quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Palavras de Oliveira Martins


O pequeno excerto de Oliveira Martins (1845-1894), que vou transcrever, está incluído num texto mais longo, intitulado "O Ideal e a Política", publicado no jornal Província, de 7/9/1886. Segue:
"É facto resultante da larga observação da história que à existência dos povos não basta, não chegam para lhe dar vitalidade os instintos de conservação. É mister uma aspiração, ou, por outra, um ideal, que levante, congregue e tonifique o espírito dos cidadãos. Quando isto falta, as nações definham, a craveira da política baixa, a maré da corrupção sobe.
É obvio que assim seja. Falta nesse caso aos homens públicos um impulso, um estímulo que, ou lhes aqueça os instintos generosos, ou os obrigue a levantarem-se acima de si próprios. A política torna-se rotineira, a administração torna-se inepta, formiga o parasitismo, aparecem, como nódoas filoxéricas numa vinha, as nódoas da corrupção alastrando-se, levadas as suas sementes no ar pelas virações mornas da cobiça, da vaidade, da mesquinhêz de alma, filha do vazio da inteligência.
Perde-se a noção da realidade das cousas. Confunde-se a ferramenta com a manufactura, o instrumento com o fim, os meios com as obras; e em lugar da felicidade de um povo, como objectivo da política, põe-se a fortuna dos políticos. ..."

Recomendado : vinte e um - Gastão Cruz


Saído em Outubro de 2011, com poemas muito recentes (um deles tem a data de 15/8/2011), o que talvez explique alguma desigualdade no conjunto, este "Observação do Verão", de Gastão Cruz (1941), é um livro de poesia a ter em conta, e a recomendar. Não será, porventura, o melhor livro do Poeta, mas é seguramente um livro de re-visitações da memória: lá estão "As Aves" (Sá de Miranda) e Mafra, lá aparecem Fiama e Nava, Pedro Hestnes, referido expressamente como título de um poema - como que num equívoco do olhar fatigado. A linguagem é, talvez por isso, mais despojada e linear, quase paralela ao real, neste conjunto de poemas de Gastão Cruz. Numa dedicação fiel aos lugares de afecto, para evitar as excedências técnicas, ou de estilo.

Memória

A voz rouca da noite exprime a nossa
memória poderia dizer a
nossa história mas evito

o que possa
anular o sentido
do que procuro manter vivo.

Cidade Capital de Cultura 2012 / Fastos vimaranenses IX : pequena história (2)



Nestes nossos tempos de "apagada e vil tristeza" (Camões dixit) da nova usurpação estrangeira (agora por via económica) é importante recordar a Restauração de que, amanhã, passa mais um aniversário e que, provavelmente, será pela última vez feriado nacional. Até porque, actualmente, há muitos Miguéis de Vasconcelos, sobretudo entre os economistas portugueses...
Em Guimarães, a dominação filipina e castelhana nunca foi bem aceite. Já em 1580, o povo vimaranense tomou partido por D. António, Prior do Crato, que a arráia-miúda conhecia, por ele ter frequentado a Universidade da Costa. Muito embora o alcaide da Vila, Fernão Coutinho, fosse afecto aos castelhanos. Venceu, entretanto, a força, a cobiça e o dinheiro.
Por essa altura e desde há muito que já havia a comemoração tradicional da vitória de Aljubarrota, celebrada todos os anos a 14 de Agosto, com uma procissão de N. Sra. da Oliveira, uma missa de acção de graças e um sermão sobre essa motivo patriótico. A missa era dita no exterior da Colegiada, junto ao Padrão do Salado, onde eram exibidos o loudel (colete alongado e acolchoado que se vestia por baixo da armadura) ou pelote e a lança pessoal que D. João I oferecera, em preito de gratidão, à imagem da Virgem da Oliveira. Ora, em 1638, presidia aos destinos da Colegiada o D. Prior Bernardo de Ataíde, o pregador sagrado escolhido foi o franciscano Fr. Luís da Natividade que era o Superior do Convento de S. Francisco, em Guimarães. Este franciscano era um patriota de alma e coração, e aproveitou a oportunidade para apelar aos sentimentos nacionais e à revolta. Olhando para o loudel, ia dizendo: "... Vejo-vos, pelote, velho e roto: vejo-vos atravessado com a vossa própria lança (...) Só me resta a consolação de ver-vos diante desta Virgem da Oliveira, que se uma vez vos livrou da morte, vos pode ainda ressuscitar a nova vida." E disse mais ainda: "...O Reino que nessa roupa o invicto Senhor D. João nosso rei dedicou e sujeitou à Virgem da Oliveira, quando o vedes em tal estado, nele vedes também qual esteja o Reino."
Menos de 2 anos e 4 meses, depois, foi a Restauração. 

O pastelinho de bacalhau, o copinho de três e as "search words"


Os meus amigos devem lembrar-se de uma cena de um antigo filme português, em que Manuel dos Santos Carvalho (?) e Maria Olguim (?) se dirigem ao balcão de uma honrada taberna (lisboeta?) e dizem para o empregado: "- Queríamos um pastelinho de bacalhau..." E o empregado responde: "- Pastelinho de bacalhau, não temos!" E Santos Carvalho, após breve hesitação, diz para ele: "- Então, queríamos um copinho de três!"
Pois o motor de busca do Google é uma espécie de Santos Carvalho, quando não tem "pastelinhos de bacalhau" para dar aos cibernautas, apropriados às suas (às vezes, arrevezadas e desarrumadas) "search words", serve-lhes, em vez disso, "copinhos de três". Ainda ontem  um estimado pesquisador lisboeta escreveu, como "search words", o seguinte: "cordeiro assado na brasa de miranda do douro"; e o "Santos Carvalho" do Google mandou-o para o poste "Mercearias Finas 31 : uma vitelinha, mansa, de Fafe" colocado neste nosso Blogue. Ora, isto não se faz! Então o homem queria cordeiro e deram-lhe vitelinha!? Gato por lebre, desonestamente!
Mas há muito mais casos semelhantes, em que o desrespeito, laxismo e cegueira boçal do motor de busca do Google, trata mal os seus utilizadores. No mínimo, usando de cristã benevolência, diríamos que há um excesso de iliteracia, ignorância no motor de busca, que redunda, muitas vezes, num surrealismo hilariante. Refiram-se mais alguns casos deste habitual "trocar de alhos por bugalhos":
1. diz o cibernauta pio: "mulher de capote aguardente vinicas fabrica eduardo ferreira"; responde o Google: poste "Cecília Meireles", de 7/11/2010, aqui no Arpose.
2. um pesquisador brasileiro escreve, como "search words": "borda do cordel". E o Google indica-lhe: "Bibliofilia 46 : A Ceia dos Cardeais", de 30/4/2011.
3. outro investigador proficiente e curioso clica: "a poesia de cecilia meireles e as obras de arte de botero e adegas" (sic); e o motor de busca abre-lhe o poste "A obra de arte, segundo W. H. Auden", de 30/1/2011.
Por hoje, acho que já chega de "mundo às avessas" e de alta cultura tecnológica...

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Incursões Culinárias 7 - (Dresdner Christstollen)


Com a designação genérica de "Stollen", classifica o alemão o seu bolo de Natal, o que, em terras lusas, corresponderá ao Bolo-Rei. Alguns dos meus amigos consideram o "Christstollen" de Dresda o mais autêntico, encomendando-o com antecedência. Tal como a imagem acima, existem várias páginas na internet sobre essa especialidade de Dresda, contando a sua história que, pelos vistos, remonta a 1500. Contudo, os fornecedores guardam as suas receitas originais a sete chaves. No entanto, nos livros de receitas, existe uma enorme variedade de versões, embora com pequenas variantes.
A pedido de uma leitora assídua do ARPOSE, apresenta-se, então, hoje uma das receitas de um "Christstollen". A antecedência justifica-se pelo facto de o bolo de Natal alemão ser confeccionado, no minimo, duas a três semanas antes do Natal. Dizia-se que era o tempo necessário para o bolo "tomar gosto".
Aqui vai a receita (para vinte doses):
1kg de farinha
450 gr de manteiga
1/2 l de leite
200 gr de açúcar
100 gr de fermento de padeiro (fresco e não em pó)
10 gr de sal
Especiarias, uma colher de chá cada, cardamomo, canela, macis (ou noz moscada), gengibre e uma pitada de cravinho moído
casca de 1 limão
30 gr de amêndoa amarga (ou, em substituição lusa, um pouco de licor da mesma amêndoa)
500 gr de passas
150 gr de corintos
150 de amêndoa (aos palitos)
150 gr de casca escorrida de limão [= Zitronat]
150 gr de casca escorrida de laranja [= Orangeat]
(ou em substituição, cubinhos de fruta escorrida vária)

Para finalizar:
100 gr de manteiga
60 gr de açúcar pilé

Para o recheio, há quem coloque no meio, e ao longo da massa, massapão, fazendo um rolo passado por açúcar pilé.

Antes de preparar a massa, faz-se o "isco" com farinha, o fermento, um pouco de açúcar e leite morno. Junta-se, depois, a manteira, o açúcar, o sal, e as especiarias e amassa-se tudo muito bem. Deixa-se repousar e levedar 45 min. Entretanto, deita-se água a ferver sobre as passas e os corintos, cobrindo-os e deixando-os na água durante 15 min. Depois, enxugam-se muito bem as passas e os corintos, passando-os por farinha.
Por fim, mistura-se na massa as amêndoas, a fruta em cubinhos pequenos, as passas e os corintos e trabalha-se a massa muito bem durante algum tempo. Deixa-se levedar ainda durante 45 min.
Antes de colocar a massa no tabuleiro, em forma de um tronco, pode introduzir-se no meio o massapão. Para finalizar, é preciso dar ao tronco a "poupa" característica, uma saliência ao longo do bolo.
Vai ao forno previamente aquecido, durante 1 hora a uma temperatura de 160º.
Depois de tirar do forno, pincela-se com a manteiga derretida e cobre-se com açúcar pilé.
No dia seguinte, embrulha-se o bolo em papel celofane e, assim, aguarda até ao dia de Natal, com a cobiça própria das crianças, fazendo crescer água na boca.
Para quem quiser e, eventualmente, para oferecer, pode dividir-se a massa em vários troncos mais pequenos.

Post de HMJ
dedicado, obviamente, a MR

Vale o que vale...


O retrato, em imagem, é uma projecção do que poderia ter sido, no final do séc. XVI ou início do séc. XVII (data provável da pintura), D. Sebastião, não tivesse ele morrido, em 1578, a combater em África.
O quadro vai hoje a leilão, em Lisboa - segundo o jornal "Público" -, tendo uma base estimada de licitação de 30.000,00 euros. O retrato era pertença de condes italianos e terá ido a leilão, algures na Europa, aqui há quatro. Apesar de legenda (Sebastianus I Lusitanor ), foi arrematado como sendo de um nobre cavaleiro italiano, e atribuída a obra a um pintor desconhecido, espanhol ou italiano.
A obra poderá excitar os ânimos dos sebastianistas...mas, infelizmente, a usurpação em Portugal já re-começou, há uns tempos.

Mais alguns Provérbios de William Blake


Dos "Proverbs of Hell", de William Blake (1757-1827), passo a traduzir 5 deles. O conjunto de Provérbios, do poeta inglês, totaliza setenta, que no dizer de Jorge de Sena "são autênticos micro poemas".

- A Prudência é uma feia e velha donzela rica cortejada pela Incapacidade.
- No tempo de semear aprende, na colheita ensina, regozija-te no Inverno.
- O gato aquecido esquece a neve.
- A abelha atarefada não tem tempo para mágoas.
- Se um louco persistir na sua loucura tornar-se-á sábio.

para MR.

Álvaro Lapa


A exposição de Álvaro Lapa (1939-2006) inaugura amanhã, na Galeria de Arte Moderna e Contemporânea, na Rua Ivens, 38, em Lisboa. São desenhos, sobre papel, do Pintor e Escritor, que também foi professor na E. S. B. A. do Porto, que anteciparam a intervenção artística de Álvaro Lapa na estação de Metropolitano de Odivelas. A exposição encerra a 20/1/2012.

Citações LXXXIII : Juan Ramón Jimenez


1. Em arte convém que nos extraviemos, mesmo que por pouco tempo.
2. Em momentos de maior emoção não me é possível escrever nada; o que me põe a lira na mão é a nostalgia da emoção.
3. A efusão poucas vezes é compreendida. É melhor uma amável afectuosidade.

Juan Ramón Jimenez, in Estetica y Etica Estetica, Aguilar, 1967.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Humor filatélico


A carta filatélica com desenho a tinta, feito manualmente, talvez do próprio remetente, seguiu de Melbourne (Austrália) para Londres, em 1897. A legenda diz, mais ou menos, o seguinte: "Pensei que trazia um selo comigo quando saí de casa. Devo tê-lo deixado para trás."

Sobre Goethe


Há quem tente colar, erradamente, W. Goethe (1749-1832) ao Romantismo. Como todos os grandes artistas, o Poeta alemão escapa-se à classificação. Marcel Schneider, na sua biografia sobre Schubert, marca bem essa diferença, referindo o ponto de vista de Goethe sobre os seus contemporâneos:
"...Criticou-se muito em Goethe a sua incompreensão em relação aos artistas românticos: Hölderlin, Beethoven, Weber, Kleist não lhe cairam em graça. É que Goethe via neles tudo o que mais odiava no mundo, a doença, a desordem, a extravagância e a loucura. Toda a vontade olímpica da sua vida recebia um desmentido face a estes génios patéticos. Dir-se-ia que Apolo negava a existência de Diónisos. Goethe sentia-se ameaçado nas suas fontes de existência e glória. E ele não era um santo: afastava-os com um gesto da mão. ..."

William Blake (1757-1827) traduzido por Jorge de Sena


No dia de nascimento (28/11/1757) do Poeta inglês, relembro 1 poema e 3 dos "Provérbios do Inferno", na versão portuguesa de Jorge de Sena.

Augúrio de Inocência

Num grão de areia o mundo inteiro ver
E numa flor do campo o firmamento -
Todo o Infinito em sua mão conter
E ter a Eternidade num momento.

Provérbios

Quem deseja e não age, pestilência gera.

De alegria se emprenha. De amargura se pare.

Os tigres da ira são mais sérios que os cavalos da instrução.

Nortenhas e populares (quadras) 8


Desta vez são da freguesia de Rendufe (Amares), as quadras populares que se transcrevem da mesma Monografia que tenho vindo a utilizar.

Fui à figueira dos figos,
Ataquei-me de laranjas;
Veio o dono das ameixas...
- Quem te deu tantas castanhas?

Amor de chapéu de palha
Ninguém me fale para ele,
Ele anda por minha conta,
Eu ando por conta dele.

Olhos pretos, roubadores,
Porque não vos confessais
Dos delitos que fazeis,
Dos corações que roubais.

Nota pessoal: achei particularmente curiosa a 1ª das quadras com o seu quê de surrealismo naïf.

Produtos Nacionais 2 : Fado / Património


É, no mínimo, uma ironia do destino que uma criação genuinamente portuguesa, que está ligada (ou estava) à nostalgia - para não dizer à tristeza -, hoje, nos tenha provocado uma alegria.

Que o Fado tenha sido, nesta época de usurpação e desânimo, considerado Património Imaterial da Humanidade, pela Unesco, dá-nos alguma consolação e alento, mas pouco mais que isso.

E talvez seja bom lembrar que o fado veio de baixo, de muito baixo, de vozes melhores ou piores, anónimas umas, muitas já esquecidas, numa cadeia de gerações, para chegar até aqui, hoje.

Uma história de Jorge de Sena, sobre a "incolaridade"...


No primeiro capítulo (Panorama da Literatura Portuguesa) do seu livro "O Reino da Estupidez" (I), Jorge de Sena, quase em jeito de comic relief, refere:
"...Eu interrompo para contar uma história. Uma vez, visitei certa cidade da nossa província. Nessa cidade, havia vários escritores e, naturalmente, vários poetas. E, no passado da cidade, figuravam vários autores ilustres, por acaso todos citados num guia artístico da mesma cidade, que era obra, a obra única, sempre enriquecida de novas achegas a cada edição, de um dos vários escritores que na cidade havia. Eu dei-me ao trabalho de conhecer, por folheio, essa obra única e as obras dos antigos e modernos que ela nomeava. Os autores, ao todo, eram 17, número assaz grande para uma cidade de província, visto que nenhum deles chegara à capital. Desses 17, oito tinham sido ou eram poetas, e os restantes nove: um era o autor do Guia; dois eram co-autores de uma memória erudita sobre o fontanário que, no século XVII, o 3º morgado de Piririm mandara construir na praça principal; outro, era autor de um vibrante e bem documentado opúsculo em que se provava que o Morgado da memória era o 2º e não o 3º; o quinto era um sargento-mór, que, no século XVIII, escrevera um notável trabalho sobre a excelência administrativa do Marquês de Pombal ao suprimir uma paróquia da região; o sexto, um virtuoso frade que, já entrado o século XVII, publicara uma compilação de orações contra febres terçãs, o mau olhado, etc., ainda de uso nos lares tradicionais daquela província; o sétimo, um deputado da Regeneração, que publicara um longo poema em oitavas sobre «A Moura de Salsifrão», conhecida lenda, o que lhe valera ser sócio da Academia Real das Ciências; o oitavo... - enfim, o oitavo e o nono também haviam escrito qualquer coisa, e um deles escrevera mesmo uma série de novelas inspiradas nas do Visconde de D'Arlincourt, que a Rollandiana incluíra no seu fundo perene. Já agora sempre direi que, destes últimos dois, o outro era moderno e crítico, crítico inteiramente literário, todas as semanas, no jornal da terra, folha que, por sinal, saía duas vezes na semana apenas. A sua crítica incidia sempre sobre um livro recentíssimo; e todavia, cotejando sucessivos números (um sim, um não) do jornal, ficava-se com a impressão de que falava sempre do mesmo, que não tinha mesmo importância nenhuma o livro ser de versos ou sobre a China - louvável exemplo de independência crítica!
Quanto aos poetas... enfim, os poetas, todos eles, haviam feito versos. O mais recente, contemporâneo, poderia até ser incluído nas escolas moderníssimas. Cito esta estrofe, muito bela, sobre o princípio da contradição:

O que deixou de ser.
O que deixou de ser já é.
Ser ou não ser é o mesmo.
O mesmo era e não era.
Só a fome fica.
Minhas mãos, ó povo!
Aurora.

A última edição do "Guia Artístico" citava-o, por regionalismo, mas com naturais reservas, chegando a insinuar que a sua poesia era «perigosa e mórbida» (sic). Não era. Mas citava-o, o que é uma vitória do regionalismo.
Parti daquela terra, lamentando não poder demorar-me mais. Não se convive, assim, todos os dias, com uma mão-cheia de literatura portuguesa. E é pena. Mas recapitulei quase tudo nos manuais existentes, embora - que injustiça! - nem sequer citassem aquele primoroso "Guia Artístico".
Acabo aqui a história. Porque não falaremos de poesia noutra altura?                                     1951" 

Astrologias (7) : Sagitário


Dizem que o Sagitário é um incansável viajante (Infante D. Pedro, o das sete partidas) e favorecido pela sorte. Eu diria também que é impaciente e um persistente amante da independência e lutador pela liberdade (Mário Soares, embora com ascendente em Gémeos). Dividido entre um lado terreno marcante, mas aspirando ao infinito, daí o sagitariano ser representado pelo mitológico Centauro, meio humano, meio animal, nunca alcança em plenitude o ideal que pretende. Bem dotado, musicalmente, e com uma imaginação transbordante em muitos domínios: na Poesia (Emily Dickinson, Rainer Maria Rilke, Herberto Helder), no Cinema (Otto Preminguer, Woody Allen, Steven Spielberg) e Beethoven, para sempre. Pintores, há muito poucos: Kandinsky - que me lembre.  Mas há prosadores notáveis (Joseph Conrad, André Gide, Jonathan Swift) e um notável escritor, com um humor muito original: Mark Twain.
Excessivos e por vezes visionários (Nostradamus, William Blake, grande poeta, também). Em política, como em tudo, há bons e maus. Desde o resistente lutador pela liberdade que foi Winston Churchill, até ao ditador Staline. Mas e,  mais uma vez, para voltar à Música, há excelentes intérpretes que nasceram no signo de Sagitário: Maria Callas, acima de tudo, e Edith Piaf, Frank Sinatra, Jimi Hendrix, Tina Turner, Sinéad O'Connor, entre outros. São também uma boa companhia: muito vivos, optimistas e joviais.

Aviso à navegação, e aos amigos, sobre a falta de profissionalismo lusitano ou do Google

Tenho constatado com preocupação, e lamento que os meus Amigos tenham tido dificuldade ou mesmo impossibilidade de postar comentários no Arpose, no presente mês. Por catalepsia do Google, ou Alzheimer progressivo, ou por inaficácia da Vodafone, o nosso Blogue, tem andado incontactável, ultimamente. Sobre a PT e o seu serviço, que utilizei até há cerca de um ano, já não tinha dúvidas: é abaixo de cão, e o profissionalismo não existe. Mais uma vez, hoje, fizemos 2 reclamações à Vodafone (Sra. Juliana Pinto e Sr. Paulo Silva, telefonicamente) e uma outra, entregue em mão, e por escrito, em sede própria. (Nestes 2 últimos fins-de-semana, colocar um poste no Arpose tem sido um Inferno, ou impossível, quase.) Será que vai adiantar?
Que os PR e PM, não me voltem a falar em produtividade, porque fico irado. Se nem profissionalismo e eficácia existem nas "praias de Portugal", por favor,  nem falem da nau Catrineta...
Aos amigos, um abraço!

Cidade Capital de Cultura 2012 / Fastos vimaranenses VIII : Festas Nicolinas



Das festas mais importantes de Guimarães, destacam-se pela singularidade: as Gualterianas e as Nicolinas. Ambas se acolhem à protecção de santos: S. Gualter, patrono de Guimarães, e S. Nicolau, dos estudantes. As Festas Gualterianas têm lugar em finais de Julho e prolongam-se até aos primeiros dias de Agosto, tendo um objectivo económico e turístico. As Festas Nicolinas começam sempre a 29 de Novembro e terminam a 6 de Dezembro e têm sobretudo um carácter lúdico, pois são feitas por e para os estudantes. O figurino na sua versão actual data dos finais do séc. XIX, mas os festejos estudantis já aconteciam, em Guimarães, no séc. XVII, embora numa versão mais incipiente, e muito dependente, ainda, da Igreja. Havia aliás uma capela de S. Nicolau que foi demolida nos anos 30 do século passado.
Por esta altura de Novembro, na cidade, já se ouve o rufar dos bombos e caixas num ruído cavo que se propaga pelas ruas, de manhã, no intervalo das aulas depois do almoço, e à tardinha. É o afinar dos toques, antes do início das festas. Os nós dos dedos sangram, por vezes, mas o rufar continua; e também acontece que o bombo fica "inutilizado", tal foi a força das baquetas que a pele rebentou. Mas tudo isto é antes do princípio, porque a verdadeira festa começa a 29 de Novembro, à noite, quando o Pinheiro (oferecido, tradicionalmente, pelo chefe da comissão das Festas Nicolinas) entra na cidade, puxado por carros de bois e trazido dos arrabaldes. O cortejo, acompanhado de estudantes tocando caixas e bombos, em ritmo compassado, terminará no Campo da Feira, onde a árvore (enorme, habitualmente) será enterrada, sem raízes, e aí ficará, até ao final das Nicolinas. A madeira será depois vendida para custear despesas. No entretanto haverá as "Posses" (ofertas de particulares aos estudantes, muitas vezes, em viandas), o "Magusto" (com castanhas assadas e líquidos à discrição...), a  noite da "Roubalheira" (em que os nicolinos mudam os pertences exteriores dos particulares para sítios insólitos. Vasos, roupa a secar, tudo que esteja à vista ou à mão é levado para locais improváveis e distantes.). Antes do cortejo final das Maçãzinhas, a 6 de Dezembro, haverá ainda a leitura do "Pregão" (pequena epopeia herói-cómica, habitualmente, em decassílabos marotos e de crítica a Guimarães e ao Mundo), declamação que é feita junto à Câmara Municipal, junto à casa que foi da Sra. Aninhas (chamada a Madrinha dos estudantes), e noutros locais da tradição Nicolina. A 6 de Dezembro, o ponto mais alto, com o cortejo de estudantes mascarados que oferecem da rua, às jovens raparigas nas janelas e varandas das casas, maçãzinhas na ponta de uma lança. E recebem delas, em retorno, pequenas ofertas que podem ir de colheres de pau até pequenas garrafinhas de Vinho do Porto. Quando as pequenas maçãs acabam, o estudante oferece a lança (de metal ou latão), adornada com fitas de diversas cores, à eleita do seu coração. Ou, então e manhosamente, só a dá, depois, no baile nocturno que encerra as festividades, para tirar maior "proveito" da oferenda...
Vale a pena ir ver as Festas Nicolinas, a Guimarães.

Nota: nas imagens, Nicolinos, prontos para começar o cortejo das "Maçãzinhas. Reproduz-se ainda uma parte do "Pregão" de 1985.

Advento - tradições diferentes

Celebra-se, amanhã, o primeiro domingo de Advento que, em terras do Arcebispo de Colónia, iniciava um período de reflexão sobre o nascimento de Cristo. No entanto, para as crianças, havia vários rituais que preanunciavam o dia do Menino Jesus com as prendas, luz e calor.
Do primeiro domingo de Advento lembramo-nos da seguinte lenga-lenga:


[em tradução livre: "Advento, Advento e uma velinha acesa; a primeira, depois a segunda, terceira, quarta e o Menino Jesus está à porta"]
No primeiro domingo iniciava-se o ritual da contagem do tempo, com uma coroa de Advento e as tais quatro velinhas. Não tendo cá os materiais apropriados, aproveitamos um aro antigo de uma coroa original que veio, há anos, de propósito da Alemanha. Esclarece-se que a nossa coroa da imagem não é canónica. Em vez dos ramos de abeto, serviram os do pinheiro que tinhamos na varanda. Também as luzinhas deviam ser todas novas em vez de recorrer a velas já usadas.

Por fim, havia ainda o calendário de Advento, com as 24 portinhas para abrir até ao dia de Natal. Depois de acordar, corria-se para a cozinha para ver mais uma imagem,  por detrás da portinha, e riscar mais um dia na longa espera até chegar o "Christkind".

E bom domingo de Advento !
Post de HMJ

Cromos 23 : Maravilhas do Mundo



Produto da Agência Portuguesa de Revistas (Rua Saraiva de Carvalho, 207, em Lisboa), através da Editorial Ibis, estas "Maravilhas do Mundo", eram compostas por 2 álbuns, cada um com 125 cromos desenhados por Miguel Conde. É a primeira caderneta que se mostra, em imagem.
Os surpreendentes motivos da Natureza são o objecto desta colecção que mostra desde a Calçada dos Gigantes (Irlanda) até a Gruta Azul de Capri, passando pelo estranho "Geiser" Negro, da Nova Zelândia.
A caderneta custava Esc. 4$00 e os últimos  30 cromos poderiam ser encomendados à A. P. R., pelo preço de Esc. 5$00. A colecção de cromos creio datar de finais dos anos 50 do século passado. 

Nos 5 anos da morte de Cesariny



Mário Cesariny de Vasconcelos (1923-2006) faleceu, exactamente, há cinco anos.
O livro aberto, na imagem, é Pena Capital, da Contraponto, editado em 1957, que o Poeta dedicou a sua mãe.

Regionalismos minhotos (8)

Iniciamos, hoje, a selecção de regionalismos do volume II de "Vocabulário Minhoto" (1922), de M. Boaventura, livrinho pobre de aparência, mas rico de conteúdo. Escolhemos 8 vocábulos na letra F, por nos parecerem mais singulares e interessantes. Aí vão:

1. Fabèco - Baixo, atarracado.
2. Facha - Costeleta.
3. Farôco - Gato pardo.
4. Fémeo - Namorado.
5. Flequibaque - Sopapo (calão de Barcelos).
6. Fragata - Mulher muito magra.
7. Fuchicar - Sachar a terra; meter os dedos no nariz.
8. Fungão - Ranhoso.

Um soneto de W. H. Auden


Nada nos é dado: temos que procurar a nossa lei.
Os grandes edifícios agrupam-se ao sol para dominar;
Atrás deles esforçam-se como triste vegetação
As pequenas casas dos pobres, recessivas.

Não temos destino atribuído:
Nada é certo senão o corpo; planeamos
Ser melhores; os hospitais só nos recordam
A igualdade nos homens.

As crianças são na verdade amadas por aqui, até pela polícia:
Falam nos anos anteriores a ser sozinhas
E se perderem.

                        E apenas
As bandas e charangas pelos parques profetizam
Algum futuro reino de felicidade e paz.

Aprendemos a ter pena e revoltar-nos.

    

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Perenidade


"Não é verdade, leitor de bom senso, que n'este momento historico só ha logar para o humorismo? Esta decadencia tornou-se um hábito, quasi um bem-estar, para muitos uma industria. Parlamentos, ministerios, ecclesiasticos, politicos, exploradores, estão de pedra e cal na corrupção. O aspero Veillot não bastaria; Proudhon ou Vacherot seriam insufficientes. Contra este mundo é necessario resuscitar as gargalhadas historicas do tempo de Manuel Mendes Enxundia. E mais uma vez se põe a galhofa ao serviço da justiça!"

Parecem de hoje, estas palavras, mas são de Junho de 1871, tendo portanto 140 anos. Foram escritas por Eça de Queiroz (1845-1900), cujo aniversário de nascimento passa hoje.

Otto Dix


Voluntário na 1ªGrande Guerra, veterano condecorado, Otto Dix (1891-1969) foi obrigado a lutar na II G. G., já no final do conflito. Pintor, dos mais importantes do expressionismo alemão, ele sabia, na pele, o que era, realmente, a Guerra. Daí que ela esteja tão presente nas suas obras. Grande parte da sua pintura no post-guerra é de índole religiosa, porque começou a viver em Paz. Mas são dele as palavras que se seguem, para caracterizar esse pesadelo monstruoso:
"A guerra é qualquer coisa de animal. Fome, piolhos, lama, esses ruídos enlouquecedores - enfim tudo é diferente. Veja, os quadros antigos davam-me a sensação, que um lado da realidade ainda não tinha sido retratado: tudo aquilo é verdadeiramente feio. A guerra tinha qualquer coisa de repugnante, mas não deixava de ter a sua grandiosidade. Eu não podia de modo algum perder tal oportunidade! É preciso vermos o homem nessas condições para sabermos algo sobre ela. (...) Durante anos, pelo menos dez anos sempre tive os mesmos sonhos, durante os quais rastejava por entre casas arruinadas, por corredores que mal me davam passagem, as ruinas estavam permanentemente nos meus sonhos."

Bibliofilia 54 : "O Feliz Independente..." do Padre Theodoro de Almeida


No tempo em que eu frequentava, com alguma assiduidade, os leilões de livros, lembro-me que HMJ teve alguma dificuldade, e demorou tempo, até conseguir comprar "Pyrene" (1935), de Fidelino de Figueiredo (1888-1967), até porque não se encontrava o volume nos alfarrabistas, ou era muito caro. A obra trata das relações culturais, sobretudo literárias, dos dois países peninsulares - Portugal e Espanha. Pois, há dias, com surpresa e alguma nostalgia, fui encontrar o livro, em razoável estado de conservação, no meu alfarrabista de referência. E na prateleira de baixo, última e térrea, de uma das estantes. O que queria dizer que se poderia comprar por 1,00 ou 2,00 euros. Significava isto que o livro não tinha já procura. Como diria o bom velho Sá: "...Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,..."
Muitos clássicos e diversas obras que foram e são importantes, graças à desastrosa, bárbara e cega política de Ensino, nos últimos anos em Portugal, estão hoje nos sotãos e caves do esquecimento cultural. Só um ou outro académico bisonho e curioso irá ter com eles, para os ler ou estudar. Prova mais que suficiente, é um inquérito que se fez recentemente a alunos e professores que, para escândalo de alguns (poucos: "la inmensa minoría"), mostrava à saciedade o grau de incultura e ignorância alarve de "mestres" e discentes...
Recebi hoje o Boletim Bibliográfico 52 (Novembro de 2011) da Livraria Luís Burnay e, ao folheá-lo, dei com o Padre Theodoro de Almeida (1722-1804?) e o seu "O Feliz Independente do Mundo e da Fortuna ou Arte de viver contente em quaesquer trabalhos da Vida" (no catálogo era o lote 18), na sua edição primeira, de 1779, em três volumes, ao preço fixo de 100,00 euros. A obra, de intuitos apologéticos e morais, tem como cenário a Polónia.  Este livro foi um best-seller, na época, mas hoje quem é que terá paciência para ler as suas quase 1.000 páginas?, embora de escrita elegante e escorreita. Creio que só um académico devotado. Não tenho a primeira, mas tenho a 2ª edição, de 1786. É uma impressão cuidada, bonita, com gravuras interessantes de que se dá uma amostra, em imagem, do frontispício do volume I, para que conste. 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Pelos anos de Kusturica


Aqui, são os pequenos malfeitores, que vão fazendo pela sua vidinha.
Mas, depois, há as ratazanas que, no escuro e pela calada, vão dando cabo da vida dos outros...

As ratazanas


São estas as ratazanas-mores que farejam os caixotes dos países, à noite, em busca de lixo, para se alimentarem e engordarem os seus parasitas avençados. Graças ao "sistema" conseguiram, plasticamente, adquirir feição humana, para não assustarem os seus clientes. Da esquerda para a direita, começando pelo asiático para acabar no caucasiano, são:
1. pela "Chapa zero & do Pobre" (Standard & Poor's), Deven Shama.
2. por "Dos mal humorados" (Moody's), coçando o acne, Raymond MacDaniel.
3. pelo "Pêlo de Furão" (Fitch), Steven Joynt.
Foi este último que, como se fora petróleo, considerou Portugal como área de lixo para prospectar, hoje!
Por que esperais, ó "Indignados" e elementos do "Occupy", para a desratização universal?

Uso Pessoal 5

Obsv.: velhos apontamentos (1968) encontrados na mochila de um antigo ex-combatente, que o foi, à força.

Retro (3) : Vinho do Porto



É um pequeno folheto de 6 páginas, dobrado em três, de aspecto agradável e boa execução gráfica, embora com as cores delidas pelo tempo, porque foi impresso em 1959, apenas em língua portuguesa. Dentro estavam as vinhetas que acompanham a imagem da capa. Fazendo publicidade ao Vinho do Porto.
Acho-o curioso e original porque, além de estar bem feito, dá informações objectivas e sucintas, úteis. Mas o que me parece ainda mais interessante é que apresenta dois exemplos "politicamente incorrectos", na contracapa, como se pode ver: a dona de casa a beber, enquanto faz as limpezas, e o operário a fazer o mesmo, enquanto trabalha...

Vergílio Ferreira, de novo, sobre Arte


Era frequente, nos anos 60 e 70 do século passado, que os catálogos de exposições de Pintura abrissem com palavras introdutórias de escritores portugueses, reflectindo sobre as obras  ou sobre a Arte, em geral. Eugénio de Andrade tem, por exemplo, magníficos e belos textos em catálogos de mostras de Resende, Ângelo de Sousa, José Rodrigues...
Os excertos de reflexões que vou reproduzir, de Vergílio Ferreira, iniciam um pequeno catálogo de uma exposição colectiva (Nadir, Dourdil, Pomar, Hogan, Skapinakis, Vespeira...) de pintura, realizada na galeria "Prisma", em Abril de 1973, em Lisboa. Seguem dois excertos:
"Falar hoje de arte instala-nos num certo mal-estar, ou numa certa má consciência. Porque antes de dizermos o que ela é, na realização dos que a realizam, submersamente se nos insinua a pergunta sobre se ela pode ser. E o facto de ela estar aí não é resposta bastante, como o não é sobre o romance a multiplicação dos romances, ou já sobre o poema épico a multiplicação deles no séc. XVII. Porque falar não é tagarelar. A fala instaura uma relação primordial com a vida e a tagarelice com a própria fala - tanto quanto uma relação com a vida não é já uma relação com palavras. Assim a sua multiplicação se estabelece no vazio. (...) Somente a arte é memória, e daí o que há de instável no seu equilíbrio de hoje. É uma memória que remete, se não para um referente (que em verdade reinventa), se não para um significado (que verdadeiramente o não é pela sua polivalência), remete ao menos para a recriação de um outro de nós, de um espaço a reorganizar, de um eco em que fale o seu silêncio, do intervalo em que se separe a sua materialidade da vibração que a transfigure no absoluto de uma presença. ..."

Pequena história (5) : Stravinsky sobre a música de Schubert


"Perguntaram a Stravinsky se as dilações (longueurs) de Schubert não o adormeciam:
- Que importa, respondeu ele, se quando acordo, penso que estou no paraíso."

apud "Schubert" (solfèges/seuil, 1957) de Marcel Schneider. 

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sobre este nosso tempo e o medo, por Mia Couto


com vivo agradecimento a N. C., por me ter chamado a atenção para este lúcido depoimento de Mia Couto.

Nos 81 anos de um Poeta


Estou à vontade para dizer que o Poeta maior português, vivo, faz hoje 81 anos.
Para usar palavras do meu amigo António de Almeida Mattos, diria que Herberto Helder (1930) não é "da  minha família". Sou mais da secura e da contenção, menos do excesso que Ramos Rosa define "...como uma das linguagens mais incandescentes que se conhecem na poesia portuguesa ". Herberto Helder nasceu no Funchal, a 23 de Novembro de 1930.

Nota: Em imagem, um excerto de um texto de Herberto Helder incluido na revista Caliban 2 (rara), editada no ano de 1971, em Lourenço Marques (hoje, Maputo), Moçambique.

Afonso X, de Castela e Leão


Passa hoje mais um aniversário sobre o nascimento de Afonso X (1221-1284), rei de Castela e Leão, que viria a ser avô do nosso rei D. Dinis. Pelo neto, abandonou as pretensões que tinha sobre o Algarve que fora conquistado na sua totalidade territorial por D. Afonso III.
A corte de Afonso X foi um viveiro de sábios de várias nações (judeus, mouros, portugueses) que produziram obra, e também um foco importante de cultura. O próprio Rei também trovava (Cantigas de Santa María e outras poesias profanas), em galego. Na sua época, em que o castelhano foi adoptado como língua oficial da Corte, foram traduzidos o Corão, o Talmud e a Bíblia. Bem como tratados do jogo de Xadrez e livros sobre Astrologia.
Atribuem a Afonso X o sábio conselho: "Fazei arder madeira velha, lede livros antigos, bebei vinhos velhos e tende amigos antigos." 

Música e Poesia XL : e humor...


Releve-se o lado apologético final, perfeitamente dispensável!

com grato reconhecimento a C. S..

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A angústia do empregado, antes do fecho


A última meia hora era sempre  a pior. Já a Adelaide tinha saído, deixando a copa a brilhar e os panos húmidos, pendurados, a secar. Não antes de, às escondidas e disfarçadamente, dar uma golada na S. Domingos, para o frio do caminho, que ela morava longe. E ele fingia que não via - perdoava.
Já pouca gente viria. Pontualmente, e dez minutos antes de fechar, chegava o casal de meia idade para o café de depois do jantar. E, na música-ambiente sucediam-se, impreteríveis, o Ray Conniff, o Mantovani e o Bacharach, diariamente, até que ele desligasse.
Mas hoje, um cliente desconhecido, que já ia no terceiro whisky, tamborilava no balcão e entoava, pausadamente: "Nas nossas ruas, ao anoitecer...", numa lúgubre melopeia oscilante, que lhe deu angústia. Faltava pô-lo na rua, desligar a máquina de café e as luzes, silenciar a música, despir a farda, ir-se embora. Atravessar, depois, a pequena ponte sobre a ribeira, que já ia alta e barrenta. E, hoje, que chovia tanto...
A casa, quando chegasse, devia estar muito fria. E o desconhecido cliente lá continuava a tamborilar no balcão e a cantarolar: "...há tal soturnidade, há tal melancolia..." Um arrepio gélido chegou-lhe ao coração. E os minutos nunca mais passavam.

6 motivos para 1 cenário


O melro negro que, do mármore branco,  vai para a chaminé.
Uma leitosa neblina sobre o rio.
A gaivota sobrevoando, alta.
Um fiozinho de música que vai pela manhã, como uma voz sem sílabas.
Alguém que se debruça na janela, para ver o rio.
O melro que levanta, em direcção ao dia.

para c. a., que gosta de melros. A cantar.

Civilidade (16) : Deveres dos alunos


"Os meninos, aos quaes se manda dar lições em casa, estarão sempre cuidadosamente vestidos para receber o seu professor. Seria grosseiro deixal-os apparecer, na sua presença, com os cabellos em desalinho e o fato sujo ou descuidado - fato que não devemos usar em nenhuma circumstancia.
Exigir-se-ha que fallem muito delicadamente, respeitosamente mesmo, áquelles que tomarem o mister de os instruir. Reprimir-se-ha toda a velleidade de revolta contra a auctoridade do professor; excepto em casos excepcionaes, nunca se tomará parte por elles contra elle.
Os meninos acompanham até á porta o seu professor, que é seu superior, pela idade, primeiro, e pelo saber."
Beatriz Nazareth, in Manual de Civilidade e Etiqueta, Lisboa, 1898 (pg. 16).

Obsv.: convenhamos que era assim, há 113 anos, quase uma eternidade...

A metafísica e a banalidade, segundo Cioran


"Como esta amiga, reencontrada por acaso num passeio, se obstinava em convencer-me que «o Divino» estava presente em todas as criaturas sem excepção, eu retorqui-lhe: "Naquela também?", apontando-lhe uma transeunte de aparência intoleravelmente vulgar. Ela não soube o que me responder, porque é verdade que a teologia e a metafísica abdicam diante da autoridade de um detalhe mesquinho."
E. M. Cioran, in Ébauches de vertige, 2008 (pg. 84).

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Divagações 16 : a propósito de "The Cold Song" de Henry Purcell

Assim como há obras intemporais que podem atravessar todas as idades, da mais primitiva à mais moderna, há também, na vida de algumas pessoas, sentimentos inexprimíveis ou indizíveis que não encontram, nas palavras, maneira de se expressarem, senão por forma desarticulada. Ou em que a voz humana adquire uma expressão outra, talvez animal: o uivo, o urro, o grito inumano.
Estou a lembrar-me de 2 casos a que assisti, na minha vida; estou a recordar-me dos quadros de Munch, ou do grito suspenso que deflagra em Al Pacino, em Godfather III, quando a filha é assassinada ("Salão de Recusados 10", de 1/3/2010, aqui no Arpose). Estou a pensar nos "4 sonetos a Afrodite Anadiómena" de Jorge de Sena, ou em 1 ou 2 poemas de Jorge de Lima. Estou a lembrar...

Pelo aniversário de Magritte


René Magritte nasceu a 21 de Novembro de 1898. Conhecido sobretudo pelo non-sense surrealista dos seus quadros, o Pintor trabalhou também em cartazes publicitários. Como não podia deixar de ser, estas obras, destinando-se ao grande público, tinham que ser mais comezinhas e entendíveis para chegarem até ao comum dos homens. Não deixam contudo de ser interessantes.
Reproduzem-se, em imagem, duas litografias do Pintor belga: uma publicitando gulodices, a outra que se destinava ao anúncio de uma bebida.

para MR, especialista nesta área.

Curiosidades 44 : o tempo, a moda e os números



Uma moda, ou preferência, excessivamente gritante, num dado momento do tempo, corre o risco, muitas vezes, de se apagar depressa e definitivamente, talvez por saturação e ressaca, ou porque foi artificial e injustamente promovida por razões que nada tinham a ver com a qualidade ou a estética. Pode observar-se este fenómeno em muitos top-ten ou listas de best-sellers que, passados 2 ou 3 anos, estão na maioria dos casos sepultados no esquecimento, para sempre. Por isso, não vale muito a pena ir a correr às livrarias para comprar e ler obras muito badaladas e na berra. Mais vale aguardar que o Tempo faça a monda acertada. A notoriedade de um autor, hoje em dia, depende mais do seu mediatismo insistente, do que de critérios de verdadeira qualidade. E, a crítica, nos nossos dias é o que se sabe...
Passemos ao concreto. A revista "Magazine Litteraire", em Março de 2000, dedicou uma boa parte das suas páginas (49) aos escritores portugueses. Fez entrevistas a Saramago, Lobo Antunes e Manuel Maria Carrilho, na altura Ministro da Cultura. Além de haver artigos singulares dedicados exclusivamente a alguns escritores (Pessoa, Lídia Jorge, Tabuchi...). Finalmente, a revista literária francesa inclui uma sinopse selectiva dedicada a autores considerados importantes ("Dictionnaire des Auteurs"), com algumas linhas distribuidas por cada um dos escolhidos. Seleccionei alguns, referindo a seguir o número de linhas a eles dedicadas, para cotejo:
- Eugénio de Andrade: 7 linhas.
- Ruy Belo: 9,5 linhas.
- Al Berto: 34,5 linhas.
- Agustina Bessa Luís: 19,5 linhas.
- Luís de Camões: 16 linhas.
- José Cardoso Pires: 28 linhas.
- Mário de Carvalho: 53 linhas.
- Camilo Castelo Branco: 4,5 linhas.
- Vergílio Ferreira: 24,5 linhas.
- Eça de Queiroz: 29,5 linhas.
- Wanda Ramos: 24,5 linhas.
- Jorge de Sena: 36,5 linhas.
- Miguel Torga: 52,5 linhas.
- Gil Vicente: 8,5 linhas.
Finalizo sem comentários, deixando o juízo sobre os números, a quem ler. Mas não há dúvida que, como diz o ditado: "Mais vale cair em graça, do que ser engraçado"... 

domingo, 20 de novembro de 2011

Leituras Antigas XXXVIII : "Dictionnaire de la Peinture Moderne"



Este livro, na imagem, anda comigo há cerca de 50 anos, e foi comprado em Coimbra, numa livraria da Rua Ferreira Borges. Da autoria de Fernand Hazan, com colaboração muito variada, este "Dictionnaire de la Peinture Moderne" foi editado no ano de 1954, em Paris.
Dos livros da minha biblioteca é, com o "Petit Larousse", um dos que melhor se pagou, por si, pelas vezes sem conta que o consultei, e ainda consulto. Tem também uma apresentação gráfica e estética admiráveis.
Por muitas razões - e perdoe-se o desbarato dos sentimentos - é um livro que estimo imenso.

"A incerteza do poeta" de Giorgio de Chirico


Giorgio de Chirico (1888-1978) é um dos meus pintores de referência. Já constou da rubrica Pinacoteca Pessoal 10 (de 21/4/2011), e foi presença em mais 3 postes deste Blogue. O artista, de ascendência grega, morreu em Roma, a 20/11/1978, tendo sido o elemento preponderante da pintura dita "metafísica", que deixou o caminho aberto para o surrealismo.
O quadro, em imagem, intitulado "A incerteza do poeta", pintado em 1913 e pertencente à Tate Gallery, de Londres, é um dos mais desconcertantes do Pintor, pela junção muito diversa dos motivos, cada um com a sua carga simbólica. O torso sugerindo a personificação humana, o cacho de bananas introduzindo o exotismo, e o comboio, ao longe, a viagem. E, do lado direito, a negra ameaça das arcadas anoitecidas.
É este permitir de especulações imaginativas que eu aprecio sobremaneira em Giorgio de Chirico.

Mercearias Finas 42 : tripas enfarinhadas e salsichas krakauer


Iniciamos já a "saison" dos sonhos (pré-)natalícios, sulistas e sem calda - os da minha memória nortenha eram ligeiramente diferentes. E, hoje, abrimos a estação do Queijo da Serra. Que um Syrah monocasta, reserva 2008, das Caves Vidigal, acompanhou com patriótica galhardia, nos seus 13º comedidos e macios.
Há uns bons 30 anos atrás, eu convivia, muito bissextamente, com o responsável pelas compras gerais de charcutaria de uma empresa de grandes superfícies. E não encontrava, nas lojas do Sul, os bons enchidos nortenhos que podia comprar nas lojas do Norte da mesma empresa, à vontade. E perguntei-lhe o porquê. Respondeu-me vagamente que as indústrias transformadoras do Sul eram muito susceptíveis e não queriam misturas nos expositores. Ainda o Pinto da Costa não perorava sobre os "mouros" de Lisboa...
Pois estreado, hoje, o Queijo da Serra deste ano, tenho prometidos, e em breve, uns Rojões à Minhota, com os inseparáveis e imprescindíveis: sangue de porco, cominhos q. b., e as saborosas tripas enfarinhadas nortenhas. Recheadas com farinha de milho, pimenta preta, cominhos, que, bem cozinhadas, ficam crocantes e deliciosas. Mas tripas enfarinhadas, no Sul, não há. Ou muito dificilmente se encontram. Por isso, estas que irei comer proximamente, vieram do Norte, e vão ser descongeladas.
Eu acho simplesmente incrível, e anti-patriótico em excesso, que se possam comprar salsichas Krakauer (de que gosto muito) que são polacas, em Lisboa ou no Porto, nas grandes superfícies portuguesas e, simultaneamente, não se consigam comprar tripas enfarinhadas senão no norte de Portugal.
São, infelizmente, assim os portugueses: poucos e, ainda por cima, divididos...

Entre a usurpação e a primavera, dita marcelista


O que vou escrever será, porventura, polémico.
Mas penso que, qualquer cidadão português consciente, hoje, deve sentir algo de semelhante ao desconforto que sentiam os portugueses aquando da usurpação filipina entre 1580 e 1640. E, nesse período, até houve, por pequenos períodos, governantes de origem portuguesa, muito embora todos soubessem que eram meros títeres de Madrid. Hoje, não é só de Madrid. Porém nesse tempo houve sempre a esperança da libertação e do regresso da independência. Hoje em dia, haverá?
Por outro lado, e noutra época, na dita "primavera marcelista", onde também houve esperança, permanecia também uma ditadura disfarçada, mais subtil. A Pide transformara-se em DGS (com os mesmos métodos de repressão), havia alguma (muito pouca) liberdade e os trabalhadores, pouco a pouco, iam vendo uma pequena melhoria dos seus salários (normalmente miseráveis) e de alguns direitos secundários. Mas, e apesar de tudo, parecia haver uma moral ou uma ética em alguns dos governantes - talvez de obrigação cristã, talvez hipócrita... E havia uma elite política oposicionista, e de intelectuais esclarecida, patriótica, corajosa e aguerrida que permitia olhar o futuro com alguma esperança para Portugal.
E, hoje, haverá?