quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A multiplicação do único


Nunca como hoje o que foi único e, por isso, de poucos usufruido, pode ser apreciado por tantos. Primeiro, os museus que acabaram por se substituir às recatadas colecções particulares, mas também as reproduções que se começaram a fazer, cada vez mais perfeitas, das grandes obras-primas do génio humano. E as cópias de filmes, gravações de vozes que, ainda agora, podemos ouvir de tantos cantores, políticos, artistas, falecidos há muito.
Jean Poyer (ou Poyet) foi um pintor e iluminista francês que teve actividade conhecida entre 1483 e 1503, data provável da sua morte. Entre várias obras são-lhe atribuídas grande parte das ilustrações do belíssimo Livro de Horas de Henrique VIII.
É esta obra-prima da iluminura europeia que a Editora M. Moleiro, de Barcelona, editou numa tiragem limitada de 987 exemplares. O seu preço não será, de certeza, acessivel a muitos, mas o número dos que poderão usufruir da sua beleza, sempre será maior do que até aqui...
Deixo, em imagem, duas das ilustrações do catálogo, que a editora fez para divulgação da obra.

Os novos bárbaros

A destruição de livros e obras de arte parece tomar conta do dia-a-dia, com motivações ora ideológicas, ora económicas de lucro fácil. 


Existe, em Leverkusen, Alemanha, um parque chamado Carl Duisberg, situado na vasta área da fábrica Bayer de que ele era um dos proprietários. Sucede que, há dias, ladrões de metais serraram várias esculturas de Fritz Klimsch, levando-as para o mercado negro do bronze, onde cada quilograma é pago a 5,00 euros. Ora, as esculturas pesavam em média 100 kg.



Em leilões de arte, figuras mais pequenas chegam a atingir os 40.000,00 euros. No entanto, da forma bárbara como foram arrancadas, já não terão, certamente, esse destino.
Embora não simpatizando propriamente com Carl Duisberg, nem com Klimsch, gostei sempre do seu parque, especialmente a parte, minha preferida, que se chama o Jardim Japonês.


Post de HMJ

As aves e a Vista Alegre


Sempre que entro na loja da Vista Alegre, ao Chiado, sou surpreendido, invariavelmente, por alguma nova criação da prestigiada marca de porcelanas. Por razões entendíveis, não vou lá com frequência, mas apenas quando tenho um objectivo preciso a concretizar.
Por outro lado, o conhecimento das aves é um saber difícil, sobretudo das mais pequenas, mais assustadiças que, raramente, se deixam observar com vagar e detalhe, para as reconhecermos e identificarmos correctamente. Embora o voo e o canto - se for o caso - possam ajudar.
Pois, hoje, dei-me conta de uma nova (?) criação da V. A. - Aves de Portugal - constituída por seis pássaros, com uma tiragem de apenas 250 exemplares. Muito bonitas. Trouxe um catálogo que aqui deixo em imagem, parcialmente. Há mais 2 aves, na série: o verdilhão e o priolo (dos Açores).
Se consigo reconhecer, algumas vezes, o pintassilgo e a alvéola (sobretudo pelo agitar do rabo, para cima e para baixo), já o abelharuco e o rouxinol, nem sempre os identifico, na Natureza e em liberdade. Pode ser que a observação deste catálogo da Vista Alegre, no futuro, me venha a ajudar.

Um poema de Ferreira Gullar (1930)


Falar

A poesia é, de fato, o fruto
de um silêncio que sou eu, sois vós,
por isso tenho que baixar a voz
porque, se falo alto, não me escuto.

A poesia é, na verdade, uma
fala ao revés da fala,
como um silêncio que o poeta exuma
do pó, a voz que jaz embaixo
do falar e no falar se cala.
Por isso o poeta tem que falar baixo
baixo quase sem fala em suma
mesmo que não se ouça coisa alguma.

Curiosidades 67


Colhidas as informações, também no Almanaque Bertrand (nº 71), seguem-se por antiguidade, os 10 estabelecimentos comerciais portuenses, ainda em exercício, com a respectiva data de início ou abertura:

Farmácia da Porta do Olival - 1850.
Casa Coração de Jesus - 1885.
Livraria Lello & Irmão - 1906.
Cardoso Cabeleireiro - 1906.
Casa Oriental - 1910.
Livraria Académica - 1912.
Ourivesaria Cunha - 1914.
A Pérola do Bulhão - 1917.
Café Majestic - 1921.
Barbearia Tinoco - 1929.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Na BNP, ao fim da tarde


A BNP perdeu hoje, por cerca de uma hora, o peso institucional de que é revestida, normalmente, e o tom académico hierático que, muitas vezes, tem. Porque, para além do auditório estar preenchido, maioritariamente, por minhotos de origem e minhotos de adopção (como é o meu caso), serviu-se vinho verde da Quinta de Boamense, que foi de Alberto Sampaio e é, hoje, dos seus descendentes, depois do lançamento do livro "A Paixão das Origens - Fotobiografia de Alberto Sampaio" - de que já aqui falei.
O livro, em si, é uma obra-prima de execução gráfica, e originalidade criativa, esteticamente bem conseguida. E o vinho verde que trouxeram do Minho, de que já Antero de Quental dizia muito bem (já o registei, aqui no Blogue, anteriormente), era óptimo. Foi o toque de hospitalidade minhota que faltava, para romper a formalidade da cerimónia.
O fim da tarde foi agradabilíssimo, mas já passou. Quanto ao livro, irei saboreá-lo devagar.

Flaubertiana : letra R


Seguem-se, hoje, ideias feitas referentes a palavras começadas por R, seleccionadas e transcritas do livrinho de Gustave Flaubert, que temos vindo a seguir:

Rã - fêmea do sapo.
Racine - devasso!
Raio - só se emprega para praguejar, e mesmo assim!
Rima - nunca se harmoniza com a razão.
Riqueza - dá direito a tudo, até a consideração.
Rosto - espelho da alma. Existe, portanto, gente com a alma muito feia.
Ruínas - fazem sonhar e emprestam poesia a uma paisagem.

A má língua nacional


Numa roda de amigos, aqui há uns meses atrás, dois arrivistas, que eu não conhecia, se nos juntaram, à mesa de um café do Chiado. Eram ambos amigos de um amigo meu, ali presente. Um deles, apercebi-me logo, era da esquerda baixa (não sei se me faço entender?!). Começou logo a disparar contra o "Mad português" (palavras dele), ou o MEC (sigla portuguesa por que é conhecido), colunista diário do jornal Público e "pai-proveta" do saudoso Independente, que ajudou a deitar abaixo os cavaquinhos. Dizia, vociferante, o arrivista, que o MEC era um gordo bestunto, um salivoso, que tinha orelhas de abanador, o protótipo do eterno menino frívolo que só falava de frioleiras estrangeiras. Que não via a realidade nacional (aqui, foi das poucas coisas em que estive de acordo com o linguarudo maldizente). E que, ainda para mais, frisava o cabelo...
Mas não se ficou por ali, recomeçou nos dislates. Excessivos: que o MEC era um falso gago e que só gaguejava para chamar a atenção, que era monárquico porque era uma forma de disfarçar o seu racismo e xenofobia, e que o "diário" dele no Público era pior que o romance "da coxinha" nos folhetins radiofónicos, no "tempo da velha senhora".
Aí, tive pena do MEC, até porque ele escreve bem, chama-nos a atenção para a melhor gastronomia nacional e o leio com agrado, muitas vezes. Felizmente, o arrivista desamparou-nos a mesa, pouco depois. E deve ter ido semear o veneno para outra freguesia...

Adagiário CXIX : bruegheliana (11)


Penúltimo dos doze pratos de madeira pintados por Brueghel, esta ilustração também não será  de fácil interpretação. O homem de avental deita, ao que parece, de um cesto vindimeiro, um líquido com detritos para um enorme buraco quase cheio - por aqui, não se irá muito longe...
O ditado, legenda ou expressão popular flamenga regista: De put dempen als het kalf verdronken is. Qualquer coisa como, literalmente: Fechar o estábulo quando os bois (cavalos?) já estão fora.
Eu arriscaria como correspondente, em português: Depois de casa assaltada, sete trancas à porta. O busílis é saber, concretamente, o que é que o homem estaria a fazer, na ideia de Brueghel.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Memória 76 : Robert Frost (1874-1963)


O poeta norte-americano Robert Frost morreu faz hoje, exactamente, 50 anos. Era (é?) um escritor muito estimado nos Estados Unidos e eu li-o muito, na minha juventude. A sua poesia é, aparentemente, simples, com uma significação directa e imediata para o leitor. Muito embora permita interpretações mais aprofundadas. Frost disse uma vez, com humor sábio, que "Poetry is what is lost in translation". Mesmo assim, aqui fica a minha versão, para português, do seu pequeno poema Dust of Snow:

O modo como um corvo
me atirou para cima
o manto de neve
do ramo do abeto

Deu ao meu coração
um espírito novo 
e salvou uma parte
de um dia tristonho.



Filatelia LVII : efemérides

Os selos alemães têm, normalmente, um grafismo de qualidade inconfundível e de gosto muito sóbrio, como por exemplo os desta série de 1961, que foi emitida para celebrar o 75º aniversário da invenção do motor a gasolina, por Karl Benz (1844-1929), em 1886. Mais ou menos na mesma altura, Gottlieb Daimler (1834-1900) tinha aperfeiçoado uma bicicleta a motor. Ambos engenheiros, deram um impulso notável para o desenvolvimento da indústria automóvel alemã.

Alberto Sampaio - Fotobiografia

Amanhã, 30/1/2012, pelas 18h30, na BNP será feita a apresentação e lançamento do livro "A Paixão das Origens - Fotobiografia de Alberto Sampaio", obra organizada por Emília Nova Faria e António Martins. A edição teve o patrocínio da Fundação Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura. O livro será apresentado por Guilherme de Oliveira Martins, descendente do grande amigo do historiador vimaranense.

Holanda : 3 perspectivas portuguesas


Da Holanda, para mim e a princípio, eram as tulipas e os moinhos; mais tarde, os selos, o queijo, os pôlderes e as cortinas interiores, das casas, sempre abertas. Depois, Ramalho, Nemésio e, mais recentemente, Rentes de Carvalho (1930). Deste gaiense, de ascendência transmontana, lá radicado há muitos anos, vou quase no final de "Com os Holandeses", que tenho vindo a ler, com agrado veloz, e se, até meio do livro, os holandeses não saem bem do retrato, quando ele começa a falar de Amesterdão, começa a declaração de amor. O pragmatismo, a bruteza, a fastidiosa gastronomia, a falta de humor (ou um humor demasiado próprio) - Rentes de Carvalho fala deles, abundantemente. Mas compensa depois, talvez arrependido, com alguma ternura embevecida.
Ramalho Ortigão é mais equilibrado, para o bem e para o mal, no seu "A Holanda", mas também menos intenso. Nemésio, mais efusivo e apaixonado, nos seus versos, talvez porque alguma holandesa lhe desalinhou os "jacintos", que ele julgava já murchos e secos ("...Já para alguns jacintos alinhados/ Na janela fechada do que fui."), no último quartel da sua vida (1963). Assim, entre "A Holanda" (1883) de Ramalho, a de Vitorino Nemésio (livro publicado em 1976) e a obra, mais recente (2009), de Rentes de Carvalho, se compõe o poliedro deste país conquistado ao mar que, eventualmente e com a subida dos oceanos, no futuro, poderá nele, de novo, submergir para sempre.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Da Janela do Aposento 22: Há 70 anos



No dia em que passam 70 anos sobre a batalha de Estalinegrado, nunca é demais realçar a importância da memória viva e constatar, com tristeza, que essas vozes de transmissão, de "experiência feita", vão desaparecendo, para sempre.
Relativamente à efeméride em epígrafe, profundamente desumana para os beligerantes em presença, permanecem na memória os relatos vivos. Meu pai, no avanço das tropas nazis em direcção aquilo que ele designava como a "caldeira" de Estalinegrado, recebeu ordens para se dirigir para Sul. Portanto, ele não chegou a entrar em Estalinegrado e, talvez por isso, chegou a ser pai para deixar memória.
As suas andanças pelo Cáucaso preencheram, por vezes, noites inteiras de relatos, nomes de localidades que, num dia memorável, registámos num atlas de escalas generosas, para memória futura. No entanto, ele nunca se esquecera daqueles que tiveram a infelicidade de entrar na tal "caldeira" de Estalinegrado, embora o seu regresso, no final da guerra, à aldeia natal ocorresse, de forma épica, com episódios memoráveis.
Das suas conversas também fixei o nome do General Paulus que, hoje, é recordado num artigo publicado no SPIEGEL. Sabia que Paulus, na imagem abaixo ao lado de Hitler, comandou 260.000 homens, dos quais 150.000 morreram na tal "caldeira", fora os ca. de 108.000 que vieram a falecer a caminho ou nos campos de prisioneiros. Ao que consta, apenas 5.000 regressaram, vivos, até 1956.


Embora de uma forma difusa, recordo alguns homens em fardamentos militares, em farrapos, a vaguearem pelo centro da cidade de Colónia na década de 50 do século passado. Na altura, carecendo, ainda, dos relatos paternos, não consegui enquadrar imagens tão insólitas.
Ora, o que o SPIEGEL também refere, e que eu desconhecia, é que Paulus, o alto responsável por tanta atrocidade, passou a viver, no pós-guerra, na antiga RDA, instalado num belo palacete em Dresden e com direito a carro, da marca OPEL, fabricado na RFA, sendo conferencista e com vida pública nos domínios da chamada "cortina de ferro".


A criança da imagem, vestida com os restos de um fardamento militar, parece que nunca conheceu o pai que  envergou a farda. Ora, como tive a sorte de receber boas lições de guerra e da paz, tanto em casa como na escola, continuo a acreditar numa Europa da Paz, avessa a políticos que apenas pensam no dia de amanhã, nas eleições seguintes como A.M. da antiga RDA, privilegiando os últimos testemunhos de Homens de Estado, como Helmut Schmidt, que, pela sua experiência, se habituaram a pensar nas gerações futuras.

Post de HMJ, dedicado a HJ


A barbárie animalesca


Uma breve nota. De repúdio. Os islamitas rebeldes do Mali, perante o avanço das tropas fiéis ao regime legal, coadjuvadas por soldados franceses, retiraram de Tombuctu. Mas antes de o fazerem, deitaram fogo ao Ahmed-Baba Institute, cuja biblioteca continha um acervo precioso de cerca de 100.000 manuscritos, muitos deles medievais, que iam da Matemática à Astronomia.
Inominável e animalesco. Se se permitem já, há muito, através de interpretações abusivas do Livro Sagrado, mutilar corpos, querem agora fazê-lo aos espíritos. Quase 70 anos depois do nazismo, ele aí está de novo. Neste nosso mundo, e não muito longe de nós.

Bibliofilia 75


Há dias, um estimado Amigo mostrou-me, com algum contentamento, um livro, de magnificente aspecto, que tinha pertencido à biblioteca do nosso breve rei D. Manuel II, e que ele adquirira, há pouco tempo, num alfarrabista nosso conhecido. O volume tinha o famoso ex-libris régio ("Depois de Vós, Nós") e duas curtas notas manuscritas, a lápis, feitas pelo nosso último monarca. A obra fora cara, porque incompleta (apenas um dos dois volumes), mas estava impecável de conservação e era muito bonita, recheada de ilustrações cuidadas, francesa e sobre arte europeia. Percebi, imediatamente, o impulso da compra, que também me pareceu acertada e oportuna. Porque, a mim, já me aconteceram situações idênticas. Passo a contar.
Em finais dos 70, anos 80, e durante os primeiros anos da década de 90 do século passado, havia uma figura singular assídua nos leilões de livros. Magro, alto, delicado, muito claro de pele, com uma expressão ascética no seu todo, mas que se emocionava, um pouco, sempre que licitava um lote. Era, em absoluto, uma pessoa com quem, desde logo, simpatizei, muito embora nunca tivesse falado com ele. Vi-o comprar, principalmente, obras relacionadas com a Religião. Vim a saber, muito mais tarde, que era o Padre (Cónego) Isaías da Rosa Pereira (1919-1998?). Tinha nascido nos Açores (Horta), pertencia ao Tribunal Patriarcal, era docente de História do Critianismo e especialista no tema da Inquisição.
Há cerca de um ano, encontrei no meu alfarrabista de referência um opúsculo que lhe tinha pertencido, e que vai na imagem. E, embora eu nada saiba de Direito, muito menos Eclesiástico, não resisti a comprá-lo porque tinha a marca de posse, manuscrita (como se pode ver) a lápis, de Isaías R. Pereira, com a data de aquisição: 7. 10. 1981. Tenho quase a certeza que ele terá comprado o folheto, desencadernado, num leilão do meu conhecido José Manuel Rodrigues, ali na Casa da Imprensa, à Rua da Horta Seca. Eu, decerto, dei por ele mais dinheiro (6,00 euros), passados estes anos, mas embora o assunto seja um pouco árido, para o meu gosto, já li a obrinha (28 páginas), de 1834, e dei por bem empregue a compra que fiz por simpatia...

Um dia ensolarado como este...


...merece a cristalina voz de Luís Gois, mesmo que a esperança seja nenhuma, para o amanhã.

Inventário de sintomas


Na primeira página do meu jornal predomina, hoje, o negativo, o não e a morte. Senão, vejamos:
- Despiste de autocarro...11 mortos.
- Festa de jovens no Brasil...232 mortos.
- Jaime Neves morreu...
- Comissão recusou 12 gestores...
Mas, depois, nas páginas interiores, mesmo que neutros, os títulos não contribuem para a nossa felicidade:
- Escândalo de 2011 fez aumentar frequência das lojas maçónicas.
- Estima-se que todos os dias 750 condutores fujam sem pagar gasolina.
- Disparou cinco tiros sobre a mulher e o filho.
E evitei, intencionalmente, referir-me ou falar de futebol que, à segunda-feira, é sempre o prato de resistência. Esta pequena amostra subjectiva, é certo, e pessoal, dá uma ideia concreta de que não há grandes motivos de regozijo, nem estímulos positivos para quem começa uma semana de trabalho.

Música e Poesia L : Montale / Gassman


Uma concentrada atenção permitirá perceber grande parte deste belo poema (  Casa sul mare ) de Eugenio Montale (1896-1981), dito de forma admirável, no original italiano, por Vittorio Gassman (1922-2000), com música de fundo, de Richard Gibbs. E que começa pelos versos: "Il viaggio finisce qui/ nelle cure meschine che dividono..."

domingo, 27 de janeiro de 2013

Retro-vários


Aqui vão mais 4 rótulos de cerveja, dos anos 80, provenientes da Checoslováquia (os dois centrais), Inglaterra (o rótulo superior, de cerveja para exportação) e, finalmente, um português da Cerveja Imperial. À sua medida, todos eles me parecem interessantes e sugestivos, os checos, mais do que os outros.

A par e passo 26


LVI
Espaço Bucal

Como a boca é curiosamente sensível, fornece uma miscelânea de fortes pressões, de tracções contrariadas, de obstáculos e de corpos duros interpostos, de gostos e sabores, de toques húmidos e de deslizamentos, de presenças estranhas, - do mesmo tipo de sensação do conjunto de todo o corpo e dos movimentos de atenção no corpo, como a língua que tacteia e trabalha no seu antro...

Paul Valéry, in Tel Quel II (pg. 200).

Travessia


A neblina envolvia as altas falésia outrabandistas e até o Cristo-Rei parecia uma aparição fantasmagórica. A manhã estava antipática aos sentidos e, de pássaros, apenas uma gaivota ousara acompanhar-nos, paralela à ponte, de norte para sul do Tejo. Barcos, nenhuns, ou melhor, apenas os de obrigação: dois ferry-boats cruzavam-se, lá ao fundo, no rio que, pela maré vaza do mar, se lhe entregava, sereno.
Só a perspectiva do ossobuco e de um Dão velho de 1999, quando chegasse a casa, me aconchegava do frio dominical da travessia.

Pinacoteca Pessoal 44 : Nikias Skapinakis


Pintor discreto mas interveniente, Nikias Skapinakis (1931), português de ascendência grega, autodidacta, com curta frequência da Escola de Belas Artes, tem um lugar cativo e seguro na história de arte portuguesa do século XX.
Retratista notável, nas suas telas de cores alacres, há também lugar para um espaço de temperada melancolia. Mas dêmos-lhe a palavra:
"...Não se trata de um estudo de intenção sociológica mas de um discurso, utilizando a linguagem não discursiva da pintura, sobre alguns aspectos da sociedade portuguesa contemporânea e, mais ambiciosamente, sobre alguns aspectos da situação da mulher no mundo, num espaço e tempo cujas coordenadas reais não são só daqui.
E se um olhar irónico envolve esse tal discurso, convém não esquecer que ironia significa, na sua origem grega, interrogação. Se, todavia, a pintura resulta convincente e disponível para uma comunicação de acordo com a exigência de um público que, em toda a parte, tende a alargar-se, não cabe ao pintor afirmar. ..."

Nota: o quadro, em imagem, retrata as escritoras Natália Correia, Fernanda Botelho e a pianista Maria João Pires. Foi pintado em 1974.

Curiosidades 66


A fazer fé no Almanaque Bertrand (nº 71), em Lisboa, os 10 mais antigos estabelecimentos, ainda em exercício comercial, serão, por ordem de longevidade, os seguintes:
Livraria Bertrand, Rua Garrett - 1732.
Farmácia Azevedos, Largo do Rossio - 1775.
Café Nicola, Largo do Rossio -1787.
Casa das Velas do Loreto, Rua do Loreto - 1789.
Cutelarias Polycarpo, Rua de S. Nicolau -1822.
Confeitaria Nacional, Praça da Figueira - 1829.
Hospital das Bonecas, Praça da Figueira - 1830.
Livraria Ferin, Rua Nova do Almada - 1840.
Tabacaria Mónaco, Largo do Rossio - 1870.
Ourivesaria Sarmento, Rua do Ouro - 1870

Flaubertiana : letra Q


A escassez de palavras começadas por Q desobriga-me, desta vez, de proceder a uma selecção do "Dicionário de Ideias Feitas", de Flaubert. Por isso, hoje, a transcrição é integral:

Quadratura do círculo - não se sabe o que é, mas deve-se encolher os ombros ao falar no assunto.
Quaresma - no fundo, não passa de uma medida higiénica.
Quarto de dormir - diz-se, a propósito de todos os velhos castelos, que Henrique IV dormiu lá uma noite.
Quinta - ao visitar uma quinta, só se deve comer pão escuro e beber leite. Se se juntam ovos, acrescentar: "Meu Deus, como são frescos! Os da cidade não se lhe podem comparar!"
Quiosque - lugar de delícias num jardim.

Händel / Scholl


A peça musical, maravilhosa, de G. F. Händel, já aqui apareceu, sem as palavras. Hoje, regressa enriquecida pela voz de Andreas Scholl.

Água de nenhures

Olivença, Outubro de 2012. Água em geração espontânea e sem origem aparente. O impossível acontece pela imaginação do Homem. A torneira é apenas um acessório, enquanto a Água será sempre uma evidência. Estranha, na circunstância.

com agradecimentos a H. N., e parabéns!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Andreas Scholl sobre beleza e verdade em Música


Esta intervenção de Andreas Scholl, no Nexus Institute, é um documento importante que ajuda a perceber as relações existentes entre a Beleza, a Verdade e a Música. Bem como as diferenças entre as obras de um Lloyd Webber e Bach, ou mesmo Vivaldi, por exemplo. Mas também os deveres de ofício entre executantes, intérpretes e a obra de arte, no seu sentido mais amplo. Vale a pena ouvi-lo, mesmo em inglês.

Um esconjuro do Barroso (Trás-os-Montes)


A palavra engaranho - que eu conhecia - não vem registada nos vários dicionários que consultei. Nem mesmo Houaiss a refere, no seu amplo trabalho. Mas na obra colectiva "Usos e costumes do Barroso" (Chaves, 1972), de Barroso da Fonte, Lourenço Fontes e Alberto Machado, vem assim explicado: "O engaranho caracteriza-se por um estado geral de enfraquecimento juvenil, com braços e pernas cruzados muito delgados, feições mirradas e aspecto amarelado. O termo engaranho, é expressivo para designar esta doença que só se verifica nas crianças". Em termos mais simples e objectivos creio que seria uma espécie de raquitismo, a que estariam sujeitas muitas das populações desfavorecidas, por carências várias, mas também por razões de isolamento que originavam sucessivos casamentos consanguíneos.
Mas a obra citada descreve, detalhadamente, também, "Como se cura o engaranho". O ritual era complicadíssimo e com algumas variedades de acções e rezas, uso de juncos e utilização repetida do número 9, pronunciada pelo curandeiro, e obrigatório silêncio dos assistentes. Terminava assim o ritual, com a entoação seguinte:
Quem passa o Tejo,
faz pipos
e vedam o vinho
corta o engaranho
a este menino.
Pelo poder de Deus
e da Virgem Maria,
um Padre Nosso
e uma Avé-Maria.

Citações CXX : Goethe sobre Byron


Lord Byron é somente grande enquanto poeta; quando reflecte torna-se uma criança.

J. W. Goethe (1749-1832), in Correspondência com Eckermann.

Hiperactividades


É com preocupante melancolia que constato, aqui na zona outrabandista, que há uma série de ganapos de tenra idade (6/12 anos) que passam os dias a jogar futebol, sem que eu me aperceba de suficientes intervalos, na sua actividade obsessiva, para que possam tomar as necessárias refeições. Começam cerca das 10 horas, da manhã, e arrastam os pés, muitas vezes, até depois da meia-noite. Os extremosos pais devem contentá-los com uns bolicaos industriais e umas ranhosas fatias de pizza, acompanhadas de coca-cola borbulhante, para eles não perderem a bola.
Ora, um recente estudo científico franco-canadiano veio demonstrar que uma alimentação inadequada, durante a primeira infância (dos 18 meses aos 5 anos) tem repercussões irreparáveis sobre o comportamente humano posterior: "sintomas duráveis de hiperactividade, falta de capacidade de atenção, e agressividade". Segundo os investigadores, isto deve-se à precaridade alimentar que se define por "um acesso restrito aos alimentos sãos e nutritivos". Estes factores atingiam cerca de 6% das 2.120 crianças seguidas nesta pesquisa científica. Se assim for, teremos no futuro muitos Jim Carrey, portugueses.
Por falar em hiperactividade, registam-se movimentações múltiplas, frenéticas e centrífugas no interior do PS, nestes últimos dias. O que era Seguro já não parece muito, nem é tão certo...

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Das aguardentes de arroz


De Sake, já eu sabia que era uma aguardente japonesa (a China também a produz e consome), feita através da fermentação do arroz. Já a provei: pouco interessante, quase sem aroma - associo-o ao adjectivo "fade" francês, de que Simenon usa e abusa, para descrever, de manhã, o odor dos quartos de dormir que foram ocupados, durante a noite, por um casal.
Agora de Rack, aguardente de arroz, inglesa, nunca tinha eu ouvido falar. E um dicionário normal não a regista, nem a Wikipédia que, normalmente, agrega tudo: ouro e detritos. Só "The Concise Oxford..." dá notícia, muito lateralmente: "Draw off (wine, etc.) from..." (pg. 994). Não fala é de arroz. Mas o livrinho (Novo Manual do Destilador e do Perfumista), que já aqui citei (19/6/11), merece-me alguma confiança.
E regista:
"Os Inglezes usão muito do arroz para fabricarem huma especie d'aguardente a que chamão rack. Segundo os meios já indicados para se prepararem os grãos á preparação vinosa, facil he conhecer-se como se proceder com o arroz. Será pois necessário fazelo germinar, seccar-se, reduzir-se a farinha grossa como a cevada, e tratalo pelo methodo inglez. A maceração do arroz exige a mesma temperatura e precauções que a da cevada" (pg. 139).
Pois seja! Os ingleses sempre tiveram pouco jeito para prepararem coisas de boca... E contentam-se com qualquer coisa, mesmo muito dessaborida.

Favoritos LXX : Churchill e Welles

Winston Churchill morreu a 24 de Janeiro de 1965. Orson Welles também já não pertence ao número dos vivos. Neste pequeno excerto de entrevista, Welles recorda 3 encontros, que teve, com Churchill, com humor, mas também com grande simplicidade.

Adagiário CXVIII : bruegheliano (10)


O prato de madeira, pintado por Pieter Brueghel, tem a seguinte legenda flamenga: Zich onder een blauwe huik verbergen. Correspondente, em português, mais ou menos a: esconder-se sob uma capa azul - quase literalmente. A minha interpretação leva-me a pensar que quereria dizer: disfarçar-se um lobo em forma de cordeiro, para alcançar melhor os seus objectivos. Será? Não consigo melhor...

Actualização de 25/1/13: por amável sugestão de AVP, aqui vai a interpretação dele (que me parece credível e bem sólida) - "Quem tem capa, sempre escapa". O ditado português tem ainda outra versão com aditamento: "...e quem tem gabão, escapará ou não". Aqui fica, com agradecimentos a AVP.

The Baltimore Consort


A princípio faz lembrar o Rão Kiao, mas esta música espanhola é do século XVI.

Os acidentes de percurso (tecnológicos)

Nem de propósito, esta sequência de postes sobre o último, de HMJ, ontem, em que falava de velhas e novas tecnologias e da espantosa fragilidade destas. Pois tivemos um enorme apagão de cerca de 18 horas, que nos levou telefone, TV e Net. Felizmente, a luz eléctrica não se foi. Substituiram,  entretanto e agora, um dos aparelhos com luzinhas...e aqui estamos de novo. Esperemos que por muito tempo.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Da Janela do Aposento 21: Maravilhas da técnica



Mesmo por cá, assistimos nos últimos dias a lições que a natureza deu ao ser humano, assumindo a sua superioridade de mestre perante o discípulo. Este, por vezes demasiado convencido das suas habilidades e competências, continua a achar que não erra. 
Ora, a imagem do velho eléctrico da cidade de Frankfurt/Meno devia fazer pensar os incautos. Sucede que os ultramodernos eléctricos da referida cidade alemã deixaram de funcionar com os cabos de alta tensão congelados. Os "apuradíssimos sistemas electrónicos" dos novos eléctricos deixaram de funcionar, segundo consta, por uma questão de "sensibilidade" (!)
Qual foi a solução encontrada ? Foram buscar os velhos eléctricos, até as peças de museu para superar a falta dos meninos de "última geração". E, embora velhinhos, lá fazem o seu trabalho, habituados a conviver com os rigores de Inverno, aceitando a lição do mestre Natureza.
Fazem mal os que pensam, cá como no Japão, que "velhos são os trapos". Parece que um governante japonês voltou a falar em "matar os velhinhos", porque o estado não aguentava com a despesa de os sustentar.

Post de HMJ

Heidegger, sobre um quadro de Van Gogh


É um dos quadros mais impressivos e conhecidos de Vincent van Gogh (1853-1890), e terá sido pintado por volta de 1886. É uma pintura pequena (37,5 por 45 cm.) e pertence ao acervo do Museu van Gogh, de Amesterdão. O par de sapatos, ou botas de camponês, que serviram de modelo para a obra, terão sido comprados pelo Pintor numa Feira da Ladra, já usados, mas ele ainda os calçou e utilizou. É comum interpretar-se esta Natureza Morta como representando a dificuldade de viver ou a difícil profissão dos agricultores holandeses de então. Na sua obra Der Ursprung des Kunstwerkes, o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) aborda o quadro de uma forma muito própria. Passo a transcrever e traduzir um pequeno excerto, mais significativo:
"... Na boca escura do desgaste interior respira fundo a fadiga dos passos laboriosos. Na rude gravidade dos sapatos está representada a tenacidade da lenta marcha através dos largos e monótonos sulcos da terra lavrada, por onde sopra um vento rouco. No couro está tudo o que há, de húmido e gorduroso, no solo. Por baixo das solas desliza a solidão do caminho que atravessa a tarde que cai. E nos sapatos vibra o tácito chamamento da terra, a sua repousada oferenda do trigo que amadurece e a sua enigmática recusa em abandonar-se ao ermo campo baldio do inverno. Por essa utilidade ele afronta o mudo medo pela certeza do pão, a calada alegria de voltar a sair da miséria, o palpitar diante da chegada do filho e o trémulo receio pela morte em volta. Propriedade da terra é este o lado útil e o resguardo do mundo do camponês. Desta recatada propriedade emerge o concreto mais útil do seu repousar em si. ..."

Nota: a tradução do texto foi feita sobre a versão espanhola de Samuel Ramos.

Comic Relief (60) : toponímia nacional


A pedido da maioria esmagadora dos portugueses, vai ser inaugurada, em breve.

com agradecimentos a ms.

Pequena história (17) : a múmia


Diz-se que, quem conta um conto, acrescenta um ponto, mas eu vou procurar ser sucinto e ater-me à realidade que, já em si, é ficção.
As temáticas sobre a "maldição da múmia" tiveram origem na Inglaterra, o que não admira, pela quantidade destes objectos (?) egípcios que se encontram no Museu Britânico. Ora, na sala onde elas se perfilam, ao alto, do lado direito e esquerdo, dizem que uma delas, em determinada hora do dia, pela incidência da luz solar, parecia desaparecer do olhar do visitante do museu, para voltar a surgir, alguns segundos depois. E quem presenciava este desaparecimento "sobrenatural", pouco tempo depois do facto, vinha a morrer. Por isso, os familiares dos falecidos começaram a queixar-se à direcção do Museu Britânico que, devido a tantas reclamações, decidiu tirar a referida múmia da vitrine e mandá-la arrumar no depósito. O problema é que, passados uns meses, o guarda do depósito morreu, inesperadamente.
E a saga continua.
Por precaução e para quebrar o enguiço, o Museu Britânico resolveu oferecer a dita múmia a um museu norte-americano. E qual foi o meio de transporte escolhido? O transatlântico "Titanic"...
E prossegue o acrescento da lenda, com novas ramificações.
A versão continuada refere que o homem encarregado do acompanhamento da múmia, através de suborno, conseguiu salvar a múmia, fazendo-a embarcar num dos botes salva-vidas dos sobreviventes e, desta maneira, o objecto funerário chegou ao museu americano. Mas, aí, também começaram a morrer visitantes e empregados do museu, subitamente, e a direcção, preocupada, devolveu a múmia ao Museu Britânico. E qual foi o meio de transporte utilizado? O paquete "Lusitânia"...
Como dizem os italianos: "se non è vero è ben trovato".
Esta e outras histórias poderão ser lidas em "The Mummy's Curse", de Roger Luckhurst, editado pela Oxford University Press.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

De Alexandre O'Neill


Alexandre O'Neill, in Abandono Vigiado ( Guimarães Editores, 1960).

De Gómez de la Serna, 4 greguerías


1. O touro morto na arena parece uma motocicleta caída.
2. A sensação de andar na neve é de que os pés se afundam no mais além.
3. Acendia o seu isqueiro como quem se suicida elegantemente.
4. Os olhos dos chineses são como são porque têm um sono de séculos.

Kraftwerk : "Tour de France"


No  tempo em que o ciclismo era um desporto pobre, suado, mas nobre.

Interlúdio 24


Não há dúvida que M. escrevia correctamente e a leitura das suas obras até deslizava bem, nas horas que fossem despreocupadas e livres, era agradável, mas faltava-lhe nervo, alma e sangue. Era uma água chilra, como um chá frio, ou a dobrada, de que falava o Pessoa. E nunca tomava partido - era uma alma muito cândida. Abençoava a todos, a todos perdoava e procurava compreender, mas M. era feliz, à tona das suas águas serenas e sem vento que as agitasse.
Um dia, perguntou-me, de modo metafísico e crispado: "- Mas quem é que decide quem vai para o Inferno, ou vai para o Paraíso? Haverá um super-deus, que ajuíza?" E eu, francamente, não lhe soube responder, até porque estava a pensar se era melhor apanhar o eléctrico, ou ir de metro, quando me despedisse, para regressar a casa.
Mas hoje, se fosse eu que decidisse, mandava M. para o Purgatório.

Nota breve


Sendo um assunto muito específico, nem toda a gente dará por ele. Mas é, no mínimo, paradoxal que, enquanto as populações europeias, sobretudo as do Sul, entram numa espiral de empobrecimento, que não se sabe onde irá parar, as Bolsas da Europa, neste início de 2013, batam todos os recordes, em alta.

Filatelia LVII : Catálogos estrangeiros


Os catálogos de selos, na imagem, não são recentes. O mais moderno tem já 7 anos e abarca, resumidamente, os selos de Inglaterra, emitidos entre 1840 e 2005: é uma publicação da Stanley Gibbons, a mais importante casa filatélica do mundo. O mais antigo dos catálogos (Norges Frimerker), de 1955, referente a selos da Noruega, veio-me parar às mãos por herança improvável, no início do séc. XXI. Finalmente, os dois catálogos chineses que se ocupam das emissões filatélicas de Macau, antes da entrega à China: o de 1997 é uma edição da Son Kei P. Company, provavelmente com o patrocínio dos CTT macaenses; o de 1998-99 foi editado, em Hong-Kong, pela Yang's Stamp & Coin Co., e os valores são em moeda chinesa.

Com lembranças amigas a JAD.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A par e passo 25


Mon Corps

LIV
O corpo é uma  massa ou espaço, penetrado de sensibilidade tal como uma pedra é circulada por veios de ferro ou como uma esponja é penetrada pela água: penetrada pela vontade de uma forma mais subtil. Sensibilidade e vontade deixando nas redes por onde existem, partes insensíveis e inertes, de grandeza limitada pela subtileza das suas ramificações.
Há regiões onde o querer não tem existência e que são puramente locais. A grandeza destas zonas é notável em relação ao nosso conhecimento e à possessão que temos de nós mesmos.
Analogia curiosa. O pensamento compreende assim reservas em que ele próprio não consegue penetrar. Há distinções em que ele não é bem sucedido em aprofundar, tempos em que não consegue repartir-se. Ele penetra até certa profundidade, mas só até certo ponto.

Paul Valéry, in Tel Quel II (pgs. 198/9).

Nota pessoal: este pequeno capítulo do livro de Valéry, que tenho vindo a ler, traduzir e partilhar, aqui, foi talvez, pela sua densidade e intensidade, aquele que me criou mais hesitações e dificuldades, ao vertê-lo para português. A consulta do texto original parece-me, pois, aconselhável a quem ele interesse, e saiba francês.

Retro-checos (2)


Pena tenho de não dominar a língua checa para poder traduzir estes rótulos do início dos anos 80, maioritariamente, destinados (creio) a garrafas de cerveja. A sua beleza, algo barroca, mostra a qualidade e bom gosto do traço pessoal de quem os imaginou, e fez.

A babel global


O mundo é difícil de arrumar mas, mais difícil ainda, será ordenar as cabeças de muita gente que anda pelo (ciber)espaço, desordenadamente, procurando coisas sem saber muito bem o que procura. Depois, os motores de busca, ainda ajudam mais à confusão reinante e tudo se torna uma cafarnaum hilariante, quando não é trágica e preocupante, esta realidade babélica da aldeia global.
Claro que as search words desconchavadas continuam a chegar ao Blogue, claro que as indicações do Bing, do Google, do Yahoo e quejandos continuam, de mal a pior. Evidentemente que me rio, no meio disto tudo, mas também fico seriamente preocupado com as indigências de espiríto. E, se as não refiro, mais amiudadamente, é porque não quero aborrecer os Amigos e Seguidores, com tanta estupidez, humana e mecânica. Nem criar-lhes estados de espírito muito negativos e pessimistas. Mesmo assim, descarreguemos alguns casos recentes:
- diz o Cibernauta: "remédio para afastar pombos eko bee"; indica o motor de busca, aqui no Blogue: poste "Umberto Eco, bibliófilo" (de 6/3/12).
- outro escreve, como search words: "quem foi oberto da prosapia-biografia"; a máquina canhestra guia-o para um poste anódino sobre Diego H. Mendonza, de 25/5/10.
- outro curioso pede ajuda, assim: "caricaturas de itine huston"; na sua infalibilidade mecânica, o Google indica: "Estatuária e jardim suspenso...", poste aqui colocado em 28/6/10.
Mas houve um caso muito recente, que quase me comoveu. Vou contá-lo:
imaginemos que a intenção era boa e que o cibernauta, com frescura de alma e ingénua sinceridade adolescente, terá escrito as search words: "almodóvar com a belle dominique miguel relvas". E o bronco e cruel motor de busca encaminhou o romântico pesquisador para o poste "Anónimo/ Marco Beasley: «La Bella Noeva»", de 5/9/12. Se, musicalmente, o cibernauta ficou bem servido, deve ter tido uma forte desilusão sentimental. E, isto, não se faz a um jovem inocente!
(Já agora, será que o nosso doutor-turbo do Governo, tem uma irmã chamada Domingas?)

Obsv.: para evitar confusões, será conveniente ler este poste com uma dose mental de ironia, q. b..