Da Ribeira se chama, porque na margem direita do Tejo, e quase cheira a mar, numa sinestesia de sal, de feios (mas sempre saborosos) tamboris, até aos insólitos e assimétricos peixes-galos, de olhos esparramados, mas muito frescos. Violetas não as havia, mas havia um lindo pé de orquídeas brancas, de interior, e um pequeno vaso de cravinas que, na sua humildade, são sempre pródigas em florir. E da broa de milho, enorme, gretada pelo forno a lenha, trouxemos um pequeno quarto, que irá fazer companhia aos bifes de atum de cebolada. O Pegões, branco e encorpado, há-de completar o trio magnífico, como manda a lei.
sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014
quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014
Leilão em Março
Mais um importante leilão de livros (e manuscritos, postais, moedas...) a realizar entre 13 e 18 de Março, no Palácio da Independência, promovido por José Manuel Rodrigues (Livraria Antiquária do Calhariz). De destacar um boa queiroziana e uma camiliana extensa, bem como a obra de Miguel Torga, em primeiras edições. O lote 1048 corresponde à 1ª edição de Só (Paris, 1892), de António Nobre, com uma estimativa de venda entre 3.000 e 5.000 euros. Não menos interessante, a edição original de O Livro de Cesário Verde (1887), no seu exemplar nº 5 (de 200), que foi pertença de Columbano Bordalo Pinheiro. E com valor de venda previsto (lote 1586) de 2.000/ 4.000 euros.
Muito mais haveria a referir, mas fiquemo-nos por aqui, hoje.
Curiosidades 23
No poupar é que está o ganho - assim diz o ditado.
Respeitadora obstinada das vacas (sagradas), a Índia não deixa de ser, no entanto, o segundo maior exportador, a nível mundial, de carne de bovino. Atrás do Brasil, mas à frente da Austrália.
Fora de portas, a vaca é des-sacralizada...
Extinto
Dos nómadas e ambulantes, como este, só pode rezar a história... Acomodados em locas insalubres e esconsas, ainda haverá porventura alguns, actualmente, instalados e sedentários, pela província e arredores, nos seus pequenos negócios, a que a crise poderá dar algum alento.
O postal, do princípio do século XX, dá-nos um exemplar ainda com alguma dignidade profissional, sublinhada por uns óculos elegantes, de aros finos, e uma dupla cartola que testemunhava, talvez, alguma abastança do negócio...
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
Recuperado de um "moleskine" (6)
A pequena livraria onde, muito bissextamente, me abasteço de novidades, acabara de receber vários livros de poesia, que folheei sem grande entusiasmo, não me decidindo por nenhuma das obras. Acabei por trazer uma obra de ensaística. No entanto, ainda ontem à noite, e durante quase duas horas, segui o curso de talvez mais de 40 ou 50 poemas - daqueles muito curtos - de Emily Dickinson, sempre num crescendo de expectativa, compensado.
Há dias e noites para a poesia, como há para a prosa e, outros ainda, em que as palavras parecem resvalar pelo exterior de nós, sem nos tocarem quase, tenham ou não rima. E, às vezes, com rima ainda é pior... O defeso pode ser também uma necessidade ou uma purga salutar, para que o real comezinho se não perca de todo, no olhar distraído. E não seja apenas uma abstracção distante, alheia.
Destaque
Recenseada muito favoravelmente, pelo jornal Le Monde (21/2/14), a recente tradução, para francês, de "Correspondência de Fradique Mendes", de Eça de Queiroz (1845-1900), promovida pela editora La Différence. No mesmo artigo é referida, também, a reedição de "A Cidade e as Serras", na mesma editora.
Das leituras da véspera
"...Não estou a dizer que os escritores deveriam deixar de escrever. Isso seria pretensioso. Pergunto-me se não escreverão demasiado, se a massa de textos impressos, por entre os quais temos dificuldade em abrir caminho, desorientados, não representa por si só uma subversão do sentido. «Uma civilização de palavras é uma civilização doentia.» É uma civilização em que a inflação constante da moeda verbal desvalorizou de tal modo o que antes era um acto de comunicação criadora, que o valor e a inovação autênticos deixam de ser audíveis. Todos os meses tem de ser produzida uma obra-prima e, como tal, a actividade editorial concede à mediocridade um esplendor espúrio e passageiro. Os cientistas dizem-nos que a vaga de publicações especializadas e monografias atinge proporções tais, que em breve será necessário tornar as bibliotecas satélites em órbita, acessíveis por meios electrónicos enquanto giram à volta da Terra. A proliferação da verborreia na investigação humanística, as banalidades disfarçadas de erudição ou de reavaliação crítica ameaçam de obliteração a obra de arte e a exigência imediata da descoberta pessoal, que é a base de toda a verdadeira crítica. Falamos também demais, com demasiada leviandade, e tornamos público o que é privado, transformamos em estereótipos de falsa certeza o aproximativo, pessoal e, por isso, vivo na região de sombra da palavra. Vivemos numa cultura que é cada vez mais um turbilhão de palavreado oco, palavreado que se estende da teologia à política e confere um ruído inaudito aos problemas íntimos de cada um (o processo psicanalítico e a retórica superior da curiosidade indiscreta). Trata-se de um mundo que não terminará numa explosão nem num grito, mas num título de primeira página, num lema publicitário, num romance obsceno tão palavrosamente frondoso como um cedro do Líbano. Em que proporção deste fluxo quotidiano as palavras acedem à palavra? E onde encontraremos o silêncio necessário para que possamos aperceber-nos dessa metamorfose?..."
George Steiner, in Linguagem e Silêncio (pgs. 95/6), Gradiva, 2014.
Aditamento pessoal: segundo o TLS (nº 5785), no ano de 2013, foram publicados, na Inglaterra, 170.267 livros. O que dá uma média de 461 livros/ dia...
terça-feira, 25 de fevereiro de 2014
Cromos de outros tempos
De entre a Fábrica de Chocolates La Española e a congénere Imperial, ambas portuenses, provinham estes pequenos cromos, dos anos 40 (?), que embelezavam e tornavam mais apetecíveis, para a miudagem, as pequenas tabletes de chocolate. Havia cromos de várias temáticas (gatos, militares, costumes portugueses...) e, embora ingénuas, as figuras têm graça e candura.
Hoje, tudo é mais sofisticado e, aparentemente, mais perfeito ou bonitinho...
Idiotismos 26
Para quem, como eu, gosta de Arroz de Cabidela, talvez interesse saber como ele veio ao rol. Começando por Houaiss, o seu dicionário refere, logo de início, que cabidela é: "o conjunto das extremidades das aves (cabeça, pescoço, pés, asas), além do fígado, moela e miúdos em geral"; e, logo a seguir, regista: "prato que consiste nesses miúdos refogados no sangue da ave." A sua origem viria, portanto, de cabo = extremidade.
Posso ainda acrescentar que, já no século XVI, se usava a expressão, mas com forma ligeiramente diferente: Cabadela. Assim aplica Camões, no seu "Filodemo": "...caldo faço/ do coração escudela/ esses olhos são panela/ que coze bofes & baço/ cõ toda a mais cabadela".
Apontamento 40: Uma biblioteca diferente
Através de uma revista alemã, editada por uma fundação de defesa do património, tomei conhecimento da existência de xilotecas.
Os "livros" reproduzidos fazem parte de um conjunto de 93 volumes, integrando as espécies da floresta alemã. Enquanto as lombadas são formadas pelas respectivas cascas, o interior é muito rico em pormenores, guardando-se, numas caixas, no interior da lombada, as respectivas sementes.
O conjunto aqui apresentado deve-se a um dos vários autores, a saber, Carl von Hinterlang, um professor de Botânica. A primeira xiloteca surgiu em 1791 e a sua produção e divulgação teve uma vida curta. Por volta de 1815 cessou o interesse neste tipo de colecções, porventura devido ao preço elevado de cada volume.
Post de HMJ
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
David, sobre Eugénio (em memória e a pedido...)
Quase todos falarão da sua poesia, que sempre soube aliar com extrema sabedoria o sensorial desalinho ao disciplinado clássico, numa quase impossível simetria; os próximos poderão falar decerto da sua humana e afável generosidade, que nem sequer - que eu saiba - tinha ódios de estimação. Mas eu, hoje, gostaria de destacar o seu lado, talvez menos visível, de crítico competente e profundo, isento também - o que é mais raro num país que não abunda em sentido crítico nem na análise serena dos factos. E, no dia em que passam 87 anos, sobre o seu nascimento, vou lembrá-lo, através das suas palavras que constituem uma das melhores análises críticas (de grande acuidade sensível e certeira) para a compreensão da poesia de Eugénio de Andrade. As palavras são de David Mourão-Ferreira (Vinte Poetas Contemporâneos, Ática, 1960):
"...A poesia de Eugénio de Andrade apresenta-se corajosamente superficial - e de uma superficialidade tão subtil e envolvente, tão reticente embora capciosa, que só ao fim de repetidas leituras cabalmente se impõe. É certo que tais repetidas leituras trazem consigo o risco de revelar a estrutural inanidade de uma poesia como esta, que, em vez de penetrar no espírito do leitor, parece tão-somente deslizar, derramar-se sobre ele. Mas, então, já o espírito se encontra sob os efeitos desse epidérmico sortilégio; e nem reage. Um dos maiores triunfos da poesia de Eugénio de Andrade consiste justamente nessa capacidade de entorpecer, por meios muito simples, mesmo frívolos, aparentemente ingénuos ou desajeitados, o espírito de leitores aliás exigentes em outras circunstâncias. ..."
(Correspondendo ao desafio de A. C.)
Os fala-caro
Teremos de concordar que se há profissão sem desemprego e que se tem expandido, aceleradamente, nestes últimos tempos de crise, é a dos comentadores televisivos, políticos e económicos. A maioria dos quais, no entanto, debita banalidades e tem, quase sempre, um pensamento débil e frouxo, que pouco ou nada acrescenta ao que o bom senso do cidadão comum, também, facilmente chega.
Recebi, recentemente e por email amigo, uma informação que não tive oportunidade de certificar ou cruzar, para apurar a sua veracidade. Mas, mesmo assim, aqui fica o Top-3 dos comentadores televisivos mais bem pagos, segundo essa informação recebida:
1. Prof. Martelo: 10.000 euros/mês (TVI)
2. Gand'a Nóia: acima de 7.000 euros/mês (SIC)
3. Dra. Manuela Ferreira Leite: cerca de 5.000 euros/mês.
Donde se poderá concluir que, mesmo com maus títulos, se poderão arrecadar bons dividendos...
Recomendado : quarenta e sete - Prova dos 9, branco, 2012
Da casta Síria, gabo-lhe o gosto, acidulado e fresco.
As cepas abundam pelo interior, em metamorfose de nome que, no Alentejo, se crismou de Roupeiro e Crato Branco, no Algarve. E há quem diga que é a mesma, a Códega duriense. Até tanto não vou eu... porque a experiência e conhecimentos não me levam tão longe. Mas asseguro que é nas terras do Dão que a nobre casta Síria produz brancos de uma acidez singular, levemente agreste, mas muito saborosa.
Eu conhecia-a, estreme, dos brancos da Quinta do Cardo (regional Beiras), e pouco mais, na zona. Mas os vinhos não têm grande distribuição - parece-me. Felizmente, e em boa hora, a UCB (União Comercial da Beira) resolveu lotá-la, neste Prova dos 9, com o Encruzado e a Malvasia Fina, num conjunto harmonioso, em que a Síria mantém sabor predominante. O preço, nem se acredita, aliado à promoção que o acompanha numa cadeia popular de pequenas superfícies, que nem sei se irá durar muito...
O vinho acompanha, lindamente, uns filetes de pescada ou, mesmo, um arroz de polvo, caldoso e malandrinho, bem como outros peixes finos, que venham à mesa. Fica a recomendação amiga.
Pinacoteca Pessoal 71
O sul mediterrânico, sobretudo a partir do século XIX, talvez pela sua luz singular, sempre atraiu os pintores europeus, e a Provença ocupa, neste caso, um centro privilegiado. Mas, em relação a John Caxton (1922-2009), a Grécia foi a sua paixão. Classificado como neo-romântico (com tudo o que isso possa significar...), as suas obras reflectem influências muito diversas, que vão dos Impressionistas até Picasso e Nash. Caxton é, hoje, considerado um dos grandes pintores ingleses do século XX.
Daí, o Fitzwilliam Museum (Cambridge) ter organizado uma ampla retrospectiva da sua obra, que estará aberta ao público até 21 de Abril de 2014.
Em imagem, uma fotografia de John Caxton com Margot Fonteyn, na Grécia, o quadro "Rapaz deitado entre asfódelos" (1983/4), de uma colecção particular, e ainda uma Natureza Morta, que pertence ao acervo do Museu Fitzwilliam.
domingo, 23 de fevereiro de 2014
Filatelia LXXXVII
Até há pouco tempo, estes selos que se vêem na imagem eram considerados estragados ou de quase nulo valor filatélico, pelo menos, em Portugal - deitavam-se fora.... Hoje, no entanto e sobretudo na Inglaterra, fazem a delícia de alguns filatelistas temáticos, e têm bastante procura. Dão pelo nome de perfins, em inglês.
O perfin é um selo que tem a sigla ou nome da firma, por quem foi comprado, perfurado na própria estampilha, por forma a desencorajar o seu roubo, ou o uso abusivo, a nível particular, por parte de algum ladrão ou até mesmo por empregados dessa instituição.
O uso destas perfurações, para marcar os selos, teve início, na Grã-Bretanha, em 1868. Devido a abusos e roubos de selos, algumas empresas britânicas obtiveram o acordo dos Correios do Reino Unido, para perfurarem, previamente, os seus selos em carteira. Um pouco mais tarde, creio que por volta de 1895, algumas empresas portuguesas seguiram o bom exemplo inglês. Nas imagens, poderão ver-se, nos selos portugueses (frente e verso), as siglas dos Grandes Armazéns do Chiado, do BNU (Banco Nacional Ultramarino) e dos CFP (Caminhos de Ferro Portugueses). Mais tarde, também a CUF veio a utilizar esta prática.
Francesismo
Quando via e lia a palavra acantonar, logo me lembrava da vida militar; logo a seguir, associava-a aos cantões da inefável e egocêntrica Suiça.
Agora, o que eu não sabia, e que o Cardeal Saraiva (D. Francisco de S. Luiz) informa, fundadamente, é que a palavra tem origem na língua francesa. Sendo que, de início, cantoner significava pôr ao canto ou, em sentido metafórico: viver em retiro. Mas o Cardeal esclarece também (Glossario das Palavras e Frases da Lingua Franceza..., Lisboa, 1846) que o vocábulo fez a sua entrada oficial, na língua portuguesa, no ano de 1797, em documentação militar. E ainda hoje se usa para acampamentos de tropa.
A par e passo 80
Eu assisti à desaparição progressiva de seres humanos excessivamente preciosos para a formação regular do nosso capital ideal, tão importantes como eram os próprios criadores. Vi desaparecer, um a um, estes conhecedores, estes amadores insubstituíveis que, embora não criassem por obras, faziam prevalecer o valor das obras de outros; eram juízes apaixonados, mas incorruptíveis, para os quais ou contra os quais, era bom trabalhar. Eles sabiam ler: virtude que se foi perdendo. Eles sabiam entender e mesmo ouvir. Sabiam ver. Isto é, aquilo que eles reliam, que reapreciavam ou reviam, constituia-se, por sua vez e por isso, em valor sólido. (...) A vida intelectual e artística mais desinteressada e mais ardente era a sua razão de ser. (...) Hoje, as coisas avançam muito depressa, criam-se reputações rapidamente, mas também se desfazem com rapidez. Nada se torna estável, porque nada se faz para ser estável.
Paul Valéry, in Regards sur le Monde actuel (pgs. 280/1).
sábado, 22 de fevereiro de 2014
Um poema de Nemésio, avô
À minha neta Anica
A neta explora-me os dentes,
Penteia-me como quem carda.
Terra da sua experiência,
Meu rosto diverte-a, parda
Imagem dada à inocência.
Finjo que lhe como os dedos,
Fura-me os olhos cansados,
Íntima aos meus próprios medos
Deixa-mos sossegados.
E tira, tira puxando
Coisas de mim, divertida.
Assim me vai transformando
Em tempo da sua vida.
Vitorino Nemésio (1901-1978), in O Verbo e a Morte (1959).
Nota: em parceria com a Isabel, que também publicou um poema de Nemésio, no seu Blogue.
Citações CLXII
Há dois tipos de conhecimento. Aquilo que nós próprios sabemos, e sabermos onde devemos procurar informação para o conhecermos.
Samuel Johnson (1709-1784), em carta para James Macpherson.
A colheita do dia
Ao dia foram chegando várias coisas, umas amáveis, outras, não. Dos blogues irmãos se retiram, ainda que distantes, mensagens sempre interessantes. De emails amigos o afecto, o humor, a informação de quem os mandou. Das leituras que fiz, eu destacaria algumas notas, no TLS, sobre a acédia que está afectando e afogando o povo germânico, apesar do seu bem-estar. Mas também a informação surpreendente de que, tirando os holandeses, são o povo que menos horas trabalha, semanalmente, na UE (e esta, hem!?). Para além da reforma aos 63 anos... Pelos vistos, não chega para se chegar à felicidade.
Já depois do jantar, estive a ver este vídeo (acima) que AVP, cordialmente, me enviou (agradeço!), e achei que o devia pôr no Blogue. Porque, apesar de não muito profundas, as palavras de Jeremy Irons são, no mínimo, justas e certeiras.
Bibliofilia 98
Este folheto de 30 páginas não numeradas, considerado "muito raro", por Inocêncio (Tomo I, 88), publicado em Hamburgo, provavelmente no ano de 1799, graças ao patrocínio do Morgado de Mateus (D. José Maria de Sousa), inclui, em edição bilingue, a tradução da Ode para o dia de Santa Cecília, de John Dryden (1631-1700), bem como mais três odes do poeta, também inglês, Thomas Gray (1716-1771). As versões para português foram feitas por Antonio de Araujo de Azevedo (1754-1817), natural de Ponte de Lima, conde da Barca, diplomata (Holanda, Rússia, França) e homem de estado, que desempenhou altos cargos na corte portuguesa, durante a sua permanência no Brasil.
O folheto brochado, em bom estado de conservação, é de papel encorpado e de boa qualidade. A abrir tem uma Advertencia do Morgado de Mateus, à guisa de introdução, com considerandos sobre a dificuldade das traduções. O livrinho, já no século XXI, custou-me 18 euros, e nunca tinha visto, nem vi depois, nenhum outro exemplar para venda, posteriormente, a o ter adquirido. A BNP tem no seu acervo 3 exemplares, um dos quais nos Reservados.
Regionalismos transmontanos (26)
1. Chinar - tapar com pedrinhas ou chinos os buracos de uma parede. Demarcar campos. Tombar o chino, derrubar o meco. (Conheço, em semelhança, com o significado de completar todos os números de um cartão, no jogo do Loto.)
2. Chinche - percevejo.
3. Chiote - frio áspero. Vestuário de burel.
4. Chismiz - (Barroso) pequeno pedaço de comida.
5. Choninha - pessoa insignificante.
6. Cinisga - rapariga magra, desembaraçada e esperta.
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
Agiotas e mecenas
É com particular satisfação íntima que, por vezes, sei ou tenho notícias sobre mecenatos que se reúnem em vontade colectiva, e financeira, para adquirir (e doar, eventualmente), de forma a não deixar sair do país, obras de arte com interesse nacional. Se há nisto algum proveito natural para o(s) próprio(s), decorrente da dedução nos impostos, também há, no facto, algum brio patriótico que não pode ser desvalorizado.
Aquando da recente telenovela portuguesa dos Miró, ainda pensei, ingenuamente, que algum Santos, algum Roque ou Amorim, algum Belmiro se chegasse à frente, ou mesmo alguma instituição mostrasse interesse em que este acervo pudesse ficar em Portugal. Mas estes senhoritos estão mais interessados em levar dinheiro para a Holanda, do que deixar ficar telas em território nacional...
É essa a grande diferença, de qualidade. Porque, ontem, soube que a National Gallery, de Londres, enriqueceu mais o seu acervo, mediante um mecenato esclarecido. O quadro "Men of the Docks", do pintor americano George Bellows (falei dele, aqui, em 16/1/13), vai ficar na Inglaterra. E a National Gallery já lhe reservou lugar condigno, numa sala, entre Claude Monet e Camille Pissarro.
Camões e o fogo de Santelmo
Já hoje podem ler, os núbeis estudantes do Secundário, o Canto IX que, de "Os Lusíadas", no meu tempo era vedado às criancinhas, pelos desabusados costumes que lá vinham...
Não tenho a certeza de que esse nono Canto, do nosso poema maior, seja o mais importante, mas é esse mesmo que hoje é destacado, num rasgo parolo e exuberante de alforria liberal deste Governo, no programa oficial, para ser lido, mesmo que aos bocados, como tem sido apanágio da índole fragmentária e palerma do Ensino, nestes últimos tempos.
Porque há - e não presumo nem aconselho, é certo, uma leitura cabal nem intensiva da Epopeia - alguns trechos bem interessantes e apelativos, mesmo para a juventude, em "Os Lusíadas", de Luís de Camões. Lembraria, por exemplo, a descrição genial do fogo de Santelmo e de um tornado marítimo, em simultâneo, feita pelo nosso Épico, no Canto V (estrofes 18 e 19).
Convém dizer, para quem não saiba, que fogo de Santelmo (ou de Santo Elmo), em palavras simples, era uma espécie de fogo circunscrito que, na Antiguidade, parecia incendiar a ponta (metálica) dos mastros dos navios, e que, normalmente, se sucedia a uma forte tempestade marítima, sendo provocado por descargas eléctricas, dos raios. Hoje, também se pode observar e pode acontecer, por vezes, na fuselagem dos aviões, em circunstâncias semelhantes.
Mas demos a palavra ao Poeta:
Vi claramente visto o lume vivo
Que a marítima gente tem por santo,
Em tempo de tormenta e vento esquivo
De tempestade escura e triste pranto:
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e cousa certa de alto espanto,
Ver as nuvens do mar com largo cano
Sorver as altas águas do Oceano.
Eu o vi certamente e não presumo
Que a vista me enganava, levantar-se
No ar um vaporzinho e subtil fumo
E do vento trazido, rodear-se
De aqui levado ao Polo sumo
Se via, tão delgado que enxergar-se
Dos olhos facilmente não podia,
Da matéria das nuvens parecia.
Retro (42) : Brasil (4)
Ignorância a minha, pensar que (Real) Gabinete Português de Leitura só havia um. Situado no Rio de Janeiro, rua Luís de Camões, nº 30, mandado construir por expatriados portugueses do Absolutismo, e que foi inaugurado, no seu estilo neo-manuelino, em 1887.
Pois a cidade da Baía, ciumenta talvez, replicou com edifício semelhante, inaugurado em 1918, como se pode ver pelo postal da esquerda, na segunda linha, datado das primeiras décadas do século XX. E que não fica atrás, em dignidade, do seu congénere carioca...
quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
Uma fotografia, de vez em quando (30)
Pioneiro francês da fotografia, Eugène Atget (1857-1927) começou por ser actor, e só a partir de 1890 se começou a dedicar, com mais empenho, à actividade por que viria a ser mais conhecido. Fotografou intensamente Paris (o tríptico de fotografias é da rua de l'Hôtel de Ville, em 1921), mas um Paris já em mudança. Mas as pessoas também tiveram lugar nos seus instantâneos, como se pode ver no grupo de parisienses, na Praça da Bastilha, contemplando o eclipse do Sol, em 1912, na última imagem.
Nota: o retrato de Atget é de autoria da fotógrafa Berenice Abbott, que foi assistente de Man Ray.
Nota: o retrato de Atget é de autoria da fotógrafa Berenice Abbott, que foi assistente de Man Ray.
Filumenismo (4)
É no que dá, arrumarem-se gavetas e armários... Coisas de que já não nos lembrávamos, vêm à tona. E acabamos por as apreciarmos, como se as víssemos pela primeira vez.
Os fósforos, que começaram a ser comercializados na primeira metade do século XIX, terão sido, no início e para os primeiros utilizadores, como que objectos mágicos, mas muito úteis. E houve quem, pouco depois, começasse a coleccionar as suas caixas e rótulos.
Cheguei, também, a juntar caixas de fósforos mas, verdadeiramente, nunca as coleccionei. Estes rótulos, belgas, dos anos 50/60, vieram junto com uma colecção de selos, que adquiri, há cerca de um ano. De engenhoso traço gráfico, e muito variados nos motivos, sendo bonitos, aqui ficam para partilha visual.
Adagiário CLXXIII : Açoriano
Porco da Praia*, boi do Cardeal, homem de Santana, terra que dá caminho e menina que está à janela, o Diabo pegue nela.
* refere-se à cidade de Praia da Vitória (Açores).
quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014
Uma "história" de E. de A., para o fim da tarde
Uma abelha, dessas que dizem ser italianas, entrou pela janela, obstinou-se em escolher-me, pousa-me no ombro, descansa dos seus trabalhos. Lisonjeado com aquela preferência, comecei a amá-la devagar, retendo a respiração, com receio de que não tardasse a dar pelo seu engano, que cedo viesse a descobrir que não era eu a haste de onde se avistam as dunas. Mas o seu olhar tranquilizava, era calma ondulação do trigo. Agora só uma interrogação perturbava a minha alegria - comigo, como é que faria o seu mel?
Eugénio de Andrade, in Memória doutro Rio (1978).
3 reflexões de Charles Péguy
1. Seria preciso que os componentes de uma cadeira fossem bem feitos. Estamos entendidos. É a sua condição. Não seria necessário que eles fossem bem feitos pelo salário ou pela exigência do salário, nem deveria ser preciso que eles fossem bem feitos por causa do patrão, nem por causa dos peritos ou dos clientes do patrão, mas seria necessário que fossem bem feitos por si mesmos, em si mesmo, por eles próprios e pela razão da sua própria existência.
2. Pela primeira vez na história do mundo, as potências espirituais foram banidas em conjunto, não pelas potências materiais, mas por um único poder que é a potência do dinheiro. (...) Por uma indizível e terrível aventura, por uma tal aberração do mecanismo, por um desequilíbrio, um desregulamento, por um enlouquecimento da mecânica, o que devia servir para moeda de troca acabou por subverter e invadir o valor a trocar.
3. A força não cria nada de eterno. Só o direito pode fundar uma instituição.
Charles Péguy (1873-1914).
terça-feira, 18 de fevereiro de 2014
A passagem do Tempo, em Montmartre
As paisagens renovam-se, quase sempre. Mesmo as urbanas, que poderão apresentar a marca da idade nos prédios mais antigos, através de fendas - como as faces humanas se cavam de rugas - acabam por vir a renovar-se pela vontade dos homens, mais tarde ou mais cedo, ao contrário dos rostos.
As duas fotografias superiores, de 1889, são de Montmartre (Paris), e numa delas pode ver-se a Igreja de Sacré Coeur, em construção. O segundo par de imagens é ocupado pelo quadro La Maison Rose, pintado por Maurice Utrillo, em 1912, e a mesma casa e local, na actualidade.
para H. N., cordialmente, esta pequena retribuição...
Notas de Leitura VII: "Malentendu à Moscou" - Simone de Beauvoir
“Ele não lhe dissera
tudo aquilo que lhe tinha passado pela cabeça naqueles dias. E ela talvez tivesse
guardado para si própria algumas pequenas coisas. Não tinha importância.
Tinham-se reencontrado. Ele faria perguntas, ela responderia. Porque é que te
sentiste velha?, perguntou-lhe ele”.
Mais do que a história de uma crise conjugal e identitária,
ultrapassada in fine, como refere Éliane
Lecarme – Tabone, no prefácio, aquilo que neste final de Malentendu à Moscou se
evidencia é a consciência da efemeridade da vida e do estreitamento do tempo,
que transformam o nó da intolerância e do desprendimento, quiçá o proprium do envelhecimento, num outro
degrau do afecto: a imprescindibilidade do outro, quando o horizonte da vida se
rarefaz e o futuro se desenha em jardim do esquecimento.
Ler Malentendu à Moscou
é, pois, como desatar os sucessivos nós das primícias do envelhecimento: a
íntima degradação do corpo, o medo de ficar só, a proximidade do vórtice da
vida.
A viagem à União Soviética, em 1966, de Nicole e de André,
dois professores franceses, sexagenários e recém-reformados em visita a Macha,
filha de André, casada com um arqueólogo russo, e residente em Moscovo
constitui, para ambos, sem que inequivocamente o assumam, uma forma de
prolongamento do início dessa nova etapa das suas vidas: a da velhice, agora
atestada socialmente pela condição de reformados.
Dando a ver, ao longo das suas vinte quatro sequências
narrativas, a perspectiva de cada um dos protagonistas, que são como que as
camadas dos múltiplos afectos e das múltiplas decepções que envolvem o núcleo
duro do existir em comum, a novela de Simone de Beauvoir introduz-nos, à
maneira de uma sequência de fotogramas da vida a acontecer, numa espécie de
ensaio de filosofia da inquietude.
Escrita em 1966, aos 58 anos – portanto, quase sexagenária
como a personagem de Nicole – com o propósito de ser incluída na colectânea La Femme Rompue, a novela acabou por ser
substituída por outro texto (L’Âge de discrétion), que utiliza várias
sequências de Malentendu à Moscou,
embora expurgadas do seu enquadramento geográfico e político. No entanto, esta
novela, que surgiu em 2013 numa edição autónoma, foi publicada pela primeira
vez, já depois de morte de Simone de Beauvoir, na revista Roman 20-50, em 1992.
Com evidentes ressonâncias autobiográficas e um fio de subtil
ironia, que remetem para as viagens da própria Simone de Beauvoir e de
Jean-Paul Sartre a Moscovo e em que, como também refere Éliane Lecarme-Tabone,
a personagem de Macha acolhe traços de Léna Zonina, a amiga russa de Sartre, Malentendu à Moscou evoca um tempo de
intenso debate político e ideológico, em que os ecos do conflito sino-soviético
se misturam com a desilusão de um comunismo que definitivamente se burocratiza
em anacronismos e filas de espera e em que o calor da vodka gelada e o cinzento
aveludado do caviar – que a generosidade das divisas estrangeiras podia pagar –
não chegam para tapar a brecha da dúvida por onde se insinua o vazio da
desilusão: “Sim o seu mal-estar tinha um
nome, um nome de que ele não gostava mas que era obrigado a empregar: decepção.
Ele detestava, de um modo geral, os viajantes que ao regressarem da China, de
Cuba, da URSS ou mesmo dos EUA, diziam: ”Fiquei decepcionado”. Eles tinham
errado ao construírem a priori ideias
que depois os factos desmentiam: o erro era deles e não da realidade. Mas
afinal era qualquer coisa de análogo que ele próprio experimentava. Talvez
tivesse sido diferente se tivesse visitado as terras virgens da Sibéria, as
cidades onde trabalhavam os sábios. Mas em Moscovo e em Leninegrado não tinha
encontrado aquilo de que estava à espera. Mas ele esperava exactamente o quê? Era
vago. Em todo o caso não o tinha encontrado. [Quando se é] jovem e se tem, pela frente, uma ilusória
eternidade salta-se facilmente de um lado para o outro da estrada; mais tarde
já não temos forças para ultrapassar o que se diz serem os falsos custos da história
e achamo-los terrivelmente elevados. Ele tinha contado com a história para
justificar a sua vida; agora já não contava com ela.”
É talvez o momento em que o saber da convicção cai no poço da
realidade, o momento em que sub-repticiamente o vértice da vida se vai
transformando em turbilhão e a ideia de futuro regride até à insignificância do
próprio corpo e à sua irremediável condição biológica, o momento em que se
rompe com o conforto da inocência e se percebe como é mais necessário o afecto
que nos segura do que a convicção que dolorosamente nos escapa.
Em rigor, dir-se-ia que André e Nicole não foram enganados
pela vida mas sim surpreendidos pela errada percepção da sua ilusória solidez,
pela inconsistência e plasticidade dos seres e das coisas; ao contrário de
Macha, a filha que André se esquecera de ver crescer (e que, agora, aos olhos
de Nicole, era o verdadeiro motivo do conflito, porque lhe disputava o amor e
as atenções de André), tanto ele como Nicole chegaram, paradoxalmente, imaturos
ao termo da maturidade, exactamente por não terem percebido que a maturidade é
tão só o lastro de inocência e de negação que se vai transformando em generosa
ambiguidade no decurso dos inevitáveis conflitos de viver, porque, na verdade,
aquilo que, de facto, queremos da vida é, afinal, sempre outra coisa: ”antes já existiam sinais. No espelho, nas
fotografias, a sua imagem perdera frescura mas ela ainda se reconhecia nela.
Quando falava com os seus amigos, eles eram os homens e ela sentia-se uma mulher.
Mas depois, aquele rapaz desconhecido – tão belo – chegou com André;
apertou-lhe a mão com uma amabilidade distraída e qualquer coisa ruiu. Para
ela, ele era um macho jovem e atraente; para ele ela era tão assexuada quanto
uma velha de oitenta anos. Nicole nunca mais se esqueceu desse olhar; ela tinha
deixado de coincidir com o seu corpo; era um despojo estranho, uma máscara
dolorosa. Talvez essa metamorfose tivesse durado mais tempo, mas na sua memória
resumia-se nesta imagem: dois olhos de veludo que se desviavam com indiferença.”
Reflexão sobre uma crise de identidade de dois protagonistas
no limiar do envelhecimento que, por assim dizer, transpõe o perímetro da
filosofia para um espaço mais amplo e mais ambíguo onde o testemunho e o
pensamento, bem mais do que a imaginação, se ajustam à ideia de ficção, Malentendu à Moscou traz para a escrita
a narrativa da decadência do corpo, da voragem das certezas, da fragilidade da
relação com o outro, do cansaço da realidade e da angústia dos afectos; daquilo
que fica da espuma dos dias e que constitui, afinal, para o concreto dos seres,
a raiz do sofrimento.
Daí que os aspectos mais interessantes desta novela,
porventura menor, de Simone de Beauvoir, agora retirada da usura do tempo,
sejam, por um lado, a forma como as marcas de uma época histórica e
ideologicamente determinada ainda hoje se revelam não como meros fragmentos
desgarrados de uma paisagem devoluta mas como esteios críticos da autenticidade
de um tempo de compromisso e de desilusão e, por outro, a serenidade e o
distanciamento irónico de um texto que, alicerçado na verdade possível de uma
autoficção, é capaz de mostrar como no vulgar desdobramento dos dias se faz e
se desfaz essa interminável adolescência do ser, permanentemente repartido
entre o medo da verdade e a vontade irreprimível de lhe dizer não.
Post de HN
Nota pessoal: o Arpose acolhe, com grato reconhecimento, mais uma Nota de Leitura (como sempre, atenta) de H. N..
APS
Nota pessoal: o Arpose acolhe, com grato reconhecimento, mais uma Nota de Leitura (como sempre, atenta) de H. N..
APS
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014
Equívocos, ursos e texugos
Quando abri a página do TLS e deparei com a fotografia, julguei tratar-se de um pequeno urso - e estranhei. Na Europa Ocidental, a não ser nos Jardins Zoológicos, já não existem. Em Portugal, a última referência escrita da sua existência, é do tempo de D. João I, que terá caçado um. Talvez dos últimos...
Depois, HMJ chamou-me a atenção, na fotografia, para as patas do animal, e acertou na identificação: era um texugo, inglês. Esses, sim, ainda existem, até na Península Ibérica, mas raramente os vemos, porque são de hábitos nocturnos. Têm vista fraca, mas sentido auditivo e olfactivo extremamente apurados. Omnívoros, são extremamente vorazes e pouco esquisitos com os alimentos, embora escrupulosamente asseados. As suas grandes tocas, sempre muito limpas e confortáveis, têm normalmente mais de 10 entradas/saídas, até porque abrigam cerca de 12/16 texugos que, individualmente, chegam a ter o comprimento de 90 centímetros.
E foi isso que aprendi com a leitura do artigo do TLS.
Além de ter ficado a saber que, na Inglaterra, o texugo está na agenda política e social, pois há quem lhe atribua culpas na propagação da tuberculose bovina. E quem recuse, liminarmente, o facto. Defendendo a sua inocência.
A saúde das Farmácias
Longe parece ir o tempo em que as farmácias eram um negócio apetecido e os alvarás para as abrir, um documento oficial precioso. Investimento garantido, nas farmácias respirava-se segurança e prosperidade: prateleiras bem fornecidas, montras que mudavam quinzenalmente, bem decoradas, com patrocínios generosos e compensadores; farmacêuticos e farmacêuticas, e até os empregados, tudo gente feliz. Atenciosa e prestável, respirando saúde.
De há uns anos a esta parte (5? 6?), quase tudo se modificou. O Estado começou a atrasar-se excessivamente no pagamento das comparticipações, os doentes deixaram de ter dinheiro para todos os medicamentos a aviar, a freguesia dos hipocondríacos começou a diminuir, as montras mantêm-se iguais durante muito mais tempo, as prateleiras, à vista, estão meio vazias... Um ou dois, em cada três clientes, têm que voltar no dia seguinte, porque a farmácia já não tem o medicamento na loja, e tem que encomendá-lo ao laboratório.
É isto que, não sendo eu frequentador assíduo destes estabelecimentos, tenho observado. Como verifiquei que há menos empregados a atender (despedimentos), que o espaço ocupado tem vindo a ser reduzido, nalgumas lojas mais recentes, e que algumas farmácias cessaram, em definitivo a actividade. Até sei de um licenciado em Farmácia, com trinta e poucos anos, e alguns de trabalho, que está desempregado há mais de dois anos. As farmácias estão com falta de saúde...
Daí que os cartões de fidelização, como nos hipermercados, e os folhetos de publicidade nas caixas de correio (como os que encontrei hoje), que vão em imagem, não me surpreendam.