sexta-feira, 30 de abril de 2010

J.V. de Pina Martins - In Memoriam


Em matéria de literatura, sempre considerei ser mais fácil elaborar um discurso positivo, numa perspectiva de aceitação de uma obra integrada no chamado cânone literário. Rejeitar, com argumentos convincentes, leituras e estudos que a tradição instituiu torna-se, pelo contrário, tarefa complexa, para além do assombro inegável de contrariar trilhos profundamente marcados.
Ora, na apreciação daqueles que nos têm ensinado literatura - sendo o sublinhado nosso e consciente para contrariar tendências recentes que pretendem negar semelhante competência docente - sucede, exactamente, o contrário.
Num discurso negativo interior, numa espécie de arquivos mortos, ficam aqueles que não souberam acrescentar conhecimento, saber, gosto e entusiamo relativamente às obras literárias de que, pretensamente, falavam. No lado oposto perduram, na memória, todos os docentes que, na devida altura, lançaram uma semente perene.
Vem tudo isto a propósito de um professor que, para além do seu conhecimento, saber de experiência feito, gosto literário e estética, soube despertar, naqueles que estavam preparados para receber a lição, o gosto pelo suporte da escrita, das obras de que falava. Falo, como é óbvio, do Senhor Professor Doutor J. V. de Pina Martins, na altura, docente da cadeira de Literatura Portugesa IV. Tive, ainda, o grato privilégio de ter sido sua aluna.
Reproduzo acima a portada da Vita Christi, em homenagem ao meu antigo professor, falecido no passado dia 28 de Abril de 2010. Foi ele que, um dia, me depositou nas mãos o exemplar do referido incunábulo português, do espólio da biblioteca da FLUL, pedindo um comentário meu. O gesto, inesperado e inusitado, provocou o mutismo inerente aos confrontos humanos profundos. No entanto, o gosto matricial pelas letras humanas, na sua forma de "sinais práticos e úteis, formas puras e melodia interior", não deixou, jamais, de religar os meus estudos posteriores ao apelo que então recebi do Senhor Professor Doutor J.V. de Pina Martins. Espero não desmerecer, naquilo que farei, o estatuto de ter sido sua aluna.
Post de HMJ

A um Pintor recém-chegado





29-30/4/10


Caro Amigo:
dizia Camões, da Índia, que "da terra vos sei dizer que é mãe de vilões e madrasta de homens honrados". Não será Goa assim, agora, pelo que me diz, e ainda bem. Terra que lhe foi propícia às artes e telas, muitas -pelo que me referiu. Folgo! Isto me fez lembrar a mais remota imagem que tenho, de si, na memória: quando, em 1970, me entrou em casa para me oferecer os dois volumes de Rilke, traduzidos por Paulo Quintela. E, depois, lá se foi a caminho de Cabo Verde. Mais tarde, Paris. Paço de Arcos, Algés, Oeiras são percursos desta já longa Amizade. E os almoços de Natal que nunca esquecerei. Nem o seu "Verão 79" e as "conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos" de que falava o Pessanha. Porque o seu Pai falava mais do Almada e do Pascoaes que tinha conhecido pessoalmente. E, do alto, víamos o Tejo a passar...
Ora, hoje, venho dar-lhe um grande abraço de parabéns. Acabou de entrar na 3ª"velocidade" (del rosa al amarillo) da vida, como dizem os biólogos. Seja bem-vindo!, que eu já cá estou. E, quanto a biologias, é mais consigo, que as estudou na Inglaterra, antes da tropa, onde nos conhecemos. Lembrei-me que, já nessa altura, além do Matisse, o meu Amigo gostava de ouvir Aaron Copland. Mas que ficou encantado, anos mais tarde, com um vinil que lhe emprestei com os "Lute and Mandolin Concerti" de Vivaldi. E decidi recordar-lho, hoje, pelo seu aniversário. E não se esqueça: enquanto há vida, há pintura. Até porque eu sempre gostei muito da sua. O abração de sempre,
A. S.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Citações XXIV : Matias Aires

Matias Aires Ramos da Silva de Eça nasceu em S. Paulo (Brasil), a 27 de Março de 1705. Em 1716 veio, com a família, para Portugal. Faleceu em Agualva, no ano de 1763. Em 1752 publicou o livro "Reflexões sobre a Vaidade dos Homens", donde são retiradas as citações que se seguem:
" O engano vestido de eloquência e arte, atrai, e a verdade mal polida nunca persuade. Fazemos vaidade de errar com subtileza, e temos pejo de acertar rusticamente."
" A corrupção das gentes está tão espalhada, que faz parecer virtude, uma obrigação que se cumpre, uma dívida que se paga, ou uma verdade que se diz."

Conservação da Natureza : foto de Famílias



Última foto da reunião de 3 famílias: "Os Irmãos Lémures", os "Chapa zero & do Pobre" e a família do "Homem dourado e Zás". A foto terá sido retocada, como já o tinham feito os soviéticos com algumas fotografias históricas. Só os "Irmãos Lémures" acabaram por dar a cara...

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Standard & Poor's : o abutre de serviço



As agências de "rating" são uma espécie de astrólogos. Mas mais arrogantes: reinvindicam certezas. A Standard & Poor's - que eu traduziria em vernáculo português rústico por "Chapa zero & do Pobre"- foi criada em 1860, nos Estados Unidos (U.S.A.). Reinava o expansionista Presidente James Buchanan. Os seus fundadores são os Srs. Henry Varnum Poor e Luther Blake. São, por isso, uma espécie de tetravôs do ilustre Bernard Lawrence Madoff, em linha recta. Foi a Standard & Poor's, entre outras clarividentes agências de "rating", que aliciou americanos e reformados a comprarem acções descredibilizadas, produtos tóxicos, obrigações cujo retorno era altamente discutível. Agências, essas, que nada anteciparam, nem previram da crise que se abateu sobre o mundo ocidental. E, hoje, este abutre condena a Grécia, condena Portugal, condena a Espanha. Perante o "curriculum vitae" da Standard & Poor's, se eu tivesse algum dinheiro disponível para aplicar, preferia confiar no Professor Karamba que até tem anúncios em jornais portugueses de referência...Porque quando a "Chapa zero & do Pobre" condena Portugal, eu lembro-me sempre de uma imagem em que uma rameira velha faz um discurso ético a defender a castidade. (Que sistema, este!...)

P. S.: para Mountain View (Califórnia), com ternura.

A Carta da Índia, de Luís de Camões


Pequena terra a nossa em que os pastores são muitos, e as ovelhas poucas. E cada um dos Mestres procura um cantinho protegido do prado para a sua preciosa ovelha. Nos anos 60, quem apascentava Luís de Camões, em Coimbra, era o Prof. Dr. Álvaro Júlio da Costa Pimpão que tinha, como seus assistentes, Vítor Aguiar e Silva e Ofélia Milheiro Caldas (ou agora, Ofélia Paiva Monteiro), especialista ou pastora de Garrett. Ora, nesta ortodoxia pacífica reinante e salazarista, não é que aparece um engenheiro, vagamente poeta, a falar e estudar Camões!?... Desaforo, desrespeito. E houve uma intensa guerra surda que se prolongou para o Brasil universitário quando Jorge de Sena para lá foi. Histórias antigas...que acabam numa introdução de Vítor Aguiar e Silva às "Obras - Edição Fac-Símile da Edição de 1595" de Francisco de Sá de Miranda (Braga, Universidade do Minho, 1994). É um subtil ajuste de contas do antigo assistente de Costa Pimpão, com esse intrometido Poeta. Só que Jorge de Sena tinha falecido em 1979. E, embora eu preze a competência científica e saber de Aguiar e Silva, achei este ajuste, no mínimo, deselegante e sem que permitisse um contraditório.
Ao que eu vinha, era falar das Cartas de Camões - poeta que sempre foi uma "ovelha" muito apetecida nos meios académicos. À obra do nosso Poeta uns lha acrescentaram, outros lha diminuíram, em nome de um cânone mais justo ou mais purista. Hernâni Cidade atribui a Luís de Camões cinco cartas, enquanto Costa Pimpão, apenas, garante duas. Há, no entanto, uma convergência: é a chamada "Carta da Índia" que em Pimpão é a primeira e, em Hernâni Cidade, a segunda. É uma carta muito viva e saborosa (aquela referência às mulheres na Índia...), e o Luís andava a pedi-la. Aí vai, sem mais, e em digitalização da obra de Costa Pimpão.




terça-feira, 27 de abril de 2010

Sentimentos semelhantes em homens tão diferentes


19 de Março de 1941
"Em cada ano, o florir das raparigas sobre as praias. Elas só têm uma estação. No ano seguinte, são substituídas por outros rostos de flores que, na estação anterior, ainda eram garotas. Para o homem que as contempla, são vagas anuais cujo peso e esplendor se derrama sobre a areia amarela."
Albert Camus, "Carnets".

Léon-Paul Fargue (2) : ainda



"A poesia toma a razão por confidente. Ela tem confiança nesta rapariga, entendida, seca, que é capaz de dar conta da formiga, que a salvou da anemia perniciosa e que a serve fielmente."
"A inteligência, em poesia, desempenha o papel de patrocinadora de uma grande cortesã."
"Corta os cabelos ao teu lirismo. Apara-lhe um pouco as asas. Deixa ver os teus olhos entre os teus dedos. Uma grande frase é um grito mundano. Uma palavra, apenas uma pequena palavra bem colocada, peço-te."
Léon-Paul Fargue, in "Suite Famillière".

P. S. : para MR e "c. a.".

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Camões por José Afonso

Nem todos os poetas serão cantáveis. Mas Quevedo que, às vezes, parece áspero, como o nosso bom Sá, já o foi. Fundamental é que a voz encontre as palavras, no sentimento certo. Como fez José Afonso ou Amália.

P. S.: para o Luís, com as melhores lembranças.

Bibliofilia 14 : Camilo Pessanha




Há noventa anos (1920) publicou-se, pela primeira vez, "Clepsydra" de Camilo Pessanha (1867-1926), na Casa Editora Lusitania, graças ao patrocínio de Ana de Castro Osório. A segunda edição viria a sair em 1945, também com o apoio da Família Osório com quem o Poeta tinha privado, de perto. Pessanha ficou satisfeito com a publicação de 1920, como o prova uma carta de Macau, de 1921, enviada a Ana de Castro Osório. Mas, também, nunca fizera qualquer tentiva ou esforço, além da publicação de alguns poemas seus em jornais, para reunir em livro a sua obra.
O meu exemplar da 1ª edição de "Clepsidra", com encadernação assinada, foi comprado, a 5 de Outubro de 1994, na Feira do Livro Antigo/Museu da Electricidade, por Esc. 20.000$00 (cca. euros 100,00). Está em bom estado e não é muito frequente aparecer à venda. Em Maio de 2001, no leilão da biblioteca de José Blanc de Portugal, promovido pela Dinastia, o mesmo livro, também encadernado (lote 1465), tinha uma estimativa de venda entre 20.000$00 e 40.000$00 escudos. Em Janeiro de 2003, no leilão da Biblioteca Vieira Monteiro, efectuado pelo Correio Velho, a primeira edição de "Clepsydra" (lote 820), mas desta vez não encadernada, apontava para uma venda de euros 150-300,00.

Léon-Paul Fargue (1) : sobre Poesia



Léon-Paul Fargue (1876-1947), poeta francês, fez várias incursões originais e interessantes sobre o tema poesia. Privilegiava a poesia simples, sem retórica, com pouco ornamento. Os excertos que se traduzem e transcrevem pertencem a efabulações contidas em "Suite Famillière (Sequência Familiar)".

"Descartes faz casamentos de razão. Rimbaud casamentos de amor. Os poetas fazem destes últimos. Num toque de trompa, uma trompa do vale de Thèvale, eles fazem convergir dos quatro cantos do universo as pessoas e as imagens menos semelhantes, as mais estranhas na aparência, e casam-nas, e juntam-nas como os hemisférios de Magdeburgo, e ao fim de cem anos, apercebemo-nos que fizeram bons conjuntos, assim como os grandes casamentos de Descartes, e que funcionam - pela eternidade."

"A palavra lâmpada é comum ao poeta e ao que acende as luzes.
O leitor crê que as palavras têm um sentido.
Em poesia, a inteligência faz os recados, leva os embrulhos, informa-se e vem dar notícia, faz as contas, classifica os pequenos papéis, selecciona as cartas de amor, telefona e prepara o banho. Como uma criada jovem e negra junto da sua bela patroa."

domingo, 25 de abril de 2010

Biblioteca Infanto-juvenil XII: Colecção Aprender é Saber



Continuando com os livros, escritos e desenhados, por Gabriel Ferrão, apresenta-se, hoje, o único título sobrevivo da Colecção Aprender é Saber. As Viagens do B-A-Bá no País da Sabedoria custavam 7$00 e o volume mede 220 x 160 mm.
O exemplar de APS conserva, ainda, em extratexto um quadro com todas as letras do alfabeto, em romano.
Retiramos, do conteúdo, a seguinte citação:
B-A-Bá, sentado, estava, "Olhando tristemente para as páginas dos seus livros ... pois não compreendia nada do que eles tinham escrito. Certo dia, porém, em que o garoto, já completamente desanimado de poder vir um dia a ler sozinho os seus livritos, se lamentava amargamente da sua triste sorte, viu aparecer um engraçado anãozito de compridas barbas brancas, que, todo sorridente, lhe falou desta maneira: - Não estejas triste, B-A-Bá. Se hoje te sentes desgraçado por não compreenderes as pequeninas Letras que são, por assim dizer, a chave das lindas Histórias, dentro em pouco estarás encantado da vida, porque resolvi vir em teu auxílio para te ensinar a ler."

PS: Dedicado a todos que partilham connosco o gosto pelas letras, pela leitura e pelo saber

Post de HMJ

"No nosso país agradecemos"

O título deste "post" é um verso plagiado de um magnífico poema de René Char. Com ele e José Afonso quero retribuir, cordialmente, os comentários que os meus amigos fizeram ao "post" anterior. E, por ordem de chegada, ao "c.a.", ao Luís, à "oliveira da eurídice", a "ms", com gratidão e vizinhança. Para o ano há mais 25 de Abril...

Salão de Recusados XIV : Contra a cegueira ou ignorância



Na madrugada alta (talvez 4 da manhã) de 25 de Abril de 1974, o carro onde eu seguia, com o meu amigo E. S., guinou para a direita, em direcção ao Largo de S. Sebastião da Pedreira, para me levar a casa. Vi, então, uns vultos em ângulo quase recto, de metralhadoras aperradas, cosidos à parede, rodeando o Quartel-General. Eram soldados, e eu disse para o meu amigo: "- Olha!, devem estar em exercícios. A esta hora..." Depois, e a partir da manhã, foi o melhor ano e meio da minha vida.
Hoje, sintonizando alguns blogues, vejo o esquecimento, o "pudor e o cuidado", a cegueira, a ignorância, o "voluptuoso desejo de imobilidade" (de que fala Lampedusa), ou a excessiva juventude de alguns escritos, e fico perplexo. E apreensivo. Porque se não se põem a pau, esta "juventude", dentro de alguns anos, vai apanhar com ditaduras muito mais pesadas e sofisticadas do que aquela que eu vivi, durante quase 30 anos. Com a caturrice de velho, deixo 2 citações que talvez ajudem a reflectir. Pelo menos, para aqueles que ainda pensam. Livremente.

"É legítimo recear que a Revolução, como Saturno, devore sucessivamente todos os seus filhos."
Pierre Vergniaud (1753-1793)

"Façam da Revolução a base de uma estabilidade e não um berçário de futuras revoluções."
Edmund Burke (1729-1797).

sábado, 24 de abril de 2010

3 Figuras para o 25 de Abril




1. Fernando José Salgueiro Maia (1944-1992), o operacional do Movimento.

2. Ernesto Augusto Melo Antunes (1933-1999), o teórico da Revolução.

3. António Lopes Cardoso (1933-2000), o político solidário.

Abril, Mafra, 1968



Hoje, quando se fala do Convento de Mafra há, habitualmente, dois nomes que surgem por associação: D. João V e José Saramago. Mas há quarenta anos, para muita gente, a imagem do Convento ligava-se à Guerra e à Morte. A uma escola de aprendizagem a matar, e a "lavagens ao cérebro" minuciosamente estudadas e aplicadas. Os corredores do Convento de Mafra eram longos e frios, e as camaratas, ruidosamente ocupadas, não permitiam "outra intimidade, senão fechar os olhos".

Ao fim de três meses de recruta, os "infantes" eram chamados à parada, e alinhava-se o pelotão. Eram nomeados pelos números que acabavam em sessentas (64, 65...), do ano da inspecção. Chamavam os números e era uma espécie de roleta (russa). E, a seguir, diziam o destino: Transmissões, Comandos... Depois, mandavam destroçar e regressar às camaratas. O regresso até aos andares de cima, fazia-se em silêncio, mas ao chegar aos dormitórios, os sentimentos rompiam. Os gritos de alegria de quem ia para especialidades da burocracia militar, e o choro, pelos cantos, dos futuros "caçadores especiais"; e, pior do que isto, ainda era o "afunilamento" da Guiné (Corredor de Guilege, Madina do Boé...) onde, diariamente, morriam 2 ou 3 jovens de vinte e poucos anos. Era assim há quarenta anos para uma boa parte da juventude portuguesa.

Favoritos XIX : Jordi Savall

"O homem não pode viver sem música" diz, a páginas tantas, Jordi Savall (1941) nesta sua pequena lição simples tão repleta de ensinamentos.
P. S. : para MR que, logo pela manhã e do Prosimetron, me lembrou Barcelona.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

A propósito do dia do Livro



"Não existe tal coisa de livros morais ou imorais. Os livros ou são bem escritos, ou mal escritos."

Oscar Wilde (1854-1900).

No dia mundial do Livro



"A Biblioteca" de Vieira da Silva.

Romances Velhos : O Conde Arnaldos



Os romanceiros peninsulares têm, por vezes, temas e versões semelhantes. Não é o caso, tanto quanto eu saiba, de "O Conde Arnaldos" de origem castelhana e anterior ao séc. XV. Provavelmente terá influências mouriscas e judias, pelo menos. Parece existir uma versão sefardita deste romance que é mais longa. Seja como for, é uma obra-prima de grande frescura e beleza lírica. Esperemos que isto não se perca, completamente, na minha tradução.

O Conde Arnaldos

Quem tivesse tal ventura - por sobre as águas do mar,
como teve o conde Arnaldos - na manhã de S. João!
Tendo na mão um falcão - à caça ia caçar,
e viu vir uma galera - que a terra queria chegar.
De seda trazia as velas - a enxárcia de um cendal,
marinheiro que a governa - dizendo, vem a cantar
que o mar posto em calmaria - os ventos fez amainar,
os peixes que andam no fundo - para cima os fez nadar,
as aves que andam no ar - pelo mastro as fez pousar.
Assim falou conde Arnaldos, - ouvíreis o que dirá:
- Por Deus te peço, marujo, - diz-me agora esse cantar.
Respondeu-lhe o marinheiro, - tal resposta foi a dar:
- Eu não digo esta canção - senão a quem me acompanhar.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Citações XXIII : Francisco Manuel de Melo



De um dos nossos grandes prosadores, Francisco Manuel de Melo (1608-1666), sobre imaginação e solidão, vale a pena lembrar uma pequena parte, no início, do Prólogo de "Os Relógios Falantes", na lição de Maria Judite F. de Miranda (Edição Crítica, Coimbra, 1968) que, com pequenas actualizações ortográficas minhas, segue assim-

"Senhor: Já ouviríeis a graciosa indecência com que disse um dos nossos discretos que a imaginação era curral do concelho donde, por não ter portas, todo o animal tinha entrada. Se isto alguma vez foi verdade, na imaginação dos solitários se verifica. Persuado-me que, do próprio modo que ao homem só o investem seus inimigos, ao homem só o assaltam seus pensamentos, entre os quais não há nenhum tão cobarde que deixe de fazer sorte naquele a quem ninguém defende. Todavia não sei que feitiços nos dá a solidão que, apesar desses inconvenientes, quem uma vez a experimentou sempre a procura. Será porque, nela, entre o entendimento e o céu há pequeno intervalo, larga distância entre a vida e o perigo, quando racionalmente se busca e sabiamente se dispende..."

Haiku do séc. XX em terceira mão



Minha esposa -
leva consigo o nosso filho
parece a lua em crescente.

Nakamura Kusatao (1901-1983)


Esmago uma formiga -
o olhar
dos meus três filhos.

Katô Shûson (1905-1993)


Atrás de mim
a primavera da vida
- esmago um morango.

Mizuhara Shûôshi (1892-1981)


P. S. : para MR, em eco do Prosimetron.

Sinestesias : em sequência de Elgar


O poema "Violoncelo" é um dos mais conhecidos de Camilo Pessanha (1867-1926) e onde as sinestesias ("produção de duas ou mais sensações sob a acção de uma só impressão") mais se tornam evidentes. Ao inverso dos metais que melhor expressam sentimentos de júbilo ou alegria, o Poeta escolhe o violoncelo, à partida, para exprimir sentimentos que ultrapassam a tristeza ("pesadelo", 5ºverso). As arcadas (sobre o violoncelo) interligam-se a pontes para a sequência da água - tema muito recorrente em Pessanha - em múltiplos aspectos: "caudais de choro, rio, lacustres, blocos de gelo". Mas o melhor será que o poema fale por si.

Chorai arcadas
Do violoncelo
Convulsionadas
Pontes aladas
De pesadelo...

De que esvoaçam,
Brancos, os arcos...
Por baixo passam,
Se despedaçam,
No rio, os barcos.

Fundas, soluçam
Caudais de choro...
Que ruínas (ouçam)!
Se se debruçam,
Que sorvedouro!...

Trémulos astros...
Soidões lacustres...
- Lemes e mastros...
E os alabastros
Dos balaústres!

Urnas quebradas!
Blocos de gelo...
- Chorai arcadas,
Despedaçadas,
Do violoncelo.

Nota : um aviso a quem tenha, da "Clepsidra", exemplares das Edições Ática. Na 4ªestrofe, 3ºverso, há uma gralha: "lemos" por lemes que é o correcto. Esta gralha deve ter-se perpetuado em sucessivas edições. É comum, pelo menos, nas edições que tenho: de 1969 e 1983.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Favoritos XVIII : Jacqueline du Pré

Esta escolha não exclui nem Edward Elgar (1857-1934) que compôs este Concerto para Violoncelo já na velhice, nem Daniel Barenboim (1942), antes se completa com eles. Mas a minha preferência vai, sem dúvida, para a interpretação de Jacqueline du Pré (1945-1987).
Obsv.: a única coisa de que não gosto, neste vídeo, é o corte de cabelo de Barenboim...

Em louvor do melro



Convivial e citadino, ou quase rústico e campestre, o melro acompanha-me desde cedo. Já não é o de Guerra Junqueiro, nem o da Gulbenkian que foi parar a um poema de João Miguel Fernandes Jorge mas, com certeza ,um parente afastado dos dois. Quer o melro urbano que vem do antigo jardim do Conde de Farrobo e que começa a cantar, do alto de uma velha chaminé no coração de Lisboa, antes de nascer o sol; quer este, "outrabandista", que, hoje, iniciou o seu trinado antes das cinco da manhã. Quem começa assim o dia, tão de negro e laranja, deve ser feliz. Saudêmo-lo, pois, na sua jovialidade e companhia matinal!

Revivalismo : Orfeu Negro

Porque Marcel Camus nasceu a 21 de Abril de 1912. Porque o Brasil, felizmente, já não é assim. Porque o "Orfeu Negro" foi um filme de que gostei muito. Porque o Vinícius de Moraes... porque..., porque sim.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Um homem dividido



A literatura espanhola conta com dois escritores de nome Garcilaso de la Vega. Um, poeta e o outro historiador. Aquele de que quero falar, para o distinguirem do poeta, chamam-lhe "El Inca Garcilaso de la Vega". Nasceu no Peru, em Cuzco, a 12 de Abril de 1539, filho do capitão espanhol D. García Lasso de la Vega e da princesa inca Isabel Palla Chimpu Occlo, filha do chefe Huallpa Tupac. Garcilaso viveu com a mãe até aos 10 anos e é dessas memórias e conhecimentos que irá falar na sua obra-prima intitulada "Comentarios Reales de los Incas", publicado pela primeira vez em Lisboa, em 1609. Garcilaso viera para a Europa aos 21 anos de idade. Estudou, combateu, escreveu e traduziu os "Diálogos de Amor" de Leão Hebreu. Dominava o latim, o italiano, o espanhol e o quechua. Homem da renascença espanhola, como militar serviu sob as ordens de D. João de Áustria, mas acabou por se retirar para um mosteiro, desiludido. Dividido entre duas culturas, dizia nos "Comentarios Reales...": "...Naquele tempo tive notícia de tudo aquilo que temos vindo a escrever porque, na minha meninice, me contavam as suas histórias (dos Incas, reis do Peru) como se contam as fábulas às crianças pequenas. ..."
P. S. : em complemento, para H. N..

Na perigosa curva dos 40



O último grande amor de Almeida Garrett (1799-1854) terá sido Rosa Montufar Infante, senhora de ascendência espanhola, Viscondessa da Luz, e casada. Garrett conheceu-a em 1845. Este idílio, ou paixão, veio a dar origem ao livro de poemas "Folhas Caídas", publicado em 1853.
As cartas de amor de Garrett, cerca de 300, foram quase todas destruídas. Restaram à volta de 20, milagrosamente, que se conservam na Biblioteca Pública de Ponta Delgada, provenientes da biblioteca do bibliófilo açoriano José do Canto. Reproduz-se um pequeno excerto de uma delas, escrita por Almeida Garrett e datada de 5 de Agosto (1846?):
"...Principiaste o dia amando-me muito; acabaste-o não sabes como. - Eu principio todos os dias amando-te muito, acabo-os amando-te muito mais. Qual de nós ama melhor? Se te parece que sejas tu, ..."

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Almeida Garrett : retrato em palavras



A iconografia portuguesa de cidadãos ilustres é pobre, se comparada com a de muitos outros países europeus. Camões tem apenas dois retratos tirados do natural e considerados fidedignos, creio. De Sá de Miranda existe apenas uma gravura que o retrata, ainda em vida. Claro que há depois as efabulações e fantasias imaginadas, mas não é o mesmo. Felizmente, existe uma descrição física (e não só) do Poeta da Tapada, por palavras, incluída na 2ª edição das suas obras, em 1614, feita a instâncias, ao que parece, de D. Gonçalo Coutinho. A partir do séc. XIX, a situação iconográfica portuguesa melhora. Mas também é sempre vantajoso o complemento de um retrato por palavras que supre algumas lacunas do retrato pintado. De Almeida Garrett existem vários retratos pintados, e gravuras, mas é interessante dar a palavra a Gomes de Amorim, seu devotado biógrafo, que o conheceu e com ele conviveu, pessoalmente. Diz o biógrafo sobre Garrett:
"Completara a esse tempo quarenta e sete anos. Estava no vigor da idade; se tivesse tido sempre boa saúde, poderia dizer-se que era moço ainda. (...) Descobria-se o valetudinário, disfarçado em homem robusto. (...) Era de estatura regular ou antes mais alto do que baixo; tinha agradável presença, ar distinto e composto; a fronte alta e saliente; o nariz e a boca, apesar de grandes, não desarmonizavam as feições do rosto, que era comprido. Os olhos, entre garços e verde-mar, grandes, cristalinos, límpidos, e de um brilho ao mesmo tempo esplêndido e sereno! Estes e os lábios delgados, onde parecia, quando conversava, pairar de contínuo o sorriso de fina e delicada ironia, davam-lhe a pronunciada expressão de soberania, que a inveja e a ignorância traduziam por orgulho. Tinha cor pálida morena; usava suiça muito curta, e pequenina pera ou mosca; a cor preta da barba e a meia palidez do rosto realçavam-lhe certo ar de melancolia simpática. (...) Usava cabeleira postiça desde muito moço, em consequência de ter ficado com a cabeça defeituosa, pela queda que dera de um cavalo; mas não era calvo, como muita gente supunha." (Memórias, I, 10/11).

Aniversário do Prosimetron



Em louvor e regozijo, o Arpose saúda o Prosimetron, através de Henri Matisse.

O mais moço dos anjos



"No dia 5 de Dezembro de 1791 Wolfgang Amadeus Mozart entrou no céu, como um artista de circo, fazendo piruetas extraordinárias, sobre um mirabolante cavalo branco./
Os anjinhos atónitos diziam: Que foi? Que não foi?
Melodias jamais ouvidas voavam em linhas suplementares superiores da pauta.
Um momento se suspendeu a contemplação inefável.
A Virgem beijou-o na testa
E desde então Wolfgang Amadeus Mozart foi o mais moço dos anjos."

Este poema, (quase) em prosa, pertence ao livro "Lira dos Cinquent'anos" de Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, mais conhecido por Manuel Bandeira, poeta brasileiro, que nasceu no Recife a 19 de Abril de 1886, e veio a morrer no Rio de Janeiro, em 1968. Deixando saudade. Para mim, é um dos pouquíssimos poetas de infância, como Sá de Miranda é dos raros poetas de velhice. Manuel Bandeira teve uma evolução poética lenta até chegar a ser um dos expoentes mais significativos do modernismo brasileiro. Os poemas dos seus primeiros livros devem muito a António Nobre e a um certo romantismo decadente. Ao poeta português, a quem Bandeira dedica um poema, unia-o uma mesma doença, a tuberculose. E ambos estiveram em sanatórios da Suiça. Manuel Bandeira conseguiu, no entanto, sobreviver e andar na Terra até aos 82 anos. Alexandre O'Neill apreciava-lhe a poesia, pelo humor e simplicidade dos seus versos ("Estou farto do lirismo comedido / Do lirismo bem comportado..."- dizia Bandeira). E disse também:

A arte é uma fada que transmuta
E transfigura o mau destino.
Prova. Olha. Toca. Cheira. Escuta.
Cada sentido é um dom divino.

domingo, 18 de abril de 2010

Dia Internacional dos Monumentos : 1 opção



Por boa lembrança, colhida no Prosimetron onde sou "compagnon de route", comentarista frequente e amigo, aqui vai a minha escolha de entre o nosso vasto Património.
Um pouco perdida, a norte, à esquerda na estrada que segue para Ponte da Barca, pode ver-se uma pequena igreja. Rústica, simples, mas nobre nas suas linhas de construção. É a Igreja de São Salvador de Bravães, românica, que data do séc. XIII. O seu interior é simples e despojado, mas tem um encanto muito especial que, eu próprio, não saberia definir. Mas é de não esquecer e para visitar. Para lhe conhecer o interior há que pedir a chave a uma vizinha da freguesia. Que a irá abrir com contentamento, modéstia e algum pequenino orgulho regional e português. Não percam!

P. S. : para os meus amigos do Prosimetron.

Space Junk

Miguel Soares, SpaceJunk from migso on Vimeo.

"...Na quarta parte nova os campos ara,

E, se mais mundo houvera, lá chegara."

Luís de Camões, "Os Lusíadas", Canto VII.

Biblioteca Infanto-juvenil XI: Colecção Pequeno Detective


A Colecção Pequeno Detective, na sequência das anteriores publicadas pela Editorial Infantil Majora, mantém o mesmo formato (185 x 125 mm), assim como o preço de 3$50. Desta Colecção conservaram-se, no acervo de APS, os primeiros quinze números. Sabe-se lá o motivo !
Apesar de o Pequeno Detective caminhar com uma arma em punho, ressalva-se a inocência dos textos quando comparados com a agressividade iconográfica de certas imagens virtuais recentes.
Não resitimos, por motivos óbvios, a reproduzir a capa d'Os Gorilas.


Para MR, como sempre

Post de HMJ

sábado, 17 de abril de 2010

O discreto perfume do tempo e das palavras


Para MS, em circuito fechado de entendimento e alegria.

Saúl Dias e a velhice nos poetas



Disse-o há dias, e mantenho. A poesia não é uma arte de velhice, embora haja (poucas) excepções: Sá de Miranda, por exemplo. Há muitos poetas de juventude: Régio, Gomes Ferreira, Alberto de Lacerda... Alguns, sem idade: Ramos Rosa, Herberto Helder. Muito poucos, também, da madurez, como Pessoa e Sena. E, um outro, esse estrangeiro que acabou a sua tarefa aos 21 anos, que foi Rimbaud. Claro que o traquejo de uma vida, em verso, dá balanço para uns trinados na velhice: Teixeira de Pascoaes. Mas é apenas um fiozito de água chilreante. Com alguma técnica que foi ficando de trás, à mistura. Enquanto a pintura se prolonga, em qualidade, até à morte - Picasso, Matisse, Resende, Pomar, para citar dois portugueses ainda vivos, felizmente. Ou os romancistas que, muitas vezes, escrevem obras-primas na velhice: Aquilino, Vergílio Ferreira, ou Lampedusa, para só referir alguns.
Mas eu queria falar de poesia, para chegar a um poeta que muito estimei e estimo: Saúl Dias (1902-1983), pseudónimo de Júlio Maria dos Reis Pereira. Não sendo um poeta de primeira linha, é talvez um dos melhores da segunda. Enquanto Régio, seu irmão, grita, esbraceja e aponta excessivamente (desculpem-me as metáforas!), Saúl Dias sugere, discretamente. E tem uma poesia muito simplificada e subtil, sensível e velada, elegante. Como se fosse de um Camilo Pessanha de segunda geração ("...E o gesto exangue e langue / dá cabriolas...O goivo / para mim é cor de sangue."), e ainda mais contido: "...- As tuas tranças, / quem as soltou e maculou de enganos?". Tenho para mim que Saúl Dias é um poeta de adolescência que escreve na idade adulta, com a paixão fria ou a voz medida, sobre o desvario juvenil dos sentimentos. Assim:

Música
ouvida
na paisagem de outrora,
sentida agora
tão intensamente...!

És bem a mesma
da perdida hora...!

E como és diferente...!


P. S. : para Luís, não por pirraça, mas à consideração...

Mercearias Finas 6




O vinho foi por acaso. Não lhe gostava do nome: "Egoísta". O mesmo que o Casino do Estoril produz, em revista literária. Mas foi ele (o vinho) que me colheu, numa média-superfície destas novas igrejas ou catedrais de consumo. É nelas que, nas manhãs de domingo, os subúrbios, em vez irem à missa, vão às compras e se despejam em massas contínuas, ávidas, com a fome de séculos do campesinato pobre que a C. E. E. promoveu, ilusória e temporariamente. E de lá saem com os carros atulhados de sumos, cerveja, etc. Mas voltando ao "Egoísta" de 2005, tinto. O preço era jeitoso, mesmo para mim, que não sou grande apreciador de vinhos alentejanos tintos. Eu explico: sempre me dei mal com a casta de uvas "castelão" (ou periquita) - sabedoria de alguns anos de experiência feita: cai-me mal. E os vinhos tintos "alentejões" têm, muitas vezes, castelão ou periquita, este último nome tomado de uma quinta ("Quinta da Periquita"), na margem sul do Tejo, próxima de Azeitão. Que pertenceu a José Maria da Fonseca. Ora, este cavalheiro trouxe, em tempos já antigos, duma viagem que fez a França, alguns bacelos de Bordéus (castelão francês, também lhe chamam) e plantou-os na Quinta da Periquita. A casta é e foi generosa para com o viticultor. E, como era resistente e pródiga, cresceu, proliferou. Os vizinhos pediram-lhe cepas e ele, também generoso, foi dando. E a casta castelão (francês) foi inundando as Terras do Sado, o Ribatejo e o Alentejo. Em abono da justiça e verdade, os vinhos lotados com castelão, e mesmo os monocasta, são sempre sápidos e gulosos. Mas chega quanto a vinho tinto e castas de uvas.

Passemos a queijos de pasta mole, amanteigados, e de ovelha. Num pequeno supermercado, aqui à beira, enamorei-me, à primeira vista, dum queijo de Fornos de Algodres, de aspecto pejado e pródigo que me olhava da vitrine frigorífica, com os seus olhinhos interiores, pequenos e matreiros. Pesadinho, carote, mas não muito...Não resisti. E fiz bem. Em casa, casei-o, ao almoço, na sexta-feira, com o tal "Egoísta" do Alentejo. E foi casamento perfeito (vide Clássicos Sá da Costa) como o do Diogo de Paiva de Andrada. Quem me acompanhou, concorda. Eu recomendo. Vivamente.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A Força do Destino - Cómicas, burlescas e sentimentais


Dos jornais: Cavaco retido em Praga. Angela Merkel aterra em Lisboa, em emergência, por causa da nuvem de cinzas sobre a Europa.
A vingança serve-se fria, digo eu pelos islandeses.
P.S.: com lembranças a LB, do Prosimetron, que primeiro falou do assunto.

Música e Poesia VI : O Leopardo

"...o longo sono, o desejo da voluptuosa imobilidade"( do texto do diálogo do filme de Luchino Visconti).
Outras sugestões, mais subjectivas, de leitura : melancolia (malinconia), política, sabedoria, cepticismo, sul da Europa. E, do monólogo do Principe de Salinas, a mudança, no poder, do leopardo pelos chacais e as hienas.


P. S. : o texto é de uma riqueza enorme. E, embora em italiano, espero que seja entendível.

Memória 20 : Charlie Chaplin


A 16 de Abril de 1889 nascia, em Londres, Charles Spencer Chaplin Jr. que viria a ser conhecido, simplesmente, por Charlie Chaplin ou Charlot. Não é demais lembrá-lo quer pelo seu humor irreverente e original, quer pela simplicidade sensível de muitas das suas criações musicais ("This is my song"), ou ainda pela antecipação intuitiva com que previa os desvios perversos a que estava sujeita a Humanidade ("O Grande Ditador"). Realizador, argumentista, actor, compositor, em tudo deixou a sua marca inconfundível, onde a ternura e a alegria se conjugavam de forma perfeita.
P. S. : de notar a excelente réplica de Buster Keaton no pequeno vídeo tirado de "Limelight".


quinta-feira, 15 de abril de 2010

Literatura Infantil Alemã


Wilhelm Busch nasceu, como ele próprio conta na sua biografia, a 15 de Abril de 1832, numa aldeia próxima de Hanôver. Era escritor e, sobretudo, desenhador e ilustrador. A sua formação artística levou-o, nomeadamente, a estudos na Academia Real de Belas Artes, em Antuérpia.
Faleceu a 9.1.1908.

O seu livro infantil mais conhecido é, sem dúvida, MAX und MORITZ, em que conta as sete diabruras dos dois rapazinhos. Nas suas narrativas não falta, obviamente, o fundo moralizante próprio dos livros infantis. Assim, no quarto episódio, dedicado ao professor Lämpel e ao seu ensino do A-B-C, sublinha a necessidade da instrução.



Terminamos esta recordação com uma pequena máxima de Wilhelm Busch:
"Nenhuma coisa é como parece e muito menos o homem, esse saco de couro cheio de malícia e manhas."

Para MR recordar

Post de HMJ

Citações XXII : Ezra Pound



"Não importa qual das pernas da mesa fizeste primeiro, contanto que a mesa tenha quatro pernas, fique de pé e firme, quando a acabares."


Obsv. : retirado e traduzido de uma epígrafe em inglês, in "O Livro do Nómada Meu Amigo" de Ruy Cinatti.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Curiosidades 4



Hoje, estou mais virado para números. Aqui há tempos, dei conta de alguns elementos acerca dos visitantes do Arpose ("Curiosidades 2") que eram, maioritariamente, portugueses. Seguiam-se os nossos estimados irmãos brasileiros. Os mais recentes dados vieram confirmar e intensificar esta tendência. No entanto, veio da Finlândia, inexplicavelmente para mim, outra visita. E vão duas... O post "Receitas Poéticas 1" (com um poema de Fernando Assis Pacheco) mantém-se, ainda, como campeão de audiências dos visitantes brasileiros. Seguido de perto pelo "Poema autógrafo" (de Eugénio de Andrade). Mas uma pequena colagem, no início do Arpose, de autoria de Henri Matisse, começou a ter uma insistente "search word" das terras de Vera Cruz (S. Paulo, Rio, Belo Horizonte, Guarulhos). O post "Bibliografia" sobre Rubén Darío também foi muito visitado e, nestas visitas inclui-se a 1ª entrada da Argentina. Tirando este último país, em estreia, há que saudar o surgimento, no Arpose, da primeira visita da Federação Russa que foi, direitinha, para "O Navio de Brinquedos" de António Sérgio. Vinha de um "blogger" russo que centraliza os seus interesses no transporte marítimo - e que, creio, ser de um português lá radicado. Do Brasil vieram, também, consultar o post sobre o azevinho que puz, por alturas do Natal. As visitas da Inglaterra diminuiram, mas aumentaram as provenientes da Alemanha. As últimas vieram de Bergisch Gladbach (Nordrhein Westfalien) e de Munique (Baviera), donde concluo que o Arpose gera consensos, pelo menos na Alemanha... Esta visita de Munique vinha em busca de "Pastelaria Portuguesa" (algum guloso ou gulosa). Foi parar ao meu post sobre Tomaz de Figueiredo, em que falo da Pastelaria "Ceuta", da Av. da República, em Lisboa: azar do meu visitante bávaro...
Finalmente, uma espécie de "big brother" americano de Mountain View (Califórnia) que, até há bem pouco tempo, de cada vez que eu punha um post novo me vinha ver, ansioso e curioso, tem rareado as suas visitas. Devia ser alguém que gosta muito de Portugal, e de saber o que aqui se passa, até porque eu não acredito nas teorias de conspiração, como o Mel Gibson... E, por hoje, é tudo.

Els Segadors

"Els Segadors" é, desde 1993, o hino nacional da Catalunha. A música de Francesc Alió baseia-se numa canção popular que celebra a revolta dos Ceifeiros no séc. XVII. A letra é de Emili Guanyavents. É, dos hinos nacionais (ou autonómicos), um dos que mais gosto.

P. S. : para MR que, do Prosimetron, me lembrou a Guerra Civil de Espanha.

Top ten : Romance português - Séc. XX



Destes recentes comentários (melhor diria, diálogos) sobre inícios e finais mais marcantes da nossa prosa literária do século XX, nasce este repto, aos meus Amigos e Visitantes do Arpose, para darem a sua opinião e preferências - daquilo que leram - em relação aos 10 romances portugueses, ou obras em prosa, que consideram maiores do nosso século XX. A minha escolha cronológica é:

1. "Húmus" - Raul Brandão
2. "A Casa Grande de Romarigães" - Aquilino Ribeiro
3. "A Escola do Paraíso" - José Rodrigues Miguéis
4. "Barranco de Cegos" - Alves Redol
5. "Sinais de Fogo" - Jorge de Sena
6. "A Manhã Submersa" - Vergílio Ferreira
7. "O Delfim" - José Cardoso Pires
8. "Finisterra" - Carlos de Oliveira
9. "Directa" - Nuno de Bragança
10. "O Memorial do Convento" - José Saramago.

P. S. : o deus da literatura me perdoe, se fui injusto ou esquecido...

terça-feira, 13 de abril de 2010

Transforma-se o amador na coisa amada - Camões por Sena



É talvez o conto português que mais vezes reli. E é, para mim, o melhor momento de prosa de Jorge de Sena. Tem por título "Super Flumina Babylonis" e foi escrito em Araraquara (Brasil), a 27 de Março de 1964. É um documento brilhante sobre criação poética e, também, um "exercício de admiração" - para usar palavras de E. M. Cioran - de Jorge de Sena ao nosso Luís de Camões. Está integrado no livro de contos "Antigas e Novas Andanças do Demónio". São apenas 12 páginas de leitura, mas de grande tensão dramática e limpidez de escrita. Vou trancrever apenas o final, mas para quem nunca leu este conto de Jorge de Sena, aconselho vivamente a sua leitura integral. Até porque é um dos grandes momentos da literatura portuguesa. Para os que já leram a narrativa, venho só relembrá-la.
"...Levantou-se impelido por uma ânsia que lhe cortava a respiração, uma tontura que multiplicava a pequenina luz da candeia. Apoiado à mesa, arrastou-se até à outra ponta, e daí deixou-se cair até à enxerga. Remexendo nela, tirou de um canto umas folhas de papel, o tinteirinho, com a pena enfiada no anel, que se habituara, desde o primeiro embarque, a guardar assim. De joelhos, com as dores neles e nas partes aumentando muito agudas e em picadas de que cerrava os dentes, veio até à mesa, pousou nela o que trazia, e levantou-se. Ficou um momento, de olhos fechados, arquejando. Já as palavras tumultuavam nele, confundidas com as outras, inúteis e mortas, da tradução que tentara. Eram como uma tremura que o percorria todo de arrepios, com hesitações leves, concentrando-se em pequenas zonas da pele. Debruçando-se da mesa a que se apoiava, puxou para o seu lado a cadeira, e caiu sentado nela. Sentia um suor frio escorrer-lhe pela testa, e, ao abrir o tinteiro, viu que as costas das mãos brilhavam perladas. Uma onda de alegria o inundou, em sacões ansiosos. Os olhos ardiam-lhe e era de lágrimas. Tudo falhara, tudo, e a própria poesia o abandonara, receosa dos seus olhos de alma penetrantes que viam o fundo das coisas. O poço com as formas flutuando. Mas era um grande poeta, transformava em poesia tudo o que tocava, mesmo a miséria, mesmo a amargura, mesmo o abandono da poesia. Tremendo todo, mas, com a mão muito firme, começou a escrever... Sobre os rios que vão de Babilónia a Sião assentado me achei... Riscou, desesperado. Recomeçou. Sobre os rios que vão por Babilónia me achei onde sentado chorei as lembranças de Sião e quanto nela passei...
E ficou escrevendo pela noite adiante."

Cavaleiros-monges



Volta recente me fez andar por territórios que, antigamente, foram domínio, ou inspiração patronímica da Ordem de Santiago. E a compra e leitura do pequeno livro "Ordens Militares e Religiosidade - Homenagem ao Professor José Mattoso", de meu aproveitado gosto, anima-me a que partilhe, neste espaço, um breve excerto, de maior sabor e não menor curiosidade - a quem interessar. Assim, um pequeno estudo de Saul António Gomes ("Monges e cavaleiros de Portugal medieval: os horizontes espirituais"), no livro citado acima, refere algumas palavras de S. Bernardo de Claraval (1090-1153) sobre os cavaleiros Templários, que passo a citar:
"...Detestam o jogo de xadrez e o dos dados; aborrece-os a caça e nem sequer se entretêm com a caça por aves de rapina. Odeiam mimos e estriões, magos e jograis, canções profanas ou espectáculos de jogos, como outras falsas vaidades ou desaguisados. Tonsuram o cabelo, sabendo, segundo o Apóstolo, que é desonra deixar crescer a cabeleira. Raramente lavam o corpo, embelezam a face ou cuidam do penteado, andando cobertos de poeira, queimados pelo sol que os abrasa e pela loriga que os protege."

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A dieta do Ermita



Frei Agostinho da Cruz (1540-1619), que foi, no século, conhecido por Agostinho Pimenta, era irmão de Diogo Bernardes e terá nascido em Ponte da Barca. O rio Lima, o Tejo e, finalmente, o Sado aparecem referidos na sua obra, mas é a Arrábida o cenário mais marcante dos seus poemas. Foi na serra que viveu os últimos anos da sua longa vida, e aí morreu a 14 de Março de 1619. Tinha vestido o hábito de capuchinho em 3 de Maio de 1560. Teria escrito poesias profanas, antes. Mas o que dele se conhece é, grandemente, de índole religiosa. A sua curta obra foi editada, pela primeira vez, em 1771. Em 1918, Mendes dos Remédios juntou-lhe o chamado "manuscrito conimbricense", o "manuscrito portuense" da Biblioteca Municipal do Porto, e fez publicar as "Obras de Fr. Agostinho da Cruz", em Coimbra. Em 1971, Aguiar e Silva, no seu livro "Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa", expurgou ou pôs, em dúvida, algumas das poesias que eram atribuídas ao frade capuchinho. Mesmo assim, o que dele fica, dá para perceber a fina sensibilidade de Poeta que foi, e o seu ritmo fluído, original e intenso. Da elegia V ("Ao fim da vida") retiramos alguns tercetos, onde também fala de vários mariscos, entre eles as perceves que, julgo, pela 1ª vez aparecem na poesia lírica portuguesa:


"...Tudo me cansa, já, tudo me peja,
E pouco basta já para suster
O pouco que da vida me sobeja.

A praia tem marisco que comer
Ameijoas, berbigões na branca areia,
Que facilmente posso revolver.

A pedra que dos mares se rodeia,
Cheia de lapas pardas aparece,
De negros mexilhões inda mais cheia.

A vermelha santola não falece,
Outro com seu pé curto revirado,
Seu não, antes de cabra me parece.

E, quando se mostrar muito alterado
O mar, que seu marisco me defenda,
O bosque está daqui pouco afastado.

Quer suba a planta nele, quer se estenda,
Escolherei no ramo o mais maduro
Fruto sem dano alheio e sem contenda..."

Aniversário : Montserrat Caballé

Montserrat Caballé nasceu a 12 de Abril de 1933, em Barcelona.

domingo, 11 de abril de 2010

Do real ao virtual - ligações metafísicas



De regresso. Por entre safira e verde, houve um castanho-cinzento que se impôs. Um Magritte florido e ligado à terra - não suspenso. À beira de uma espera de ninguém por sobre o mar. E sem mais palavras, senão o voo das aves invisíveis sobre as ondas serenas.

sábado, 10 de abril de 2010

Biblioteca Infanto-juvenil X: Colecção Salta Pocinhas




Seguindo o anúncio da Editorial Infantil Majora, na contracapa, passamos a apresentar, hoje, a Colecção Salta Pocinhas (medida: 185 x 125 mm) que se vendia ao preço de 3$50 e de que se guardam poucos exemplares na biblioteca de APS.
Aproveitamos, ainda, para informar que o exemplar acima reproduzido se encontrava à venda, a 2.4.2010, ao preço de 15,00 euros, conforme consta da página electrónica de um alfarrabista portuense.
O leitor interessado, menino ou graúdo, poderia passar, com proveito, para o outro Salta Pocinhas, i.e., a personagem criada por Aquilino Ribeiro, no seu Romance da Raposa:
E para recordar:


"Havia três dias e três noites que a Salta-Pocinhas - raposeta matreira, fagueira, lambisqueira - corria por aqueles bosques, batendo, fairando, sem conseguir deitar a unha a outra presa além duns míseros gafanhotos, nem atinar com abrigo em que pudesse dormir um soninho descansado." (...)
Boas leituras !
Post de HMJ

Bibliofilia 13 : Correia Garção




Pedro António Correia Garção (1724-1772) foi um dos elementos mais dinâmicos da Arcádia Lusitana, mas a sua obra (incompleta) impressa só veio a sair, postumamente, graças ao cuidado do filho, em 1778. Pouco mais de um século depois, em 1888, J. A. de Azevedo Castro fez editar na Typographia dos Irmãos Centenari as "Obras Poéticas e Oratórias de P. A. Correia Garção", com um estudo importante, inéditos, e dedicatória a D. Pedro II, Imperador do Brasil. A edição, de grande apuro gráfico e estético, não é muito frequente aparecer à venda.
O meu exemplar, encadernado e em perfeito estado de conservação, foi comprado em Dezembro de 1989, por Esc. 8.332$50 (cca. euros 41,00), no leilão Silva's/ Pedro Azevedo (lote 311). Em Novembro de 1991, um exemplar brochado, foi vendido num leilão de José Manuel Rodrigues, por Esc. 14.800$00. Mas pouco depois, em Janeiro de 1992, num leilão de Luís Burnay (Livraria D. Pedro V), um exemplar semelhante foi arrematado por Esc. 6.500$00, ou seja, euros 32,50. Também há flutuações, como na Bolsa de Lisboa...