fugas/ Público, de 20/12/2014), em 2 parágrafos seguidos, dizer uma coisa e o seu contrário, é que eu nunca tinha visto.
Ora atente-se (as palavras vão sublinhadas, na imagem que encima o poste):
- "3) As maçãs assadas têm a desvantagem de só saberem bem acabadinhas de fazer. ..."
e
- "As maçãs assadas, sabe-se lá por que alquimias, melhoram com a passagem do tempo. As envelhecidas são mais saborosas do que as recém assadas. ..."

Eu terei lido bem?
O M. E. C. passou-se, de vez...

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Na passagem dos 90 anos sobre o nascimento de Alexandre O'Neill (1924-1986)...


...estes 2 divertimentos gráfico-poéticos de Abandono Vigiado (1960).

Regionalismos transmontanos (66)


1. Relado - magro.
2. Relhas - pessoa ruim, amofinadora, impertinente, má de aturar.
3. Remiacos - vegetação verde que cobre as águas estagnadas.
4. Repaconechas - centopeias (Barroso).
5. Requintar - apertar muito, esticar.
6. Resinado - zangado, irado, aborrecido.

Citações CCXII


A decisão é uma bela coisa, mas o verdadeiro princípio fecundo, por consequência o verdadeiro princípio artístico, é a reserva.

Thomas Mann (1875-1955), in Goethe und Tolstoi.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Palavras passadas... mas presentes


"... A verdade é que tenho andado à procura de melhor do que «O Delfim» e não encontro. O facto é que Mestre Aquilino mete num chinelo 90% do que por aí se publica. O facto é que se lê «A Sibila» e não nos apetece mais nada. Tentem ler José Luis Peixoto depois de lerem Camilo. Valter Hugo Mãe depois de Nuno de Bragança. Afonso Reis Cabral depois de Fernando Assis Pacheco. Nuno Camarneiro depois de Dinis Machado (indo mais longe, deixem-me que vos diga que Michael Cunningham é uma chatice, sobretudo depois de Updike). Eu envelheço, a ficção portuguesa infantiliza-se. ..."

Ana Cristina Leonardo, in Atual (Jornal Expresso, de 6/12/14).

John Mole (Inglaterra, 1941)


O acorde


O espaço entre uma nota errada
e outra, o acorde mal executado
rompeu e segue para algures.

Promessas deixadas para trás
numa casa vazia, onde quer
que fiquem, obrigam ao regresso.

Acabamos por herdar a sua vida
como se fosse uma canção
sem palavras, uma perda,

embora seja nossa a oportunidade
de suspender o tempo, ouvir e perdoar
o desvio da corda transviada.


John Mole, in TLS (31/10/2014).

Retro (60)


Fruta da época, este postal de 1919, vindo de França, foi dirigido à "queridinha  Clara" que morava em Portugal. Nesta altura do mês de Dezembro, presume-se que o Presépio ou a Árvore de Natal já estejam montados nas casas portuguesas. Entende-se, também, que sendo a França mais laica do que Portugal, a opção da imagem tenha sido pela Árvore natalícia, como cenário desta família composta por quatro elementos...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Lembrete 26


Nunca será de mais lembrar ou falar da alta qualidade dos produtos da marca Vista Alegre. Da sua inovação e constante criatividade. Com preços para todas as bolsas, vale a pena por lá passar, agora, pelo Natal. Mesmo que nada se compre. Até os folhetos-catálogos têm imenso bom gosto estético.

Nos 250 anos sobre a morte de Jean-Philippe Rameau (1683-1764)



Em geminação com MR, no seu Prosimetron, este pequeno excerto de Castor & Pollux, de Rameau.

Máxima anónima


Um diplomata é um homem que se lembra da data do aniversário de uma senhora, mas se esquece de quantos anos ela faz.

Anónimo

Memória (98)


São imagens do British Pathé sobre o(s) primeiro(s) dia(s) da implantação da República Portuguesa, em Outubro de 1910.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Juan Ramón Jiménez, "A la inmensa minoría"



O saber, virtualmente acessível a todos os interessados, não costuma cair no regaço dos afortunados sem esforço, rigor e dedicação.

Sucede, no entanto, que o espectáculo tomou conta da Cultura e da Investigação. Porventura,  por influência de “sugestivas” capas de livros – de estética duvidosa – a CIÊNCIA, afastando-se do sentido mais nobre da palavra, também se rendeu a embrulhos “apelativos”,  privilegiando o “parecer” em vez do “ser”. Ora, quando a sugestão e a pressa se sobrepõem à ciência, surgem exemplos como este:



Verifica-se, todavia, que, na sua Bibliografia das obras impressas em Portugal no século XVI, Anselmo, no nº 676, não indica qualquer data de impressão, nem para o Tractado da spera, nem para a edição do Regimento, sendo seguido nessa cautela por Armando de Gusmão.

Com base no seu trabalho, e o registo dos impressos de Germão Galharde, sabiam os dois bibliógrafos que não havia, na altura e também actualmente, prova documental que permitisse recuar o início da actividade do impressor francês ao ano de 1516. Se, no entanto, considerarmos a indicação “[ca 1516]” extensível ao ano de 1519, encontrar-se-ia um impresso – outro – firmado na sua oficina tipográfica.


Mas, como a “pressa é o pior inimigo do bibliógrafo”, aconselha a prudência observar, atentamente, a produção do impressor Germão Galharde em terras lusas.

Post de HMJ

De "O Bilhar", de Nicolau Tolentino de Almeida (1740-1811)


...
Mora defronte roto guriteiro
com jogo de bilhar e carambola,
onde ao domingo o lépido caixeiro
co'a loja do patrão vai dando à sola.
Gira no liso, verde tabuleiro,
de indiano marfim lascada bola,
erguendo aos ares perigosos saltos:
chamam-lhe os mestres d'arte «truques altos».

Ali se ajunta bando de casquilhos,
a que o vulgo mordaz chama «rafados»:
alto topete, prenhe de polvilhos,
que descalço galego deu fiados;
de quebrados tafuis vadios filhos,
pelas vastas tablilhas encostados,
altercam mil questões; prontos contendem,
prontos decidem no que nada entendem.
...

Bilhar


Já não jogo bilhar há muitos anos, assim como os chamados matraquilhos, mas ainda tenho boas recordações de ambos. Jogos de interior ou Inverno, destes últimos cheguei a ser um praticante razoável e qualificado. O bilhar exige mais prática, habilidade, noção de espaço, capacidade de concentração, boa pontaria... E pode ser um jogo fascinante, para quem o sabe executar.
A jovem que aparece neste vídeo, embora simpática, era perfeitamente dispensável. Terá, no entanto, o seu papel decorativo...
Mas chega de palavras, apreciem, então, o virtuosismo de Florian "Venom" Kohler.

com agradecimentos a C. S..

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Adagiário CCIX


Não cantes ao asno, que te responde aos coices.

A par e passo 118


Uma manhã, no dia seguinte a uma pesca proveitosa em que centenas de atuns foram capturados, eu fui ao mar para tomar banho. Primeiro, e para fruir a luz admirável daquele dia, avancei pelo pequeno paredão do porto. De imediato, ao baixar o meu olhar, apercebi-me, a pequena distância, sob a água maravilhosamente lisa e transparente, um horrível e transparente caos que me fez estremecer. Coisas duma vermelhidão enjoativa, massas de um rosa delicado ou de um púrpura profundo e sinistro boiavam jacentes, por ali... Reconheci com pavoroso horror a acumulação das vísceras e entranhas, de todo um rebanho de Neptuno, que os pescadores tinham rejeitado para o mar... Eu não podia fugir nem suportar o que via, porque o desgosto que este massacre me provocava dividia-se, em mim, à vez, entre a sensação da beleza  real e singular desta desordem de cores orgânicas, destes ignóbeis troféus de glândulas e despojos, donde se evolavam ainda correntes sanguinolentas (...) O olhar admirava aquilo que provocava horror e náusea à alma. Dividido entre a repugnância e o interesse, entre a fuga e a análise, eu esforçava-me por pensar naquilo que um artista do Extremo-Oriente, um homem com o talento e a curiosidade de um Hokusaï, por exemplo, poderia extrair deste espectáculo.

Paul Valéry, in Variété III (pg. 237).

Nota: Valéry evoca, neste excerto que traduzi, o resultado, no dia seguinte, de um copejo de atum, no porto de Sète (Mediterrâneo). A foto, que encima este poste, é de uma acção de copejo no Algarve.

Citações CCXI


Os primeiros quarenta anos de vida dão-nos o texto; os trinta seguintes o comentário apropriado sobre esse texto.

Arthur Schopenhauer (1788-1860).