segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Karl Jenkins : "Os Artífices da Paz"



Esta magnífica obra coral - aqui, parcialmente reproduzida - do galês Karl Jenkins (1944), tocada e cantada, pela primeira vez, no Carnegie Hall de Nova Iorque, em 2012, foi dedicada e inspirada, entre outros, pelos homens de boa vontade que passaram na Terra, usando os nomes de: Francisco de Assis, Shelley, Gandhi, A. Schweitzer, Luther King, Madre Teresa de Calcutá, Mandela...

Nota pessoal: os aplausos ocupam cerca de 1 minuto e 14 segundos, no final do vídeo.

Mais um ano


Vai algo neutra a cor e despida de adereços a iconografia para o novo ano de 2019.
Os muitos por que já passei, não me dão margem para alimentar esperanças excessivas, nem ilusões ingénuas para o futuro próximo. Sobretudo se tiver em conta os muitos ogres e tiranos (erdogans, trumpes, putins, orbáns, jinpingues...) que estão ao leme de tantos países, neste nosso Mundo. E o fosso que se foi cavando, cada vez mais profundo, entre os muito ricos e os excessivamente pobres. Para além da exclusão, quase militarizada, que acantona fatalmente em guetos, e condena à morte no mar ou atrás de grades e de muros aqueles que procuram as ilusórias vias rumo a uma vida melhor.
Que a realidade contrarie a minha previsão algo pessimista - só podem ser os meus votos do presente.
Votos que endereço, cordialmente, a todos os que passaram e vão passar, no futuro ano, pelo Arpose.

Do que fui lendo por aí... 24


W. H. Auden observou uma vez que a recensão de livros maus faz mal ao carácter. Como todos os  moralistas dotados, Auden idealizou apesar dele próprio, e devia ter sobrevivido até estes nossos dias em que os novos comissários passam a vida a dizer-nos que a leitura de livros bons é mau para o carácter - o que se calhar até é verdade. Ler os melhores dos melhores autores - digamos Homero, Dante, Shakespeare, Tolstoi - não fará de nós melhores cidadãos. A arte é perfeitamente inútil, como disse o sublime Oscar Wilde que tinha razão em tudo. Wilde também nos disse que toda a má poesia é sincera. Se eu pudesse, mandava gravar estas palavras na porta principal de todas as universidades, de maneira a que cada estudante pudesse reflectir sobre o discernimento que elas contêm.

Harold Bloom (1930), in O Cânone Ocidental (pgs. 29/30).

domingo, 30 de dezembro de 2018

Só para lembrar


Passaram há pouco (10/12/1948), 70 anos, sobre a proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, apresentada na ONU, por Eleanor Roosevelt (1884-1962). Nunca é demais sublinhar que, em muitos aspectos, algumas mulheres são pioneiras e corajosas bastante para ir contra a corrente abúlica e de ondas mansas que predomina na Humanidade.



O TLS, como sempre oportuno, dedica um suplemento de 12 páginas - seu miolo temático - à efeméride, no seu número duplo (6038/9) da quadra natalícia. Com importantes contributos de personalidades conhecidas e intervenientes.
Das quais eu destacaria, especialmente, o testemunho de Vanessa Redgrave (1937) que, para além de ser uma excelente actriz britânica, sempre se destacou na defesa activa das causas essenciais humanitárias.



(Pena que eu não tenha conseguido scanar integralmente o seu texto, aqui no Arpose...)

Citações CCCLXXXVI


Se a liberdade significa realmente alguma coisa, é termos o direito de dizer às pessoas aquilo que elas não querem ouvir.

George Orwell (1903-1950), in The Freedom of the Press (1945).

sábado, 29 de dezembro de 2018

Flash


Estava frio na rua Anchieta, e a Feira de Alfarrabistas estava pobrinha de qualidade e, ao mesmo tempo, cara nas obras mais interessantes, para mim. Desencadernados, folheei 3 folhetos de José Daniel Rodrigues da Costa (1757-1832), sacados de alguma miscelânea oitocentista, para renderem mais, individualmente...
Pediam por cada um 25 euros, e eu achei caro. Vim embora de mãos a abanar.  

Para uma cenografia do passado


Invariavelmente, entre 24/12 e 1/1 do ano seguinte, nos meus primeiros vinte e poucos anos de vida, os meus espaços situavam-se num perímetro vimaranense que compreendia não mais de 800 metros quadrados, calcorreados naturalmente entre duas casas familiares. Sem mágoa excessiva ou saudades aflitivas, me lembro delas e das pessoas que, então, as ocupavam.
Mas recordo-me, com gula eterna, de um salpicão de língua de porco, tenríssimo e saboroso, que acompanhava, sempre, o Cozido à Portuguesa, do dia 25, no almoço de Natal. Porque esse, a partir de 1979, nunca mais lhe pus a vista em cima e não mais o consegui provar. A minha tia Ermelinda levou para a cova o segredo e o local onde o comprava, pouco antes do dia de Natal...


Divagações 139


Arriscando a contra-corrente mas, de certo modo, muito naturalmente pela época que atravessamos, o penúltimo TLS (nº 6037) aborda como temática: Deus. Nos aspectos tratados, a abordagem parece-me muitíssimo adequada. E até fiquei a saber de uma Santa Tecla, discípula inicial para além dos 12, citada pelos Evangelhos Apócrifos, que eu não conhecia,  nem nunca tinha ouvido falar.
Deus não é, seguramente e no momento actual, um tema que me fascine ou interesse, em particular, mas os artigos do jornal literário inglês não deixam de ser importantes e de agradável leitura. Um dos textos pergunta-se, em equação, qual a forma melhor de abordar a questão: se pela filosofia, através da ficção, ou pelo ensaio? Estranhamente, não fala da poesia, nem do teatro. Omissões que me pareceram imperdoáveis.
Godot, de Beckett, ou o  dono da Tabacaria, de Pessoa, que serão senão deuses mutilados pela imaginação humana, desejante? E, ainda há dias, de um poeta vivo português, li um livro, é certo que irregular na qualidade, em que Deus estava presente ou subjacente em quase todos os poemas. E não diria que por misticismo forçado, ou por pose meramente acidental...

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

Desabafo (40)


A caridade hipócrita natalícia não deixa de me surpreender...
Com o que ganham as empresas farmacêuticas, este anúncio, hoje publicado, é de uma indigência flagrante e vergonhosa. Que o salário-base proposto seja inferior ao salário mínimo nacional previsto para 2019 (600 euros), só pode surpreender pela desvergonha assumida.
Arre!

Memorabília (2)


Há quem guarde quase tudo. E há quem fique com muito pouco, do passado. A retenção de coisas inúteis, porém, está sempre associada a algum acontecimento marcante ou a algo de afectuoso e, muitas vezes, a uma experiência inicial, no tempo. Estes frágeis sinais servem também para pontuar um percurso e, mais raramente, para datar um encontro, que a memória decerto não conseguiria situar, depois, se não houvesse vestígios materiais e concretos. Note-se a curiosidade das cores dos ingressos, provavelmente, com vista às estatísticas: o rosa para visitantes femininos e o azul-bebé para visitas masculinas.
Estes dois bilhetes de entrada, do Museu Alberto Sampaio (Guimarães), e o horário escolar têm 60 anos. Em 1958, entrar no Museu vimaranense custava Esc. 2$50. Hoje, são 12 euros. Quase 100 vezes mais... E será que esta liricamente baptizada Biblioteca Musical, do Porto, que oferecia horários aos estudantes, ainda existe?


quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Transições (5)


Seguramente, estas duas obras vão atravessar comigo o ano e prolongar-se, em leitura, por 2019. Javier Marías é para mim uma iniciação e de Saul Bellow há muito que não lia nenhum livro, mas considero-o um grande escritor norte-americano. Tenho assim expectativas bastante positivas.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Para a iconografia do almoço de 25/12


Diga-se, de passagem, que o puré de castanhas (nas 2 tacinhas, à esquerda), que acompanhou a perdiz estufada à moda de Alter do Chão, deu imenso trabalho a HMJ, mas estava muito bom. Aqui se presta preito e homenagem à  artífice da manufactura gastronómica.
O vinho tinto era um Dão reserva da Quinta da Garrida, de 2013. As couves de Bruxelas, apesar do nome, eram nacionais - gentileza da CEE..:-)

Interlúdio 65


Há espaços assim, sobretudo, quando o tempo, pardacento, ajuda. Nem cá, nem lá, em que sobra silêncio lá fora e comida, cá dentro de casa... Não apetece começar nada de novo, quando muito, acabar o que foi ficando a meio do ano que vai quase no fim.
Altura, talvez, para convocar Schubert, por cerca de meia hora e ouvir a sua 8ª Sinfonia. Inacabada, mas bem bonita, por sinal.

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Comic Relief (147)


Politicamente incorrecto como manda o bom senso, desmanchando a regra e afrontando "o coro dos pequenos ministros de Lisboa" (Jaime Gama dixit, e muito bem), as tias inquisitoriais e o partido unipessoal e pudibundo do nosso Parlamento português.

Mercearias Finas 138



A saudade também tem vocação natalícia, mesmo que a não queiramos convocar ou ter por perto.
Iniciei-me na Mosca, em finais de 1968, ali para as bandas de Santa Apolónia. No bar da instituição militar quotidiana, era a única aguardente velha que havia e, democraticamente, era apreciada pelos cabos, sargentos, milicianos mesmo que requintados, e até mesmo pelo major Gaspar, que comandava o departamento, com o seu fino bigode à Errol Flynn e algum, morigerado, liberalismo marcial.
Depois dos cafés, os cálices eram bem pequenos, para não prejudicar a actividade produzida pelos serviços de informação e segurança, que se albergavam nas quatro paredes da instituição. E os milicianos, já muito pouco afectos à fé e muito menos ao regime, e, alguns deles, até confessos marxistas, que trabalhavam as FTI's e outros documentos, muitos deles provindos das (ex-)Colónias,  e que precisavam de lucidez bastante para elaborarem os semanais PERINTRANSREP,s (há dois Pedros, um pintor e outro ex-ministro que, se lerem este poste, sabem destas siglas aberrantes...). Naquela amálgama de gente, era flagrante e notório que o regime estava já minado por dentro.


No meio deste albergue espanhol, eu era um dos mais inocentes. Foi por essa altura que comecei a ler Le Nouvel Observateur, que o Martins, marxista confesso, assinava, consubstanciando, assim, teórica e ideologicamente, a minha ainda frágil cor política. Mas apanhei-lhe, também, o gosto, à Mosca. Ainda a fui comprando, depois de integrar a vida civil e enquanto a  José Maria da Fonseca a foi produzindo, estagiada que era passando pelos cascos envelhecidos e sabendo ao Moscatel de Azeitão, no travo macio posterior, prolongado.



Depois, acabou-se, deixei de a ver nas gôndolas das grandes superfícies, por meados dos anos 80, embora ela já viesse do longínquo ano de 1937. Provavelmente a aguardente moscatel teria deixado de ser moda, no consumo, e a empresa a tivesse deixado cair no esquecimento e sair do seu rol de produtos.
Anteontem, porém, voltei a vê-la, ressuscitada, e não resisti. Embora mais cara (cerca de 17 euros), era tão boa como outrora, que já a provei, nos seus 37º harmoniosos, e posso dar testemunho do aroma e do seu fino sabor a Moscatel...

John Lennon - Happy Xmas (War Is Over)


John Lennon, infelizmente, não tinha razão: é Natal, mas a guerra ainda não acabou...

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Impromptu (39)



Epigrama de Natal


Havia tantas coisas a lembrar
mas a pressa é tanta
de chegar a tempo,
que fui deixando as memórias no caminho
e até me esqueci do guarda-chuva, em casa,
para o que der e vier
lá de cima.



Sb., 24/12/2018.

Bibliofilia 168


O Natal é, provavelmente, uma das temáticas mais frequentada pelos escritores portugueses.
Da crónica (Fialho, Ramalho Ortigão) ao conto (Eça, Sophia, Sena), passando pela poesia (Régio, Eugénio de Andrade, Mourão-Ferreira), a quadra natalícia foi abordada, exaustivamente, na literatura portuguesa, de forma melhor ou pior.
Continuo a achar que a melhor antologia que se fez, de textos literários, sobre este tema, foi editada e coligida por Vitorino Nemésio, em 1944, sob o título O Natal Português. Mas já  falei dele, aqui, no Arpose, a 23/12/2013 (Bibliofilia 93). Relembro, pela qualidade, o Cancioneiro de Natal (1972), de David Mourão-Ferreira, com dois ou três belíssimos poemas alusivos.
E não posso deixar de referir, porque seria pecado não o fazer, nesta altura do ano, O Natal na Arte Portuguesa (1965), de José Régio. Para iconografia deste poste, escolhi dois livrinhos menos valiosos, mas que não deixam de ser interessantes. O Natal em Portugal (1955), em que Luís Chaves foca as tradições beirãs desta época; e um belo conto de Jorge de Sena (A Noite que fora de Natal), escrito no Brasil (Araraquara), e editado pela Estúdios Cor, em Dezembro de 1961.


Logística para a Consoada


A Administradora de logística da ucharia cá de casa, avisada e paulatinamente, já providenciou para que não faltassem os Mexidos de Guimarães e os Bolinhos de Jerimu, que já se encontram sobre a mesa que há-de ser da Consoada. O Bacalhau vai demolhando, há quase 2 dias, e já ganhou corpo e altura.
Só o Adegueiro-mor é que ainda não se decidiu sobre os vinhos...


domingo, 23 de dezembro de 2018

Balanços e atitudes


Enquanto Stig Abel (TLS), no seu editorial, renova um propósito de rigor crítico e literário para o jornal denunciando, ao mesmo tempo, a morte dos peritos (ou especialistas de temas) na sociedade actual, em que todos falam de tudo num populismo desbragado, sem critério de grau, o director da Lire, Baptiste Liger, anuncia, entre o pomposo e o justificativo, a passagem, pela primeira vez, da escolha de 20, para 100 livros, este ano, na sua revista. Onde se inclui François Hollande (Leçons de Pouvoir) e Le Lambeau, de Philippe Lançon, um dos poucos sobreviventes do massacre do "Charlie Hebdo".
No fundo, duas formas de ver a cultura literária: parcimónia e generosidade de mãos rotas - convenhamos...


Recuperado de um moleskine (32)


Nos últimos dias, impetuosamente, o Reno subiu mais 6,80 metros e o Mosela, ultrapassando-o, 9. As águas já lambem as bermas das estradas, por causa das chuvas diluvianas oriundas da Floresta Negra. Nascem pequenas ilhas irreais, aqui e ali. E a viagem, pela marginal, até parece fazer-se de barco.
Três pombas, um corvo, duas rolas nervosas e uma pêga terão sobrado da arca e procuram um lugar seco onde pousar... Um homem, no caiaque, tenta contrariar a corrente do Reno, com gestos aflitivos ou, pelo menos, desordenados. Só um grupo de patos selvagens assume, em tudo isto, uma postura  calma e quase normal.
Como eu, depois, dentro do metropolitano aquecido me encaminho, já tranquilo, para Colónia.

Carlos Poças Falcão (1951)


Se as mimosas voltarem em fevereiro
saberás ainda falar? Por onde vinha a voz
entra agora, rouco, o mundo. Levando o ouvido à terra
percutem os tumultos em vez de um coração.

Leva a mão à face: não sentes a caveira?
O tacto descobre o teu redil mais duro
e dos olhos sem fundo desampara-se a visão.

Olha estas paisagens: fieiras de janelas
e árvores de nãos - são assim os dias úteis
entre imagens secas, sereias emboscadas.

Como haver ainda voz para um poema?
Que dirá dos mortos o mês de fevereiro?



Carlos Poças Falcão, in Sombra Silêncio (2018).

sábado, 22 de dezembro de 2018

Apontamento 119: Olá amiguinhos !





Aproveito o final deste ano para agradecer a todas as Sandrinhas Brancas que têm contribuído para esclarecer o verdadeiro sentido da palavra AMOR, antigamente apenas limitado ao amor de mãe ou de Deus.

E temos encontrado muitos amiguinhos que nos apoiam a sobreviver na rua, quando uns malvados nos põem fora de casa. Hoje, o repasto era opíparo e em grande quantidade.



Até dava para trocarmos uns dedos de conversa com os ratos da cidade durante a noite.

É pena que existam citadinos que nos querem ver longe dos seus prédios, insistem no seu sossego durante a noite e se batem por espaços civilizados e limpos, em defesa de uma higiene urbana. Mas eles nem merecem sequer respostas. De facto, esta gente não compreende o verdadeiro sentido de amor e não entende o que são cidades abertas e de inclusão.

Post de HMJ

Duas imagens para a Quadra - os mesmos votos cordiais


A perspectiva ecológica, usando um design inofensivo e estilizado, ou o aspecto mais natural de um horto incubador destinado à epoca natalícia, aqui ficam para desejar as Boas-Festas aos nossos Amigos, aos estimados Comentadores fiéis, bem como aos nossos Seguidores, ainda que se não manifestem.
Bom Natal e um melhor 2019!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Interlúdio 64


Ao longo de todo o ano, todos os jornais vão publicando encartes publicitários, algumas vezes temáticos, muitas vezes propagandeando autarcas do interior português, que pretendem ser reconhecidos para além das suas paróquias regionais. Esta publicidade é paga, evidentemente, e não deve ser barata...
Agora, pela quadra natalícia, o jornal Público não tem tido mãos a medir.
Calhou hoje a vez à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA). Que escolheu Pêerres, para a nobre capa, daqueles que foram eleitos democraticamente por sufrágio universal. Às tantas, dei por uma omissão iconográfica. Mas não faz mal: as achas são para a fogueira...
Ora, adivinhem quem falta!

Citações CCCLXXXV


Há duas formas de conhecimento. Ou sabemos de determinado assunto por nós próprios, ou então sabermos onde procurar informações sobre ele.

Samuel Johnson (1709-1784), in Boswell's Life of Johnson.

Zbigniew Preisner - Tu Ne Tueras Point (DEKALOG V)


Um pequeno excerto da banda sonora de Preisner, para o episódio V de "O Decálogo", de Kieslowski.

Recomendado : setenta e seis - "O Decálogo" de Krzysztof Kieslowski (1941-1996)


Tenho uma particular admiração pela obra do cineasta polaco Krzysztof Kieslowski, cujos filmes eram acompanhados, normalmente, pela grande qualidade das bandas sonoras do compositor Zbigniew Preisner (1955), seu amigo e colaborador. Bastaria mencionar a Trilogia das Cores (1993/4).
Sendo canónico, pela quadra natalícia, verem-se filmes inocentes e de temática infantil, calhou, involuntariamente, que eu tenha vindo a assistir, nos últimos dias, a uma série produzida para a televisão polaca (1988/9), intitulada O Decálogo, desse cineasta.
Inspirada numa obra escrita no século XV, Kieslowski adaptou ao cinema, estes dez episódios (Não roubarás, Não matarás ...) que pontuam um código bíblico ético de conduta humana, e as suas transgressões. Da sua execução fílmica, resultou uma obra densa, dramática, pesada e exemplar, mas de grande maturidade artística. E estimulante pelos temas que reflecte e sobre os quais nos faz pensar.
Em boa hora, a Televisão Pública digital argentina, ou alguém por ela, resolveu registar no Youtube, este trabalho de qualidade de Krzysztof Kieslowski. Enriquecendo-o com uma introdução e posfácio, primorosos, do jurista e criminólogo Eugenio Zaffaroni (1940), em cada episódio.
Clicando El decálogo de Krzysztof Kieslowski, chega-se lá, no Youtube, com legendas em espanhol. E, muito embora pela densidade madura e dramática da série, comummente ela não seja, para os puristas tradicionais, aconselhável na quadra natalícia, eu considero-a imperdível. Ainda que talvez noutra altura do ano - concedo, naturalmente...

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Regionalismos ilhavenses (10)


Raramente se pensa, ao ler monografias como esta Palabras co bento no leba (2018), de Domingos Freire Cardoso, no tempo, trabalho e preocupações que deram aos seus autores, ao longo da sua aturada execução, ainda que tenham contado com a colaboração de amigos e outras pessoas da terra  e arredores que, desinteressadamente, foram dando uma ajuda e alento para que a obra chegasse a bom porto.
Hoje, vamos dar conta de expressões começadas por n e o, no conjunto das quais 1/3 estão relacionadas com a vida marítima, nomeadamente, com a pesca do bacalhau. Seguem-se:

1. Nêpas - luvas grossas ou argolas com um sulco por onde corria a linha de pesca; usando-as, os pescadores do bacalhau evitavam que ela lhes cortasse as mãos (do Inglês "nip/ nipper", relativa a garra, turquez, pinça, pois também prendia a linha).
2. No dar o lé c'o cré - são coisas díspares, incompatíveis.
3. No ter corrume - não ter mais conserto.
4. Nosgómito - pessoa esquisita; nome depreciativo que se chama a alguém.
5. O caga-no-lanço - capitão com muita sorte na pesca do bacalhau.
6. O da bista baixa - o porco (animal).
7. Ôirêlo/ Ôirejo - juízo, discernimento, saber o que nos convém.
8. Onze - diz-se que os pescadores não queriam o dóri número onze, pois este número representa o marido atraiçoado pela mulher.
9. Ousio/ Uzio/ Izio - confiança, desculpas.

Quando a Meo nos deseja as Boas-Festas, inopinadamente, a...


...quem devemos agradecer e retribuir?
Ao CEO, da Altice, pimba e foleiro, com a sua cruz ao peito, e excesso de gel na tola? A algum acrisolado proletário, a recibo verde? A um computador perito em algoritmos?
Ou apenas à hipocrisia humana que, pelo Natal, normalmente se excede em caridade e requinte?

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Osmose 100


Era um rapaz da minha rua... - disse eu a alguém próximo, aqui há uns tempos, antes de uma cerimónia oficial, em que ele, pintor consagrado, era figura central.
Por linhagem, estes amigos de infância gozam de uma imunidade especial, muito embora as afinidades e a intensidade do afecto possam não ser as maiores, no agora. Que outros vieram, entretanto, com mais força e fidelidade. Atenção e persistência, que não se compadece com o que é volúvel, episódico circunstanciável e leve.
Pelo meio, houve afastamentos, silêncios inexplicáveis, equívocos que duraram pouco, desencontros essenciais, mudanças de rumo, mortes inesperadas, mas também, às vezes, ressurreições maravilhosas - sei do que falo.
E o Natal, aqui tão perto...

Palavras


De algum modo, as palavras valem o significado que lhe queiramos dar, intimamente. Desde que não se afastem em excesso da sua origem e parentesco iniciais. Mas há sempre um amplo halo significante em volta delas que permite, por exemplo, a respiração alargada de um poema, com possíveis interpretações diferentes, entre vários leitores.
Nesse capítulo, o cerne da verdadeira grande poesia reside na sua riqueza de associações que a experiência diversificada, de cada um, lhe pode dar. A identificação perfeita, entre o que o poeta escreveu e o leitor leu, nunca será conseguida ou atingida, muito provavelmente. E talvez nem seja isso o que o autor pretende. Mas tão só vir a descobrir-se numa outra realidade alheia.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Miscelânea sacro-profana, ou a sabedoria de sair a tempo...


Não foi com absoluta indiferença que, hoje, soube que José Mourinho foi despedido do Manchester United, apesar do futebol não constituir, para mim, um motivo de especial atenção e interesse crucial.
Muitas batalhas se ganharam com simuladas retiradas, seguidas de contra-ofensivas - é da História. Mas, a arte de sair ou de retirar a tempo, implica um desapego e uma sabedoria de que poucos são capazes. Até Napoleão, grande estratego, nem sempre a soube exercer com frieza e inteligência.
Por isso, as atitudes de Álvaro Cunhal e de Bento XVI, que hoje relembro, merecem todo o meu respeito.

Glosa (15)


Ao fazer a tradução do anterior excerto de Paul Valéry, lembrei-me, em simultâneo, de Pablo Picasso e de Herberto Helder, como potenciadores de um público novo ou muito próprio, pela sua ruptura artística com o passado. E que Valéry classifica, em geral, como a segunda corrente de criadores.
Porque a Arte evolui pouco a pouco, e só gradualmente se vão alterando os cânones onde se insere a maior parte dos seus agentes. O que permite habituar, sem transtornos, a corrente maioritária do público e amadores a esse ligeiro e gradual evoluir. Sem qualquer perturbação estética de maior.

Criador e criatura


Certas obras são criadas pelo seu público. Outras criam o seu próprio público.
As primeiras respondem às necessidades da sensibilidade natural média. As segundas criam necessidades artificiais que, ao mesmo tempo, conseguem satisfazer.

Paul Valéry (1871-1945), in Choses Tues (1930).

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Uma fotografia, de vez em quando... (116)


Quem frequenta o Arpose, já se terá apercebido decerto que eu privilegio a fotografia a preto e branco, muito embora não exclua, totalmente, a iconografia a cores quando a qualidade o merece e justifica.



Será o caso da obra excepcional do fotógrafo italiano Luigi Ghirri (1943-1992), que teve vida breve, porque o coração o atraiçoou muito cedo, embora a revista Life tenha dado por ele, ainda a tempo da sua colaboração.



Nas suas fotografias, Ghirri parece ter arredado tudo aquilo que seria supérfluo, fixando apenas o essencial da beleza, claridade e da geometria. Talvez seja por isso que eu tenho grande dificuldade em falar das suas fotos. E apenas me apeteça dizer que as suas imagens me convocam, por associação inesperada, alguns quadros de Hopper, Morandi e Chirico, muitas vezes.


domingo, 16 de dezembro de 2018

Oportunidade perdida


Há livros que nos agarram logo nas primeiras linhas. Sirva de exemplo Camilo e as suas Cenas Contemporâneas, que abrem assim:
Os meus amigos de certo não sabem o que é caçar coelhos na neve?
Não admira. ...
Mas não há muitos Camilos. Tenho, no entanto, para mim que o interesse, ou não, de um livro, para o leitor, se esclarece nas primeiras 10 páginas, quando muito ao acabar o primeiro capítulo. Raramente as coisas se alteram radicalmente depois - os dados estão lançados, a relação de agrado ou penoso sacrifício de leitura começa a ser fatal.
Com este A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón (1964), eu fui caridoso: li atentamente até à página 66, apesar das metáforas serem puxavantes (...o meu rubor, que teria bastado para acender um charuto a um palmo de distância...[pg. 30]) e foleiras, muitas vezes, do estilo ser banal, a construção das personagens, muito frágil; depois, comecei a ler salteado e com batota, até à página 78. E agora estou a pensar desistir, por aborrecimento.
Mas estou quase certo de que quem gostou do filme "O Clube dos Poetas Mortos" (1990) e da novela "O Clube Dumas" (1993), de Pérez-Reverte, é muito bem capaz de vir a gostar deste A Sombra do Vento (2001), primeiro livro da quadrilogia muito badalada de Zafón. Como gostaram dele, nas Correntes da Escrita, de 2006, na Póvoa de Varzim. É  tudo uma questão de ar do tempo, de leveza e  tema, de estilo...

sábado, 15 de dezembro de 2018

Revivalismo Ligeiro CCXL



Esta foi, creio, a primeira versão de Smoke gets in your eyes, das muitas que fui ouvindo, depois, por outros intérpretes. Numa idade que acaba por ser o cerne ou centro, em volta da qual, se limita, muitas vezes, o pico da cristalização essencial do gosto e da memória musical de cada um. Continuo a pensar que, neste caso, The Platters são ainda a melhor opção. Aqui ficam...

Divagações 138


No Mercado, a dona Irene lacrimosa, soluçando a tuberculose inesperada de uma jovem parente sua, de 21 anos, tinha o pinhão a 70 euros, o quilo. Mas eu, este ano, até já o vi mais caro, e menos bonito.
Daí, algumas confeitarias, por vezes, fazerem uma vaquinha com caju e até amendoim torrado que, como vem de África, sempre fica mais barato e dá mais lucro no Bolo-rei vendido. Como já notei, aqui há dias.
Porque isto de tradições é tudo uma questão formal e de parecer. Mas também de contágio, como a tuberculose. Quem já passou Natal e Ano Novo, sozinho, alguma vez na vida, sabe que o facto pode nada ter de dramático ou infeliz. Sobretudo, se for depois de um enorme dia de trabalho...
Desde que haja uma fatia de Bolo-rei, com pinhões autênticos, e outros com casca, mesmo que não esteja ninguém à beira, com quem jogar o Rapa (,tira e põe), como a lembrar a infância de outrora.
Não farei coro com Sartre, a dizer que o Inferno são os outros, mas o Comércio é que leva à obrigação devota e clonada de afivelarmos, por uns dias, esta máscara de solidariedade e alegria, formais, sem mesmo reflectirmos, realmente, se estamos de bem com a Vida. E com os outros...


quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Pinacoteca Pessoal 143


Nascido em Praga, de uma família de aristocratas, Józef Czapski (1896-1993), escritor e pintor, foi testemunha presencial da duas Grandes Guerras, embora, também, um declarado pacifista. E um dos poucos sobreviventes do massacre de Kattyn.


Influenciado por Cézanne, a sua obra pictórica, no entanto, não reflecte os horrores das duas guerras, por que passou, talvez por uma omissão voluntária e pessoal.