quarta-feira, 31 de março de 2010

Citações XIX : Napoleão



"Na estratégia, o mais importante é o seu uso rigoroso."

Guilherme de Faria, ainda



Já tinha falado (Bibliofilia 11) no poeta vimaranense Guilherme de Faria (1907-1929), mas vou voltar a ele. Foi sempre, na sua curta vida, católico convicto e monárquico fervoroso (daí o seu entusiasmo pelo sidonismo), tendo até feito um poema à morte de D. Miguel II e outro a saúdar o novo "Príncipe", poesias que vieram a integrar o livro "Manhã de Nevoeiro", a última obra que publicou (1927) em vida. "Desencanto" e a colectânea "Saudade Minha" são já póstumos (1929), embora tenham respeitado as indicações que o Poeta deixara. Aliás, os seus pequenos livros são de grande apuro gráfico e qualidade estética; bem como os que editou de Teixeira de Pascoaes: "Londres", "Sonetos", "Cânticos"...Afora a colectânea "Saudade Minha" que inclui uma escolha de toda a poesia publicada de Guilherme de Faria, os dois últimos livros revelam já uma voz própria. Os primeiros ("Poemas", "Mais Poemas" e "Sombra") são ainda muito devedores de influências. Entre um Nobre, sem ironia, um Mário de Sá-Carneiro, menos ousado, e um Pessanha, um pouco menos subtil. Também há um ligeiro eco de Pessoa ("Eu próprio me desconheço, / E, nesta hora em que vou, / Desconhecendo, aborreço / O nada inútil que sou...").

Nota-se, na sua poesia, uma sensibilidade excessiva, quase mórbida, e um grande desencontro com a vida real, pequenos tiques de aristocratismo. Mas também aquela intuição quase feminina que denuncia o poeta e que, na verdadeira acepção de "vate" (profeta, aquele que faz vaticínios), adivinha o futuro pelo passado ("A minha alma - noite morta - / Crucificada nas ondas, / Morreu nas ondas do Mar..."). A morte não o deixou, no entanto, evoluir até uma maturidade poética já anunciada e pressentida:

Enquanto a vida perpassa
Pela tua indiferença,
Em risos de sol que passa
E se morre em névoa densa,
Tu nem reparas, de ausente
E em vagos sonhos perdida,
Nos encantos que ela tem...
E, a sonhar eternamente,
Não tens esperança na vida
Nem saudades de ninguém.

Memória 18 : Verlaine e van Gogh





O poeta francês Paul Verlaine nasceu em 30 de Março de 1844, e morreu em 1896. O pintor Vincent van Gogh, de origem holandesa, nasceu a 30 de Março de 1853, e veio a suicidar-se em 1890. Há algo de maldito que liga estes dois grandes artistas.

O cantor e poeta Léo Ferré num prefácio em que apresenta Verlaine aos leitores, num exemplar de "Poèmes saturniens" suivi de "Fêtes galantes", escreve o seguinte:

"Os pássaros que observamos, no mar, ao abrigo duma vidraça, fazem sinais desesperados ou, pelo menos, assim queremos acreditar, porque a matéria que há entre nós e eles favorece a especulação e o sonho; e nós queremos ver, na sua geometria alimentar ou simplesmente discursiva, uma oração, uma dúvida, uma história. O desespero dos grandes pássaros marinhos é semelhante ao dos poetas. Demasiado longe de nós, num azul que quase tocamos com os dedos e o pensamento, eles têm o ar de não «Ser» senão para nós, para o nosso repouso, para as nossas deambulações de conversa, para a nossa meditação. (...) A música dos versos como o bater das asas é tributária do instante. A ave é prisioneira do seu voo. Como o poeta é do seu, quero dizer, de uma ortografia, duma prosódia, dum ritmo. ..."

segunda-feira, 29 de março de 2010

Bibliofilia 11 : Cesário Verde




O exemplar que se mostra de "O Livro de Cesário Verde"(1855-1886), sendo uma 4ªedição, não é raro e foi impresso, em Lisboa, em 1919. Mas o seu valor estimativo, para mim, é grande. Tem a particularidade de ter pertencido ao poeta Guilherme de Faria (1907-1929), nascido em Guimarães, ostentando data e marca de posse, manuscrita (1920). O Poeta conheceu e deu-se com Fernando Pessoa que tinha, na sua biblioteca, dois livros com dedicatória, manuscrita, do jovem vimaranense; e, no espólio do autor de "Mensagem", havia apontamentos para fazer o horóscopo de Guilherme de Faria. Teve também relações amistosas com Teixeira de Pascoaes, António Pedro, entre muitas outras figuras literárias da sua época. Na sua curta vida, foi autor prolífico. Estreou-se aos 15 anos, em 1922, com "Poemas". Nos anos seguintes publicou mais quatro livros. Mas não chegou a completar 22 anos. No dia 4 de Janeiro de 1929, vindo de sua casa da Rua da Horta Seca, atravessou o Largo Luis de Camões e desceu a Rua do Alecrim até ao Cais do Sodré. Na estação, comprou o bilhete de ida para Cascais. Aí chegado, escreveu dois postais a explicar ou desculpar-se do que ia fazer e meteu-os na caixa do Correio da Vila. Depois, encaminhou-se para a Marginal e, descalço e rezando por um terço, seguiu até à Boca do Inferno.
De onde se atirou ao mar. Dizem que foi uma história de Paixão. E, como estamos próximos da Páscoa, talvez mereça ter sido lembrada, agora.
Grande parte da biblioteca de Guilherme de Faria ficou para o irmão (mais tarde,Frei) Francisco Leite de Faria, grande estudioso da História do Livro, falecido há poucos anos. Mas este exemplar de "O Livro de Cesário Verde" foi parar às mãos de outro dos vários irmãos, de nome, Miguel de Faria. Que lhe colou o seu ex-libris. O volume tem uma encadernação bonita, em pele, e está bem conservado. Custou-me, nos anos 90 do século passado, e na mesma Rua do Alecrim, por onde Guilherme de Faria desceu, pela última vez e em direcção à Morte, Esc. 2.200$oo, ou seja cerca de euros 11,00. Por isso eu dizia que tinha, para mim, um grande valor estimativo. E há-de acompanhar-me até "sempre".

Mercearias Finas 5




Há coisas que não se conseguem explicar. Camilo Pessanha fala, várias vezes, em vinho, nos seus poemas de "Clepsidra". Mas há um verso, que eu decorei, há muito ("...- Da minha vinha o vinho acidulado e fresco..."), e que associo, sempre, ao vinho verde do Minho (e Lafões). Dir-se-á que estou a "puxar a brasa à minha sardinha" e, eu, verdadeiramente, queria é falar sobre mexilhões. Mas voltemos ao princípio, este "vinho acidulado e fresco", bebido em excelente e jovial companhia, foi um Alvarinho "Deu-la-Deu", de 2008. Respondeu, no nosso entender (e espero que JAD também concorde), à exigência dos "Mexilhões à flamenga" que HMJ, com afecto, preparou e fez acompanhar de aipo, cenoura e "échalotes". O alvarinho, como casta branca, encontra-se apenas na sub-região de Monção e nas contíguas "rias bajas" galegas. Ao contrário dos vizinhos vinhos verdes minhotos, onde predomina a casta branca "loureiro", o vinho Alvarinho (em galego, Albariño) pode guardar-se, até 5 anos, na garrafeira. Tem aroma distinto, aromático e frutado, e embora diferente associo-o, na sua classe, ao "riesling" alemão. O nosso monocasta pode ir de seco equilibrado até ao untuoso e pródigo "Vinha Antiga", também português. Dos "albariños" galegos só conheço um que bebi em Barcelona, em Fevereiro de 2008, com HMJ, na "Cervezaria Catalunya". Tinha um nome que permitia toda a expectativa poética dos cancioneiros galaico-portugueses: "Martin Codax". E era muito bom.

Ora, depois dos "Mexilhões à flamenga", seguiu-se uma tábua de queijos: açoriano, um "babão" de Seia e o "Brugge vieux". Aqui, tenho de confessar que a escolha de vinho que fiz não foi a melhor. O tinto do Dão "Campolargo" de 2008, estava ainda um pouco fechado para companhia. Precisa e deve aguentar mais uns 4 ou 5 anos de guarda, no "chiaroescuro" da garrafeira, para amadurar e amaciar... Finalmente, o "tecolameco", respeitosamente, sob receita sábia do "Fialho" de Évora. E, aí, regressei de novo às origens, com o Alvarinho de 2008, que ainda estava "acidulado e fresco", como dizia o Camilo Pessanha.

P. S.: Para JAD, que traz sempre consigo jovialidade e sabedoria.

domingo, 28 de março de 2010

Albert Camus a propósito de Franz Kafka





"...Chega um momento em que a criação não é tomada como tragédia: é levada, simplesmente, a sério. E, então, o homem preocupa-se com a esperança. Mas não é esta a sua vocação. O seu trabalho é desviar-se do subterfúgio. Ora, é isso que eu reencontro no final do veemente processo que Kafka lança a todo o universo. O seu incrível veredicto absolve, para terminar, este mundo feio e inquietante onde as toupeiras, as próprias toupeiras, estão na lista de espera."
Albert Camus, "L'espoir et l'absurde dans l'oeuvre de Franz Kafka"(tradução livre de APS).

Biblioteca Infanto-juvenil VIII: Colecção Coelhinho Branco



Da Colecção Coelhinho Branco, de um formato médio, um quase A 5 de 180 x 115 mm, subsistem apenas 8 volumes no acervo de APS. Para além dos títulos apelativos, são engraçadíssimas as ilustrações de Gabriel Ferrão, coloridas nas capas.
Cada volume, impresso na Editorial Infantil "Majora", Rua das Taipas, 131 - Porto, custava 3$00.
No registo de hoje, pretendemos incluir uma pequena história de leitura dos voluminhos descritos. N'A Vingança do Serigaito encontra-se, ainda, o papel de prata que não resistimos de reproduzir abaixo. Resta imaginar o menino que, durante a sua leitura, se deliciava com o "chocolate de leite" da Regina.


E, com a colaboração de APS, concluímos com um excerto da "Tabacaria" que reza assim:

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates !
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come !
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes !
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Post de HMJ

Um Homem que sabia dizer "não"



Passam, hoje, dois séculos sobre o nascimento de Alexandre Herculano (1810-1877), pai do nosso romance histórico, grande historiador, poeta menor, enorme figura moral que soube dizer "não", muitas vezes, num país em que o "sim" é, infeliz e normalmente, palavra de ordem precursora de prebendas e mordomias...
Pena foi que as nossas altas Instituições, num tempo de moda avassaladora de romances, ditos, históricos - eu diria "esotéricos", e com ironia -, de categoria abaixo de cão, se não lembrassem de promover, a propósito e de forma inteligente, o "Eurico", "O Bobo", o "Monge de Cister" - esses, sim, romances históricos de grande competência de escrita, apelativos, nacionais, no saudável e melhor sentido da palavra. Que fazer?, quando as altas posições da Nação oscilam entre os duvidosos cantos de "Os Lusíadas" e a "música das esferas" (neste caso particular), não conseguindo descer à terra das realidades....
Mudança de rumo: 360º. De volta a Herculano, e sobre a velhice:
"...Mas quando encontro um velho, por cima de cuja cabeça passaram muitas horas de amargura, muitas procelas da vida, e lhe descubro no rosto certa serenidade como a da fronte de mármore de uma dessas estátuas que jazem sobre os túmulos da idade média; quando o recordar-lhe uma grande desventura de outrora não acha eco lá dentro; quando para ele o passado, o presente e o futuro merecem a mesma indiferença gelada e medonha, então digo comigo: um morto porque andará na terra? (...)Daí vem que a presença de um ancião sempre me atrai e subjuga. Que é a vida interior do mancebo, que revela por tantos modos suas cóleras e pezares, seu amor e alegria, seus temores e esperanças? Drama misterioso, história íntima só a há no velho, que passou por todas as vicissitudes do existir, e que encerrou debaixo do selo de bronze de um aspecto impassível as tempestades que rugem ou rugiram nas profundezas do seu espírito. ..."
E, aqui, eu diria que, pela prosa, falou um grande poeta e filósofo português. E um grande Homem.

sábado, 27 de março de 2010

Ducentésimo : quase uma fábula



Quando Fernanda passou no exame de 4ª classe, o Tio Joaquim deu-lhe uma gaiola grande com um canário-flauta, daqueles que cantam muito bem. O primeiro cuidado da menina, logo que acordava, era ir ver o pequeno pássaro verde-amarelo e castanho que desde que o sol nascia começava a trinar. Aprendeu a cortar-lhe as unhas, a esperar a muda da pena, a borrifá-lo de água fresca, no Verão, para que ficasse mais luzidio e limpo. Depois, ficava a vê-lo espanejar-se das gotas de água que perlavam as suas penas. Todas as semanas limpava e lavava o fundo da gaiola, para que tudo ficasse asseado. E soprava com cuidado a caixinha dos minúsculos cereais para que as cascas vazias saíssem e ficassem apenas as que ainda tinham miolo. A menina foi crescendo e o canário, envelhecendo. Entretanto, o Tio Joaquim morreu. Quando Fernanda fez catorze anos, na festa de aniversário, o primo Pedro deu-lhe, de presente, uma canária muito jovem. Era airosa, elegante e esguia, de um amarelo puríssimo e total, mas - como todas as canárias - não cantava.

Fernanda tinha aprendido e visto, em casa do Tio Joaquim, como ele aproximava em duas gaiolas um casal de canários, para habituá-los à presença, um da outra, e reciprocamente, para depois virem a acasalar. Sempre em gaiolas isoladas, durante algum tempo. E, depois, o Tio Joaquim abria as duas portinholas que havia em cada uma das gaiolas para que, finalmente, as pequenas aves coabitassem. A menina colocou então as duas gaiolas, uma junto à outra, e esperou. A princípio, a canária era esquiva e assustadiça. Piava e fugia para o lado oposto à gaiola do velho canário. Este, pelo contrário, mostrava-se agressivo e avançava, ameaçador, até às grades junto da gaiola da jovem e bela vizinha. E passou-se assim uma semana. Gradualmente, o canário foi ficando mais tranquilo e a canária amarela mais curiosa e contígua. Até que Fernanda concluiu que era tempo de juntá-los, na mesma e única gaiola. E assim fez.

No fim dessa semana, os Pais e Fernanda tiveram que deslocar-se a outra cidade, para fazer uma visita de família. A menina reforçou a ração de paínço e milho alvo na gaiola e abasteceu, com mais um recipiente de água, a nova casa dos passarinhos. Iam estar fora dois dias e ela não queria que lhes faltasse nada.

Fernanda, logo que regressaram a casa, correu para a cozinha para matar saudades dos canários. Já perto, só via a canária, muito repimpada, no poleiro. Aflita, subiu a um pequeno banco vermelho, e deparou-se-lhe, então, o pequeno corpo do seu querido canário, inerte, no fundo da gaiola. Tinha morrido. Duas lágrimas caíram-lhe dos olhos, mas logo uma divina ira adolescente a possuiu. E metendo a mão pequena pela portinhola da gaiola de arame, retirou dela a esbelta canária amarela, e furibunda deu-lhe um grito. O coração da canária batia, agora, descompassado, entre os dedos de Fernanda. E os pequenos olhos da avezita começaram a abrir e a fechar veloz e ritmicamente. Emocionalmente exausta, a menina largou então a canária no interior da gaiola, mas a canária adornou, definitiva, também e, depois de vários espasmos, ficou também inerte junto ao corpo morto do velho canário.

Os canários são pássaros muito sensíveis e nervosos. Muito mais tarde, quando veio a ler a "Carta de Guia de Casados", de Francisco Manuel de Melo, ao deparar-se com o que o escritor diz sobre os três tipos de casamento (jovem com jovem, velha com jovem e velho com moça - casamento da morte, lhe chama, neste caso), Fernanda lembrou-se, com saudade e tristeza, do casal de canários da sua adolescência e apercebeu-se que tinha feito "justiça" com suas próprias mãos, e com o seu grito. Mas, entretanto e para sempre, nunca mais quis ter canários...

E. M. Cioran, ainda



Nascimento, casamento, funeral, - porque é que os acontecimentos irreparáveis suscitam sempre «falsos» sentimentos?

Os escritores menores são menos datados que os grandes (ou antes: são mais legíveis.). A razão é que estão menos marcados que os outros pelos defeitos e qualidades da época em que viveram.

Quando não conseguimos pensar senão na infância é, então, que se fecha o ciclo de uma vida.


E. M. Cioran, "Cahiers".

sexta-feira, 26 de março de 2010

Frase do dia : ? ("o Inimigo Público")



" Vaticano abafou casos de pedofilia para evitar que Deus descobrisse"


in "Público", de 26/3/2010.

Receitas poéticas 2 : remake



De Alexandre O'Neill, para Manuel Bandeira, no seu octogésimo aniversário, dedicado pelo portuga ao brasuca:

Remessa


Drinka, trinca
connosco, Manuel,
sem autógrafo nem coquetel,
que nós não podemos ter os teus oitenta,
nem com uísque, nem com água de Juventa,
Manuel!


P. S. : aos brasucas, intrépidos insistentes revisitantes (da "criativa"?), por esse "Google" fora...

Mais Rosa : em jeito de aperitivo



Um dos livros de João Guimarães Rosa (1908-1967) que mais afecto literário me desperta é "Tutaméia - terceiras estórias". Este livro de pequenos contos tem nada menos de quatro prefácios que iniciam e, depois, intercalam as narrativas. Neles, Rosa aborda o tema anedota. Com as suas implicações diversas, mas sempre naquele tom de menino que saboreia as palavras, maravilhado pelas sua magia e virtualidades. Diria mais, o Escritor deixou larga "prole" de filhos e netos, mas de menor qualidade: Luandino, Agualusa, Mia Couto...e que não sabiam tantas línguas como Guimarães Rosa, nem dominavam o português arcaico como ele o sabia manejar. Seguem alguns pequenos excertos de "Aletria e Hermenêutica" que é o primeiro prefácio do livro que referi acima.

"...A anedota, pela etimologia e para a finalidade requer fechado ineditismo. Uma anedota é como um fósforo; riscado, deflagrado, foi-se a serventia. (...) A vida também é para ser lida. Não literalmente, mas em seu supra-senso. E a gente, por enquanto, só a lê por tortas linhas. Está-se a achar que se ri. Veja-se Platão, que nos dá o «Mito da Caverna». Siga-se, para ver, o conhecidíssimo figurante, que anda pela rua, empurrando sua carrocinha de pão, quando alguém lhe grita: -«Manuel, corre a Niterói, tua mulher está feito louca, tua casa está pegando fogo!...» Larga o herói a carrocinha, corre, vôa, vai, toma a barca, atravessa a Baía quase... e exclama: -«Que diabo! eu não me chamo Manuel, não moro em Niterói, não sou casado e não tenho casa...» Agora, ponha-se em frio exame a historieta, sangrada de todo burlesco, e tem-se uma fórmula à Kafka, o esqueleto algébrico ou tema nuclear de um romance kafkaesco por ora não ainda escrito..."


P. S. : Para MR, porque sim.

A lágrima do Filósofo





Mão atenta de um Amigo fez chegar, até mim, um pequeno artigo de Pierre Assouline. Apontamento breve e conciso, grave no tom, humano de conteúdo. Entre várias informações interessantes, conta que a George Steiner foi permitido folhear, no Château de Chantilly, em França, um exemplar dos "Comentários da Guerra da Gália", de César, que tinha sido pertença de Montaigne. E que tinha anotações, nas margens, do próprio punho do senhor de Eyquem. Perante a preciosidade bibliográfica, George Steiner não conseguiu reter uma lágrima, comovido - conta Assouline.



P. S.: Com agradecimentos a H. N. .

quinta-feira, 25 de março de 2010

O silêncio antes da morte


Marcos António Portugal nasceu em Lisboa, a 24/3/1762 e veio a morrer em 17/2/1830, no Rio de Janeiro. Tinha acompanhado a família real portuguesa para o Brasil, aquando da sua fuga, perante as invasões francesas. Em Lisboa, tinha sido organista da Sé Patriarcal. E viveu largo tempo em Itália. Foi compositor prolífico mas, curiosamente, parece ter feito a sua última obra, 13 anos antes de morrer. Nesse último período da sua vida, provavelmente, optou pelo silêncio. A ária "Carlota" pertence à ópera "Le donne cambiate" que foi composta em 1797.

O absurdo e o mistério



De há um tempo a esta parte, tenho observado que, ou seja pela idade ou pela instabilidade do mundo em que vivemos, uma boa parte das pessoas com quem mais convivo se preocupa, de uma forma mais intensa (lendo, interrogando-se e interrogando), com a religião, a morte, e o depois... Isso fez-me lembrar François Mittérrand (1916-1996) que, pouco antes de morrer, mas já com a morte anunciada, pelo avanço crescente do cancro da próstata, quis e promoveu diversos encontros e diálogos com várias personalidades, sobre o além. Uma das pessoas, com quem falou, foi Jean Guitton (1901-1999), escritor e filósofo francês, católico. Este diálogo deu origem a um livro, editado em 1997, sob o título "L'absurde et le mystére". O então ainda Presidente de França foi, de helicóptero, até à residência do filósofo e começou a conversa do seguinte modo: " Guitton, o senhor que é filósofo e tem fé, tem dez minutos para me dizer qual é o sentido da vida... Aparentemente, tudo é absurdo ou, então, tudo é mistério."

Ficcionalmente, João Guimarães Rosa terá escolhido a segunda. Não era ele que dizia que " as pessoas não morrem, ficam encantadas"? Também no seu magnífico conto "Cara de Bronze" ilustra uma situação afim que, resumidamente, passo a lembrar. Um rico fazendeiro, vendo a morte aproximar-se, encarrega três dos seus melhores vaqueiros a irem pelo mundo descobrir, para depois lhe contarem, qual era a razão da vida. Passa-se algum tempo, e dois deles desistem de procurar. O terceiro prossegue e, mais tarde, regressa à fazenda e, junto ao leito do moribundo, diz-lhe: " A noiva tem os olhos gázeos!" O resto é silêncio.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Salão de Recusados XII : O alheio




1. "...Té que vão os Portugueses
por venderem junto, e bem:
mais modo no trato têm
que Veneza, e Genovezes..."

Século XVI, Garcia de Resende.


2. "...os nossos, às vezes, falam de Germânias e de Américas, com linguagem de ervilhaca e olhos de pacóvios deslumbrados..."


Século XIX, José Policarpo da Sylva.


3. "...quem se entretem a falar dos outros países fá-lo, muitas vezes, por ignorar ou para esquecer o nosso...."

Século XXI, M. Tavares da Cruz.


Favoritos XV : Aquilino Ribeiro






"...A bolota taluda ficara ali muito quieta, muito bem refastelada em virtude do próprio peso, enterrada que nem pelouro de batalha depois de passarem carros e carretas. Que fazer senão deitar-se a dormir?! Dormiu uma hora ou uma vida inteira, quem o sabe?! Um laparoto veio lá de cascos de rolha, rapou a terra, fez um toural, aliviou-se, e ela ficou por baixo, sufocada sem poder respirar, em plena escuridão. Estava no fim do fim? Um belisco, e do seu flanco saiu como uma flecha. Era de luz ou de vida? Era uma fonte ou antes um cântico de ave, de água corrente, de vagem a estalar com o sol, dum insecto na sua primeira manhã, música trilada da terra ou das esferas? Era tudo isto, encarnado no fogo incomburente que lhe lavrava no flanco, verbo que acabou por irradiar do próprio mistério do seu ser.
Do pinhão, que um pé-de-vento arrancou ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou no solo, repetido o acto mil vezes, gerou-se a floresta. Acudiram os pássaros, os insectos, os roedores de toda a ordem a povoá-la. No seu solo abrigado e gordo nasceram as ervas, cuja semente bóia nos céus ou espera à tez dos pousios a vez de germinar. De permeio desabrocharam cardos, que são a flor da amargura, e a abrótea, a diabelha, o esfondílio, flores humildes, por isso mesmo troféus de vitória. Vieram os lobos, os javalis, os zagais com os gados, a infinita criação rusticana. Faltava o senhor, meio fidalgo, meio patriarca, à moda do tempo. Ora, certa manhã de Outono..."


Aquilino Ribeiro (1885-1963), in "A Casa Grande de Romarigães".

terça-feira, 23 de março de 2010

Carta a um Amigo que faz anos





23-24/3/2010

Meu Caro:
Estive a consultar canhenhos, memória e, é certo, que foi em 1970, que nos conhecemos. Outubro, provavelmente. Vachsel Lindsay versus John Updike, ao contrário das nossas vocações..., é curioso. Depois, a geografia sentimental: Av. de Roma, São Sebastião da Pedreira, S. João do Estoril, "As Gaivotas", Azarujinha (e aquele arroz de mexilhões que deram à praia...), Rodrigo da Fonseca, Algés; mas antes, houve a noite de Lisboa, o Cunha Telles, o "Continuar a viver", cujo argumento, ele nunca pagou, salvo as CR&F e o Whisky que lhe bebemos em casa, para abate... E ainda, e agora o "Rio Grande", a Lisboa queiroziana. Claro, "Os Cornos de Cronos", "O Rei dos Lumes", "A Última Ceia" e o teu desencanto literário, depois de "Shadows in a Dream" a duas (?) mãos. As abóbodas da Bertrand com o Vergílio Ferreira ou o "Espelho de Água", a ver o Tejo, à noite. Tanta coisa, tantos anos: quase 40.
Vai a carta, com música. Pensei no Mahler de que tu gostas (mas que eu não aprecio, particularmente), depois no Marcos Portugal que fazia anos no teu dia - se puderes, ouve a ária "Carlota" de "Le donna cambiate", que é muito bonita. Mas tu andas numa de Rameau... por isso vai um bocadinho de "Les Indes Galantes". E, no que diz respeito ao "outro capítulo", apetece-me glosar o rei espanhol, pela positiva, e perguntar: "Por que te callas?"
Também segue um velho e amigo abraço de parabéns, e lembranças à "merryl". Até quinta!
A. S.

Citações XVIII : Jean Cocteau



Na conversação, se a alma circula, sucede que esqueço os meus desgostos, um mal de que sofro, esqueço-me até de mim mesmo, tanto as palavras me inebriam e se inflamam nas ideias.


Jean Cocteau (1889-1963), in "La Difficulté d'être".

segunda-feira, 22 de março de 2010

Escrita criativa : remix Cesariny de Castro O'Neill...




e as palavras sentadas inúteis à porta dos dias
antes de todo o intervalo para o crime
Das pirâmides reais ultrapassando a ponta
Mais durável que o bronze, um monumento fiz.
Manuel abre a oficina e recomeça a mesa
que talvez acabe para mim
com lavores finos e olhos de princesa
põe um ponto final, a dizer que sim.

Música e Poesia V : Evita


Lloyd Webber faz hoje 64 anos. Quando as tropas inglesas embarcaram para os navios que seguiriam para as Malvinas (Falklands), marcharam ao som de "Don't cry for me, Argentina" - na melhor tradição do humor britânico...

Curiosidades 2



Por vezes, detenho-me a observar e tentar interpretar os elementos que tenho, disponíveis, sobre as visitas do "Arpose". Não consigo retirar conclusões muito específicas, mas há dados insofismáveis. Tirando Portugal - o que é óbvio -, o maior número de visitantes, vem do Brasil. A seguir, U. S. A.. Depois, Inglaterra e Alemanha. Os números estatísticos dos restantes países-visitantes são residuais. Mas há visitas de cidadãos, de 2 países, que me intrigam: Finlândia e Turquia (1 visita de cada um destes países). Por que é que teriam chegado ao "Arpose"? E não sei responder, com garantia de rigor...
O campeão de consultas (e da parte do Brasil) foi um post que intitulei "Receitas Poéticas" e que fala de Fernando Assis Pacheco, reproduzindo um poema do autor. Outro, muito escolhido, é o "Poema autógrafo" sobre Lisboa, de Eugénio de Andrade. Diz-me uma voz amiga que isto se deve, provavelmente, às modernas cadeiras universitárias de "Escrita Criativa". Como se fosse possível fazer, à partida, de um cidadão comum, mulher ou homem, uma futura Sophia ou um próximo Eça... Mas lá que o Rui Zink se esforça, lá isso é verdade...
Mas esta globalização das visitas dá-me que pensar... A mais curiosa, ultimamente e do Brasil, tinha por "search word": "o que pensa Quevedo de Carlos V". Ora, não pensa nada, porque o autor de "El Buscón" já morreu. E o "Arpose", coitado, também não deu uma resposta satisfatória ao ilustre visitante brasileiro. Recorda-me, outra vez, a voz amiga, sobre esta globalização, os versos de Cesário Verde, com ironia:"...Madrid, Paris, S. Petersburgo, o mundo..." Et sic transit ...
Nota: este post é dedicado a todos os Visitantes (sempre benvindos) e Amigos (sempre estimados) do "Arpose", cordialmente.

domingo, 21 de março de 2010

Para o dia da Poesia," in extremis"


Este "post" é, simultaneamente, uma lembrança a Paulo Quintela (1905-1987) que, não sendo poeta, traduziu, com escrúpulo profissional e sensibilidade de transmontano, alguns dos grandes poetas alemães (Rilke, Hölderlin...). "Die Rose", de Friedrich Hölderlin (1770-1843), antes desta minha versão, já fora traduzido, em 1944, pelo professor de Coimbra.

A Rosa

Doce Irmã!
Onde buscar, se for Inverno,
Flores em grinaldas para os deuses?
Como se ignorasse o que é divino
Já que de mim se foi o espírito da vida;
Quando oferendas para os deuses procurar,
As flores, no estéril campo,
E não te encontrar.

P. S.: Com agradecimentos à Renate, pela aguarela, e a HMJ.


Primavera


Na primavera quando as tardes se arredondam
e já nas praias nascem as primeiras ondas
e volta sobre o mar a ave solitária
o homem enche de ar o peito vespertino
arranca o corpo à chuva e às nuvens do inverno
e chega a ter desejos de ficar...

Ruy Belo

P.S.: para "c. a.", que teve nostalgia do mar da Arrábida, este mar de António Carneiro (1872-1930), possívelmente nortenho, com palavras de um poeta do Sul.

Biblioteca Infanto-juvenil VII: Colecção "O Encanto das Crianças"


Poucos volumes da colecção "O Encanto das Crianças" - com dimensões de 220 x 150 mm - se conservam no espólio de APS.
O encanto das ilustrações, designadamente do volume dedicado às Aventuras do Manecas, tornou difícil a opção da reprodução das imagens. Por fim, decidimo-nos pela imagem da capa do volume nº 5, O Papagaio Mágico, esperando ir ao encontro dos leitores.

Post de HMJ

sábado, 20 de março de 2010

Primavera chaplinesca

Como a Primavera e o sol não dão um ar da sua graça...

Duplo Aniversário





Beniamino Gigli (1890-1957), grande cantor italiano, nasceu a 20 de Março.

Alice Vieira (1942), amiga de juventude e do "DL-Juvenil", também nasceu nesta data. Como ela dizia, no seu livro de estreia literária "De Estarmos Vivos" (1962): "(recordar só é bom / quando para lá do silêncio há um pássaro deslumbrado)". Parabéns, Alice!

sexta-feira, 19 de março de 2010

Bibliofilia 10 : Francisco Manuel de Melo





Além de grande prosador e poeta, Francisco Manuel de Melo (1608-1666) é o elo central de uma linha ética de portugueses distintos que, tendo início em Francisco de Sá de Miranda, passa por ele e ressurge na figura moral de Alexandre Herculano. Privaram com reis, com o Poder, mas isso nunca os inibiu de dizer o que pensavam e criticar os actos régios com que não estavam de acordo. O livro "Aula Política, Cúria Militar" foi publicado, postumamente, em 1720, por Mathias Pereyra da Sylva, e não é frequente aparecer à venda. Creio que nunca foi reeditado.
O meu exemplar, comprado em Lisboa, em 1991, custou Esc. 20.000$00 (cca. euros 100,00), está em bom estado, tem uma bela e austera encadernação em pele, com ferros a seco. O único e pequeno senão: uma pequena falha de papel no canto superior direito do frontispício, restaurada.
Em 1935, a Livraria Coelho vendeu um exemplar (lote 596) por escudos 150$00. Em 1977 a Livraria Camões anunciava no seu boletim (nº 2710) um outro exemplar por Esc. 5.000$00 (euros 25,00). O Palácio do Correio Velho num seu leilão de 1993 (lote 499) vendeu um exemplar da "Aula Política, Cúria Militar" por Esc. 42.000$00 (cca. euros 210,00). Finalmente, esta mesma casa leiloeira, em 2006, noutro leilão (lote 434), tinha uma estimativa de venda, para um outro exemplar, entre euros 300/600,00.

Parábola do velho Brueghel



E se a Grécia nos levar a todos?!...

Fernando Echevarría


Fernando Echevarría (1929) não é um poeta fácil. Muito menos para ler muito depressa. Há que pensar, saboreando, em cada verso a sequência que vai abrindo até ao interior de nós mesmos. Sem pressa alguma. Até despertar um eco de entendimento gradual.
Do poeta e do livro "Epifanias"(2006), transcreve-se "Oração para antes do estudo":
Dai-nos, Senhor, um coração humilde.
A inteligência de aceitar agora
que só a si o estudo se ilumine
e nele se esqueça o estudante. A cópia
do que estudarmos em nós viva, a fim de
que apenas o estudado seja porta.
E luz aberta por onde entrem livres
aqueles cuja alegria é obra
de compenetração que, sem limites,
se entrega. Fica com seu dentro fora.
Ilumina, Senhor, a inteligência de ir-se
esquecendo cada qual no que se mostra.

quinta-feira, 18 de março de 2010

apud



Quem anda na blogosfera tem de preparar-se para tudo. Principalmente, com bonomia, em relação a gente pequenina que, para parecer mais alta, trepa despudoramente para os ombros dos outros. Acontece. Mas também é conveniente sacudir estes mosquitos anões.

A "lebre" de Dürer (1471-1528), para mim, é tão perfeita e bonita que não resisti a reproduzí-la, mediocremente é claro, pelo meu traço de amador, para oferecê-la a 2 ou 3 pessoas que mais estimava. Só que tive o honesto cuidado de ,antes de assinar, escrever "apud (ou cópia de) Dürer"...

John Updike



Se fosse vivo, John Updike (1932-2009) completaria, hoje, 78 anos. Com Mary Mccarthy, Salinger e Truman Capote pertence à geração de lídimos sucessores directos da geração de Hemingway, Steinbeck e Faulkner, grandes renovadores do romance norte-americano. Updike é, no entanto, aquele em que a cultura europeia mais se faz sentir. Vermeer, a Inglaterra e a França aparecem na sua obra. Até os Açores surgem num seu poema. Para além duma obra em prosa vasta, foi também crítico de arte e literatura, em colaborações regulares para a revista "The New Yorker". A série de romances que têm por personagem central "Rabbit" (Harry Rabbit Angstrom), "The Poorhouse Fair", "The Centaur" ilustram claramente os seus temas centrais: pequenas cidades de província, classe média, conflitos pessoais ou sociais. Para a poesia deixou as preocupações religiosas, os sentimentos e a morte. As suas figuras tutelares, do ponto de vista filosófico ou religioso, foram S. Kierkegaard e o teólogo Karl Barth. Da poesia, de John Updike, escolhemos um dos seus últimos poemas, publicado em "The New Yorker", em 2003. Intitula-se "Evening Concert, Sainte-Chapelle". Esta Igreja de Paris é uma construção gótica de 1248, celebrada pela luz e cor intensas que se filtram através dos seus altos e belos vitrais. É frequentemente escolhida para recitais de música clássica.

Concerto ao fim da tarde, Sainte-Chapelle

As célebres janelas afogueadas na luz
que vem do norte, derramada através do Sena;
ocupamos, sussurrantes, os lugares. É então que os violinos
celebrando o vigor estridente de Vivaldi, depois Brahms
parecem sorver com doçura apaixonada,
pouco a pouco, a força do vermelho,
o azul de luz intensa, para que o olhar audível
possa ver as duras linhas negras em forma de cruz
e de escudo, suporte e anel que entrelaçam
a sagrada, luminosa fantasia.
A música surgindo; o brilho como leite,
um sussurro para os olhos, reflexo atenuado
até que o bater dos corações, os nossos violinos
se vão cobrindo por finas, mas sólidas folhas de chumbo.

quarta-feira, 17 de março de 2010

O leão, a águia, o galo de Barcelos, e a cabra (ou vaca de Míron)





Antes de mais, uma declaração de interesses: sempre fui mais anglófilo do que germanófilo, desde que comecei a pensar, politicamente. Em 1973, quando pela primeira vez fui a Inglaterra, um discurso de Harold Wilson, de cerca de 5/7 minutos, que vi e ouvi na BBC, convenceu-me de como em política se pode ser breve, lógico, verdadeiro e, racionalmente, conclusivo. Infelizmente, Blair com o seu virtuosismo "palhaciano" abalou-me, profundamente, nas minhas convicções pró-britânicas. Esperei muito de Brown, mas tem-me sido uma grande desilusão...
Por outro lado, Kohl ( aquela mão dada com Mittérrand, não me sai da memória!) e, agora, a Sra. Merkel, não sendo do meu quadrante político, têm-me convencido da sua "bondade" pragmática: realismo, solidariedade e razoabilidade de princípios.
Hoje, no "Público", Teresa de Sousa, jornalista que leio sempre com atenção e que, francamente, admiro a tratar as questões europeias, faz a pergunta : "O que quer a Alemanha da Europa?" No que escreve, estou em profundo desacordo, e acho que é a primeira vez em que tal acontece. Então a Alemanha é que tem de pagar os dislates, incontinência, gastos e consumo perdulários de alguns outros países europeus? Será que temos de ter sempre um "paizinho" protector e um guarda-chuva emergente e providencial para a nossa inconsciência e erros?

Curiosidades 1






Segundo Eduardo de Noronha (1859-1948), no seu livro "Reinado Florescente", 1928?, para o casamento do futuro rei D. Carlos (1863-1908), com a princesa ( mais tarde rainha) Maria Amélia de Orleães (1865-1951), a mãe do noivo, raínha D. Maria Pia (1847-1911) usou: " um vestido, cópia admirável, feita por Worth, do quadro do Louvre «O triunfo de Maria de Medicis» de Rubens. A raínha, que conta apenas 42 anos, sem ser formosa, desprende de si uma distinção e um garbo que a todos domina..."




Nota: (Charles Frederick) Worth (1825-1895), costureiro inglês que se fixou em França, é considerado o pai da "Alta-Costura" moderna.

terça-feira, 16 de março de 2010

Os 4 Cavaleiros do Apocalipse



Só para lembrar a data, amanhã. Da entrada destes 4 cavalheiros pela porta de serviço da História. Ainda para mais nos Açores que têm ilhas tão bonitas - dizem...

Citações XVII : François Mauriac



A felicidade... Quando, no declínio, queremos seguir a sua pista desde a infância, definir-lhe os traços, fixamos o pensamento sobre alguns dos nossos sucessos que foram animados por esses encontros. Mas nada reaquece, agora, essas geladas recordações. Lembro-me de ter sido feliz. Suponho que o fui em determinadas circunstâncias. No entanto, a sensação de felicidade está muito menos ligada a factos do que a atmosferas, sobretudo a uma determinada estação que não era ainda a das férias grandes, mas à sua aproximação.


in "Mémoires Intérieurs", François Mauriac (1885-1970).

segunda-feira, 15 de março de 2010

Favoritos XIV : Norma


Completa-se com este "post" a trilogia sobre "Norma" de Vincenzo Bellini (1801-1835) que iniciei com as transcrições de Franz Liszt (1811-1886) executadas por Alfred Brendel. A ária "Casta Diva" é cantada por Cecilia Bartoli (1966).

Arrábida sacro-profana



Século XVII : Elegia II, da Arrábida


Alta serra deserta, donde vejo
As águas do Oceano duma banda.
E doutra já salgadas as do Tejo:

Aquela saudade, que me manda
Lágrimas derramar em toda a parte,
Que fará nesta saudosa, e branda?

Daqui mais saudoso o Sol se parte;
Daqui muito mais claro, mais dourado,
Pelos montes, nascendo se reparte...

Frei Agostinho da Cruz



Século XX (196?) : Arrábida


A solidão apurada,
firme gume frente à serra

onde nascemos, e o nome
que recebemos da terra.

Alberto Soares



Século XXI (15/3/2010) : Portinho da Arrábida


Segunda-feira de (quase) Primavera. De tal modo ameno era ficar na esplanada deixando pairar o olhar pela beira-mar. Verdes e azúis até ao infinito. Atrás: a pousada explorada, nos anos sessenta, pelo irmão de Sebastião da Gama, é pertença, agora, da "Casa do Gaiato". O mar puríssimo, ainda de Inverno mas, hoje, sereno, é perturbado apenas pelas vorazes e visíveis taínhas. Não havia hipocampos à venda. Nem vestígios de Frei Agostinho da Cruz; de Sebastião da Gama, apenas um pequeno obelisco, à margem da estrada, e os meus anos juvenis já vão tão longe... Ficaram estes azúis infinitos: escuros, verde-azúis, celestes, pálidos onde o mar toca o azul claro do horizonte. Azul-arrábida...

Memória 17 : Carolina Michaelis de Vasconcelos



A 15.3.1851 nasceu, em Berlim, Carolina Michaelis de Vasconcelos, vindo a falecer, a 16 de Novembro de 1925, no Porto.
Nesta data, pretende-se, tão só, evocar a memória de uma investigadora que escolheu Portugal como país de realização pessoal e profissional.
Não é este o lugar, nem o propósito, para falar, de forma aprofundada, sobre a vida e a obra de Carolina Michaelis de Vasconcelos.
No entanto, numa altura em que as investigações na área das Humanidades carecem de reconhecimento público, sobrepondo-se o material ao valor matricial do pensamento, convém recordar a figura de CMV e o seu labor paciente, documentado e, frequentemente, desinteressado. O mesmo não se poderá dizer de todos aqueles que, nos dias que correm, se alimentam do seu trabalho em "cópias de vão de escada" disfarçadas.

Post de HMJ