A par e passo 43


O ódio pelos outros é algo mais claro que o amor de si.
...
Riso Amargo
O elemento de «alegria» que existe no riso, no riso amargo passa ao condicional.
É uma complicação do riso. E um contacto entre expressões contraditórias. Elas modificam-se, alteram-se uma à outra. Assim como se diz: Noroeste. O exacto exprime-se por duas inexactidões que o enquadram e excluem.

Paul Valéry, in Tel Quel II (pgs. 242/3).

Citações CXL

" A noção, o uso, abuso e apropriação pessoal do Tempo, como coisa nossa, é, possivelmente, das coisas humanas, a mais subjectiva.
Daí, a nossa benevolente, e alargadamente portuguesa, noção de compromisso. E o facto de nem todos sermos pontuais, nem sabermos respeitar o tempo dos outros."

Alberto Soares (1944).

Divagações 47


Nem todos os poetas, quando publicam livros, datam os seus poemas. António Nobre fazia-o normalmente, Jorge de Sena, algumas vezes. Eugénio de Andrade, muito raramente.
Dentro de cada livro, nem sempre a arrumação dos poemas segue a ordem cronológica, mas uma orientação pessoal, estética e de gosto do autor. Um crescendo, uma evolução interior que, porventura, nada tem a ver com o Tempo. Será isto um pormenor despiciendo para o leitor comum, mas para um crítico literário, um investigador, a datação dos poemas permitirá observar melhor a evolução do autor e, muitas vezes, cotejando a biografia, situar, talvez, a razão do poema ou a origem do acto criador. E, por aí, descortinar  melhor aspectos da sensibilidade e susceptibilidade do Poeta, em relação ao real.
O poema, em imagem, é de Jorge de Sena. Está incluído em "Visão Perpétua", e já foi aqui referido.

Um dito de espírito de Jules Renard


Era uma boca tão bonita, que, na verdade, hesitaríamos em dizer que tinha um lábio inferior.

Jules Renard (1864-1910), in Journal.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Civilidade (27)


Da avisada palavra de Beatriz Nazareth, já por várias vezes aproveitei conselhos para esta rubrica, recorrendo às regras protocolares contidas no seu "Manual de Civilidade e Etiqueta" (1898). Abordemos, hoje, os modos decentes no uso e partilha do tabaco:
"...Na ilha de Cuba o caballero toma o charuto ou o cigarro entre os labios, accende-o assim, aspira  algumas fumaças e apresenta-o depois ao seu amigo para que accenda o que vai fumar. O mesmo modo de proceder em Hespanha.
Na Austria accende-se o cigarro e offerece-se ao companheiro o phosphoro ainda acceso; fazem isso para dar mais tempo ao ultimo.
Effectivamente se offerecermos o phosphoro acceso antes de nos servirmos, aquelle que o recebe apressa-se em devolvel-o, antes que se tenha apagado.
Na Inglaterra o gentleman offerece um charuto ou um cigarro ao seu fellow (companheiro), accende-o e faz outro cigarro para si, o qual tambem elle accende.
O francez offerece sempre o phosphoro ao seu amigo antes de se servir.
Em Portugal pratica-se de dois modos, offerecendo egualmente como os francezes o phosphoro antes de nos servirmos d'elle, ou apresentando o nosso charuto ao amigo para que accenda o seu.
O costume de fazer parar na rua as pessoas desconhecidas para lhes pedir fogo é de origem americana; só uma má educação póde permitir tal facto. Todavia, este serviço não se recusa, mas as pessoas bem educadas não o pedem nunca."
Estes fellow, caballero e gentleman fizeram-me lembrar a dialectologia de alguns actuais CEOs portugueses...Quanto ao uso de tabaco pelas Senhoras, Beatriz Nazareth não se refere. Não seria de bom tom, na época.

O Vinho do Porto e os anos da Guerra


Mão amiga e sensível fez-me chegar, em oferta, um bom conjunto de Cadernos Mensais de Estatistica e Informação do Instituto do Vinho do Porto, que vão de Fevereiro de 1940 (nº 2) até ao nº 100, de Abril de 1948, embora com várias faltas pelo meio. As informações são variadas e muito interessantes.
Se no ano de 1939, a Inglaterra se mantinha como o maior importador de Vinho do Porto, em plena II Grande Guerra e no ano de 1943, a sua posição baixa para a 24ª posição. Os Estados Unidos ocupam então a posição primeira. Mas a Bélgica, que ainda é hoje um grande consumidor, baixa apenas um lugar: de 3º maior importador, para 4º.
Mas o que achei mais interessante é que as instâncias superiores e o I. V. P., preocupados com a baixa das importações, resolveram lançar um concurso para escolher uma frase publicitária que ajudasse a promover a venda e difusão do produto. O resultado, que se mostra em imagens neste poste, contém curiosidades que não quero deixar de destacar. A primeira, é que António Ferro integrou o juri do Concurso. Mas também que o conhecido Arquitecto Raul Lino teve o terceiro prémio, tendo o Prof. Mário d'Azevedo Gomes ficado em 2º lugar. Quem diria?!

Apontamentos 12: O Esplendor do Populismo



O nosso mago Gaspar resolveu pronunciar-se: "sofre", profundamente, por causa do Benfica. É preciso ter descaramento !
Aliás, não tenho dúvida de que o futebol - que não tem semelhança com desporto - é a grande arma do populismo e de outras tendência mais adversas. O futuro dirá !

P.S. Uma declaração de interesse: Todo o investimento, na última década - dinheiro e horas a rodos, nas Escolas - no Desporto Escolar, em detrimento da formação em Ciência e Humanidades, deu para mexer as perninhas dos meninos, mas não para pôr a cabeça a pensar. O domínio da língua atesta-se por meia dúzia de palavrões, termos futebolísticos e invocação de jogadores.

Post de HMJ

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Audubon


A imagem da Grande Garça Azul, que encima este poste, pertence à segunda edição ( mais pequena em formato, mas com 8 volumes) de Birds of America, de John James Audubon (1785-1851). A edição princeps (1839), em 4 volumes, de que se não conhecem muito mais do que 130 exemplares, é considerada uma das obras mais emblemáticas da bibliofilia norte-americana. Afortunadamente, a BNP possui o conjunto completo da 1ª edição, que foi restaurado em 2001.

para MR, em troca.

Uma fotografia, de vez em quando (5)


A aridez vulcânica, o vento (pressentido) e a subida. Num entrelaçamento humano de força e serenidade - como talvez só Sebastião Salgado (1944) soubesse captar.

De "Los Viajes", de Juan Eugenio Hartzenbusch (1806-1880)


(Fábula)

Um pescador, vizinho de Bilbau,
pescou, não sei aonde, um bacalhau.
- Que vais fazer comigo?
(o peixe perguntou com voz chorosa).
Ele respondeu: - Vou-te levar à minha esposa;
ela com perícia e ligeireza,
vai separar o teu corpo da cabeça;
negociarei depois com um amigo,
que se me der por ti uns bons luízes,
irás com ele a visitar países.
- Sem cabeça! Ai de mim! (gritou o peixe)
e o vasconço replicou discreto:
- E por essa ninharia desatinas?
Quando assim viaja tanta gente fina.

Retro (29)


Usado pelo Natal de 1932, o postal ilustrado deste comovente quadro familiar, imagino que representa um casal de netinhos com os seus avós respectivos. E eu também fico contente que as criancinhas tenham saído, pelas feições, ao Avô...
Às vezes, a Natureza é amiga e criteriosa.

Duelos e Inspirações


Alexandre Dumas (pai) acabou o seu celebérrimo "O Conde de Monte Cristo", em 1844. Como decerto se lembra quem leu a obra, o herói dava pelo nome de Edmond Dantés que, ajudado pelo luso-indiano Abade de Faria, não só conseguiu evadir-se da prisão da ilha de If, como apoderar-se de um tesouro e vingar-se dos seus inimigos. Ora, cerca de 7 anos antes (1837), Pushkin tinha sido morto, em duelo, por um oficial francês chamado Georges d'Anthés. Coincidência, inspiração de apelido, que perpassou para Dumas?
Quatro anos mais tarde (1841), o também escritor e russo Lermontov havia de morrer, em duelo. O poeta eslavo Yevtushenko, com ironia, glosou o caso: "Os poetas na Rússia nasceram/ Com uma bala de D'Anthés no seu peito".
Saint-Beauve participou num duelo com o dono de um jornal, debaixo de forte chuvada, em 1830. Mas não se coibiu de abrir o guarda-chuva porque, segundo se diz, terá afirmado que não se importava de morrer, mas detestava ficar molhado... Também Marcel Proust participou num duelo, em 1897, tendo sobrevivido.
E o inglês Ben Jonson, em 1598, trespassou com a sua espada o actor Gabriel Spenser.
Não se pode dizer que tenham sido duelos meramente literários, porque alguns intervenientes acabaram por morrer...

terça-feira, 28 de maio de 2013

Verdi, uma abertura

Sempre achei Verdi energético e motivador. A única coisa de que não gosto, neste vídeo, é o palito, em vez da batuta, nas mãos do maestro. Parece que acabou de jantar... e revela mau gosto.

Leilões antigos / Velhos catálogos


Não é com absoluta indiferença que folheio velhos catálogos de leilões de livros, onde alguém, com mão emotiva e talvez nervosa, anotou a lápis, os preços finais de cada lote. Já me aconteceu, também, a mim...
Nos últimos dias, o meu Alfarrabista de referência, colocou à venda, sobre uma mesa comprida, largas dezenas (talvez uma centena) de catálogos de leilões de livros, com as capas amarelecidas ou acastanhadas pelo tempo. Uma boa parte tem os preços finais de cada lote. Os leilões das bibliotecas de Delfim Guimarães ou de Virgínia Rau, constam. Feitos por Arnaldo Henriques de Oliveira, que eu ainda conheci a leiloar, numa sala esconsa e inóspita da sede dos Amigos dos Hospitais, ao Principe Real.
Procurei, como é meu hábito, alguns autores do meu afecto. Consegui encontrar, num leilão dos anos finais da monarquia ( 1907 ou 1908), a venda da segunda edição (1614) das Obras de Sá de Miranda. O lote foi arrematado por 2.700 réis. Nesses catálogos, largamente manuseados, havia também Francisco Manuel de Melo, Camões, Garrett, Herculano... Um mundo, que passou de mãos, talvez com alegria, efémera.

Idiotismos 18


Pessoa de minha estimação, já falecida, costumava dizer, para caracterizar alguém influenciável ou de vontade fraca: "Esta(e) anda no mundo por ver andar os outros..."
De algum modo, esta expressão é uma variante do conhecido: Maria vai com as outras - que teria tido uma origem real e objectiva. Reporta-se à rainha D. Maria I (1734-1816), que enlouqueceu por volta de 1792, e nesse estado morreu, no Brasil. Acontece que, para evitar grandes desmandos, a Rainha era sempre escoltada ou acompanhada por muitas aias que a guiavam e amparavam. E o povo, quando via este grupo, costumava comentar: "D. Maria lá vai com as outras."
O tempo e o uso laico fez cair o "dona" e o próprio significado alastrou para outros campos menos patéticos.

Lançamento


Creio que era A. H. de Oliveira Marques que dizia que a História tem de ser vista, também, através da história do homem comum, no seu quotidiano anónimo.
É o que este livro "O Caso de Barbacena", de Margarida Sérvulo Correia, leva à prática, por intermédio de um arquivo de família do pároco João Neves Correia (1878-1953), que se empenhou, no final do séc. XIX e início do XX, na defesa dos direitos dos seareiros contra os terratenentes, na sua freguesia de Barbacena. É um testemunho da História Local, com um anexo documental importante.
O livro foi lançado, ontem, na Universidade Católica, e teve apresentação de José M. Sérvulo Correia e de João Serra.

Citações CXXXIX : G. Bernard Shaw


"Não faças aos outros aquilo que gostarias que eles te fizessem. Os seus gostos podem ser diferentes dos teus."

George Bernard Shaw (1856-1950), in Maxims for Revolutionists (1905).

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Nem de propósito


Nem há 2 horas que eu tinha feito o poste anterior sobre as generosidades da net quando, depois de comprar o último TLS (5747), ao folheá-lo, deparo, logo na terceira página, com este título e sub-título, quase ameaçadores. É uma recensão séria, sobre dois livros importantes, saídos recentemente, sobre o modo como a "net nos usa", a nós, que usamos a net...
Dispenso-me de traduzir. O título e sub-título são mais que evidentes e elucidativos. E vão na imagem.

Generosidades, com alguns pontos de exclamação (a mais?)


A net oferece-nos tanta coisa que, às vezes, quase fico comovido com tanta generosidade!...
Basta eu ser mais canhestro e, subliminarmente, passar ao de leve pelo myspace, e logo aparece a imagem de uma jovem cantando, qual sereia de Ulisses, a oferecer os seus serviços prestimosos.
Se clico, eventualmente, num vídeo que o Youtube me recomenda, logo ele, servil, me abre um formulário, para eu preencher com os meus dados pessoais, dizendo que assim me vai facilitar os seus serviços de audição - fico desvanecido, emocionado, quase com tremuras nos dedos...
Depois, há um robot americano, palavroso em comentários, como quase todos os estandardizados ianques rurais que não cresceram, que me enxundia, quase diariamente, de parvoeiras propagandísticas, um velho poste que fiz sobre Dino de Laurentiis. São obcecados, estes americanos! E parvos. Tenho que pô-lo, higienicamente, no spam. Mas ele regressa sempre, na sua estupidez mecânica e natural...
Finalmente, há um Google dedicado e persistente que, diariamente, visita este modesto Blogue para, como cego arrastão acrítico, recolher tudo do fundo do mar, para arquivo em moldes CIAticos. Mas que de segurança!, meu deus. 
Santo Orwell, como tinhas razão! Muito antes deste nosso tempo devassado. (Olha se eu me tenho inscrito no feicebuque!?... Valha-nos Santa Isabel da Hungria ou de Portugal! Para o caso tanto faz, como dizia Gedeão)

Uma louvável iniciativa (17)


Agora que decorre, no Parque Eduardo VII, mais uma Feira do Livro, a Cafés Tofa (grupo Nestlé) teve a boa ideia de mandar publicar, em postais, velhas fotografias que têm por tema o acontecimento. Do Rossio ao Terreiro do Paço, da Av. Liberdade aos Restauradores, até se fixar, ultimamente, no Parque Eduardo VII, a Feira do Livro teve a sua primeira edição, informal, no ano já longínquo de 1906.

Um agradecimento, muito cordial, a H. N.

Curiosidades 73


Catarina II (1729-1796), da Rússia, que atribuía à Cultura uma grande importância, terá adquirido as bibliotecas particulares de Diderot e de Voltaire, logo após a morte dos dois escritores. Se do espólio do primeiro, em 1956, só se encontraram 3 volumes, no caso da biblioteca de Voltaire, comprada em 1779, o acervo, composto por 6.801 (ou 6.814) livros, está integralmente guardado na Biblioteca Pública Imperial do Hermitage (São Petersburgo). É, ao que se sabe, a única biblioteca particular do Século das Luzes inteiramente conservada. Cerca de 2.000 volumes encontram-se anotados pelo escritor francês. O que aumenta, consideravelmente, o seu valor e importância cultural.

domingo, 26 de maio de 2013

Um poema de Saúl Dias (que estava prometido)


Instante

Desse instante
o longínquo rumor
ouço-o ainda.
A ténue ressonância
da melodia finda...!

Tal
se de uma ave morta
só o voo
passasse à minha porta.

Saúl Dias, in Vislumbre (1979).

para MR, cordialmente.

Os murais do PREC (3)


Hoje, a imaginação desapareceu de quase todos os partidos, quer nos seus programas quer nas cabeças formatadas da maior parte dos agentes políticos - meros capatazes servis de ordens obscuras e poderes sinistros. Copiam-se entre si reproduzindo manuais obsoletos, em gabinetes protegidos e climatizados.
Pagam sempre mais, os mesmos. Numa condenação que parece infernal. Aos "pobrezinhos, mas honestos" da moral salazarenta, os novos senhoritos clamam que "vivemos acima das nossas posses", como se a libertação da miséria não pudesse ser uma ambição humana e natural, que uma revolução, talvez romântica, fez sonhar possível.
Porque também, hoje, nos graffiti laicos e monótonos, que por aí vemos, se espelha a falta de imaginação e o plágio massificado. A abulia acéfala seguidista e globalizante dos grandes rebanhos obedientes que, quase sempre, nada trazem de novo. 

Bibliofilia 82


É a primeira impressão (1949) de um dos últimos livros, publicados em vida, por Juan Ramón Jiménez (1881-1958). Precioso - como dizem os espanhóis -, porque é um livro bonito, de um dos meus poetas mais estimados. É uma edição bilingue, com a versão francesa dos poemas, feita por Lysandro Z. D. Galtier, para a Editorial Pleamar, de Buenos Aires, com capa de pano, original. O livro Animal de Fondo está integrado na colecção Mirto, dirigida por Rafael Alberti, também ele poeta, e acabou de se imprimir a 4 de Julho de 1949.
Não sei quanto dei por ele, mas creio que o comprei em Madrid, no ano de 1986. Na AbeBooks, em rápida consulta, verifiquei que os preços da obra oscilam entre 40 e 100 euros, consoante o estado de conservação do livro. O meu exemplar, embora com as capas um pouco empoeiradas, encontra-se em bom estado.

6 greguerías ramonianas


1. O lápis só escreve sombras de palavras.
2. As violetas são actrizes retiradas no outono da sua vida.
3. Há quem se guarde para dar esmola aos pobres que houver à porta do céu.
4. A morcela é uma transfusão de sangue com cebola.
5. Na manhã do domingo há luz do Vaticano.
6. A cada disparo o canhão recua como que assustado por aquilo que acaba de fazer.

sábado, 25 de maio de 2013

Jardim e Horta na Varanda


Logo pela manhã visitei o meu jardim na varanda. Encontrei três flores que abrem de manhã e morrem ao fim do dia.


Na outra varanda vi uma flor amarela, mas é o primeiro sinal de um pepino a desenvolver-se.


Por fim, olhei para as folhinhas de alface que vão aumentando lentamente. 


Até ao dia em que irão para a travessa. Para uma salada para duas pessoas ainda deve chegar !

Post de HMJ, dedicado a MR

Pinacoteca Pessoal 51


Algo enigmática, esta obra de Vittore Carpaccio (1460?-1525?), intitulada "Duas Venezianas num Balcão", pintada no final do séc. XV, parece personificar o tempo morto de uma espera, onde duas mulheres, ricamente vestidas e com colares de pérolas, se vão entretendo com vários animais domésticos (cães, rolas, papagaio...). Não será bem um retrato, mas não chega também a ser uma história.
Carpaccio terá aprendido a sua arte com Bellini. O quadro pertence ao Museu Correr, de Veneza.

Herberto Helder, claramente


Há, neste livro, uma súbita clareza, inesperada. De versos quase lineares, não para fazer o favor aos leitores, mas porque a idade já nada tem a perder e, quase todos, temos connosco um segredo impossível de guardar, para sempre. E é preciso confessá-lo, antes que seja tarde demais.
Este Servidões, de Herberto Helder, é uma fresca primavera neste "inverno do nosso descontentamento". Merece-o quem respeitar a Poesia, e saiba onde ela começa. Ou acaba.

De Manoel de Barros (1916), um poema em prosa


VIII

Idiotas de estrada gostam de urinar em morrinhos de formigas. Apreciam de ver as formigas correndo de um canto para outro, maluquinhas, sem calças, como as crianças. Dizem eles que estão infantilizando as formigas. Pode ser.

Manoel de Barros, in O Guardador de Águas (pg. 19).

Regionalismos minhotos (39)


Mais uns quantos regionalismos minhotos coligidos por M. Boaventura no II volume da obra Vocabulário Minhoto (F-Z), donde seleccionei, da letra S, os seguintes:

1. Sobar - vergar o barro.
2. Sodéga - sujo (região de Barcelos).
3. Soêlha - névoa tenuíssima sobre a água, indicadora de calmaria.
4. Solejar - fazer sol e chuva ao mesmo tempo.
5. Solipa - bofetada.
6. Somítego - somítico, avarento.

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A par e passo 42


Simetria

Há uma espécie de simetria entre a necessidade e o objecto, (ou a imagem do objecto), que a satisfará.
Eu não penso em beber: mas este copo à minha beira dá-me sede.
Eu tenho sede, e imagino o copo de água com delícia.
Estes fenómenos são simétricos, - com a diferença aproximada que há entre uma coisa e a sua imagem.

Paul Valéry, in Tel Quel II (pg. 238).

Coincidências


No mesmo dia (hoje), de três locais diversos (Jornal de Negócios, Revista ípsilon, jornal Público), três articulistas de quadrantes políticos diferentes (António Guerreiro, Vasco Pulido Valente e Miguel Sousa Tavares) debruçam-se sobre a pálida figura que se alberga, temporariamente, no Palácio de Belém. Num tom mais ou menos sério, de forma mais ou menos inteligente. Mas, curiosamente, com um mesmo sentimento.
Deixo aqui, em imagem, o texto (de António Guerreiro, na ípsilon) que me parece mais bem articulado. Bastará clicar sobre a imagem, para a aumentar, e ler.

No extremo Norte


Em Viana do Castelo, e no próximo dia 25 de Maio, inaugura esta exposição da designer Mariana Mattos, na rua dos Manjovos, nº 32. Para quem andar por perto...

Benefício da dúvida, em tom provocatório


Sempre me perguntei, porque é que alguns autores, sobretudo do séc. XVIII português, são considerados secundários, em benefício de um cânone literário eternizado por selectas literárias de antologiadores preguiçosos e acríticos que se limitaram a perpetuar o que já vinha de trás. Tenho para mim que o excessivo sucesso de "O Hissope", de Cruz e Silva, soterrou a leitura do poeta lírico que ele também foi, e de alguns sonetos de muito merecimento, que quase nenhum leitor conhece, hoje em dia. A menorização do Abade de Jazente, por exemplo, sempre me pareceu injusta, também.
O jornal Le Monde (17/5/13) dá notícia da saída recente de um livro de Eric Dussert (Une Forêt Cachée. 156 Portraits d'Écrivains Oubliés, La Table Ronde), onde o crítico faz a apologia e propõe à apreciação vários autores franceses que não constam do cânone literário conservador gaulês, presentemente.
E, nós, por cá? Será que não haverá por aí, nenhum José X ou António Y que tenham ficado soterrados, muito injustamente, sob o peso massacrante e obeso das adílias lopes e dos vários hugos mãezinhas? Pelo menos, há que investigar, para ver...

Geminando...


...com o poste de MR, hoje, no Prosimetron. É provável que o livro da Taschen, pelo menos do ponto de vista iconográfico, de autoria de F. Kober, seja de melhor qualidade. Mas este, na minha posse, é bem interessante. Para quem se interesse por Simbologia. É uma tradução portuguesa (1996) do original inglês, de Miranda Bruce-Milford.

Na Gulbenkian


O último grande Senhor da Europa virá no próximo dia 5 de Junho à Fundação Gulbenkian. É no Auditório 2, às 18h30.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Apontamentos 11: Uma Toalha à Bordalo


Recentemente, uma infeliz ocorrência de saúde, ou falta dela, ensinou-me, de novo, o valor da amizade que agradeço sensibilizada.
Um amigo trouxe-me uma mezinha, "creme de baba de caracol". Apesar de não gostar de caracóis, nem de caracoletas, rendi-me aos encantos da dita baba. 


Mensagens de cuidado, atenção e amizade eram diárias, fruto de uma dedicação extrema dos amigos. 
Por último, recebi de um familiar o que se pode chamar um "presente de consolação". Uma toalhinha de mesa, com caracóis e outros bichos, assim como legumes, que me fizeram lembrar a louça de Bordalo. 


Com agradecimento a todos, deixo um aviso aos leitores: não aceitem trocas de medicamentos "pelo princípio activo", sobretudo genéricos da marca ACTAVIS, porque me causaram provações várias que não recomendo.

Post de HMJ

Adagiário CXXXI : Bigodes


1. Bigode de homem não se corta.
2. Viva quem tem bigode, quem tem cavanhaque é bode.

Nota pessoal: este cavanhaque do rifão deu-me água pela barba, se assim se pode dizer... No Torrinha, nada. Fui ao Morais, e nada consta, no Lacerda, idem. O Caldas Aulete também não regista. Salvou-me o Antenor Nascentes (Dicionário Etimológico, R. de Janeiro, 1932) que anota: "de Cavaignac, nome de um general francês". Ora este francês bigodudo, de nome Louis-Eugène Cavaignac (1802-1857) foi primeiro-ministro e Governador-geral da Argélia. E tinha, como se pode ver pela imagem, um bigode farfalhudo que justifica, amplamente, o ditado... 

Georges Moustaki



Faleceu Georges Moustaki.

Post de HMJ

Retro (28)


Mesmo que centenária (17/10/1911), esta pictórica sobranceria masculina (fosse o cavalheiro músico ou poeta), em relação à submissa jovem ajoelhada, na altura, já não seria de muito bom tom, nem politicamente correcta... Que diabo!, já estavamos em plena República.
Seja como for, o cerne da mensagem, no verso do postal, revela o grato reconhecimento da Feliciana para com a Dona Maria do Carmo Santos, do Chalet Cabral Pinto, em Algés, por causa da oferta de um vestido que "está muito ao meu gosto fás muita vista, parece um vestido caro."

Citações CXXXIII


"A juventude é uma aquisição da idade madura."

Jean Cocteau (1891-1963).

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Paisagem


Poderíamos, decerto, estar no triálogo, interminavelmente, mas o nosso Amigo tinha de se ir embora.
Agora e contra a aguarela exterior azul e rosa, acendo a luz amarela interior da sala. O Tejo empresta ainda o azul cobalto, firme. Falta apenas o verde, mais o negro da noite, para compor o arco-íris do quadro. A inocência do branco já não é chamada para aqui, nem pela idade nem pelo tempo que passa.
Estamos soterrados pelo lixo claustrofóbico e superior de quem nos governa. Vai sendo cada vez mais difícil vir à tona. Outrabandistas e ténues, entre amarelo e branco, as  primeiras luzes que se acendem, numa esparsa solidão, ao longe. Logo a seguir ao rio.

Apontamento 10: Os Coveiros da Europa



Os "Young Urban Professionals", ou mais popularmente conhecidos como "Yuppies", começaram a sua vida encostados à Finança. Agora, muitos deles chegados à "meia-idade", como o exemplar em epígrafe, mudaram de posto e infiltraram-se nos centros do poder económico. São Presidentes do Eurogrupo ou candidatos, como parece ser o nosso Vitinho, a Comissário. 
E, quanto ao nosso mago Gaspar, já há muito desconfiava que ele arrasou o país e humilhou um povo numa estratégia pessoal do "seu projecto de vida". 
Afinal, os "YUP" começam a definir-se, claramente, como os coveiros da Europa.

Post de HMJ

Os poetas esquecidos e a memória dos jacarandás


Na 24 de Julho, os jacarandás já começaram a florir como, lá para Outubro, se hão-de lembrar, como brasileiros de origem, de voltar a florescer, num destino de fidelidade genética imorredoura e fatal, de Primavera sul-americana.
Queixamo-nos, por vezes, do esquecimento que paira sobre alguns poetas, mais sóbrios e discretos que, talvez por sabedoria ou vontade própria, desapareceram sem ruido, na paisagem efémera do tempo. E eu penso que a única forma de os agarrarmos à vida é, no fundo,  trazê-los de cor (coração)  na nossa memória e, no silêncio mais íntimo, silabarmos caladamente os seus versos.
Discretos, esquecidos estarão Saúl Dias e João José Cochofel. Convoquemos este último:

Este nó na garganta
que nem os olhos molha
tem alguma parecença
com o cair da folha.

Despedem-se em silêncio
de coisas sem memória
levadas na poeira
da morte transitória.

Alfred Schnittke : da "Cantata Fausto"


Por razões obscuras, esta Cantata Fausto, de Schnittke, fez-me lembrar a frase lapidar do pintor Manolo Millares (1926-1972) sobre uma das suas telas: "O quadro foi parido assim, porque foi feito num tempo feio."

Recomendado : trinta e nove - Eça / Campos Matos


Terá sido uma das últimas edições da Parceria António M. Pereira, este livro que saíu em 2011, e que foi composto e investigado com a minúcia e seriedade de um arqueólogo afectuoso, por A. Campos Matos, arquitecto. O autor já nos tinha dado o portentoso "Dicionário de Eça...", editado pela Caminho que, a cada nova impressão, surge acrescido de novos verbetes. Este porfiado trabalho em louvor de Eça de Queiroz só terá equivalente, porventura, na fidelidade que Gomes de Amorim consagrou a Garrett.
Poderá visitar-se Lisboa, com este "guia" na mão, reconhecendo, a par e passo, as ruas, praças e ruelas, bem como os números das portas onde Eça de Queiroz situou toda a sua ficção magistral. Acompanhando as transcrições da prosa respectiva. A capa do livro, do meu ponto de vista, é infeliz, mas o conteúdo é imprescindível para quem goste de Eça e de Lisboa. Por isso, aqui fica a recomendação.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Apontamentos 9: Modas


O nascimento, a 5.5.1813, de Sören Kierkegaard foi objecto de um artigo, no nº 5745 do Times Literary Supplement, sobre a sua obra. No entanto, o que primeiro chamou a minha atenção foi um desenho do filósofo, datado de 1836.


Concluí, pois, que a moda da "poupa" já vinha de longe, tendo encontrado novos adeptos nos tempos recentes. De facto, tenho visto "poupas multi-tosquiadas", de estética mais apurada ao corte rasca, tipo "crista de galo".
Para mim, e dentro da limitada variação possível na tosquia masculina, a figura de Kierkegaard, com "poupa", não ganha com a moda. Com o devido respeito, parece um "tolinho".

Post de HMJ

O parágrafo do dia


"O que é espantoso é que parece ter-se instalado o consenso sobre Cavaco Silva: todos o tratam como tratariam o idiota da aldeia, com paciência e benevolência, às vezes com um sorriso de comiseração, sem esconder aqui e ali um lampejo de irritação, mas garantindo-lhe sempre a inimputabilidade que os costumes, a moral e a lei concedem aos pobres de espírito."

José Vítor Malheiros, in jornal Público, de hoje.

Imaginação e notável iniciativa


Com base na, impropriamente chamada, obra "Ronda da noite", de Rembrandt, esta performance que surpreendeu positivamente os clientes de um centro comercial holandês. A AVP, os meus agradecimentos mais cordiais.

Os murais do PREC (2)


Mais felizes no traço, uns que outros, nalguns casos já invadidos ou sombreados pela vegetação nascente ou delidos pelas intempéries, estes graffiti constituiram a arte urbana militante da segunda metade dos anos 70. Depois, desapareceram ou alguém, superiormente, os mandou apagar em nome do decoro artístico ou do asseio estético. O que tem vindo a seguir é estandardizado, normalmente feio, tresanda a americanice exuberante. E, na maioria dos casos, revela uma enorme falta de imaginação e um mau gosto tremendo.

P.S. : perdoe-se a distracção, mas no melhor pano cai a nódoa...
A fotografia da direita alta está ao contrário.