quarta-feira, 31 de julho de 2013

Uma fotografia, de vez em quando (11)


Vai hoje o Blogue, quase totalmente, sob o signo da Água. Por isso, esta fotografia outrabandista, de Augusto Cabrita (1923-1993), onde uma falua parece pairar, tranquila, sobre as águas do Tejo.

Pinacoteca Pessoal 56 : Signac por Rysselberghe


Esta tela, executada em 1896, reúne dois pintores amigos: Paul Signac (1863-1935) retratado por Théo van Rysselberghe (1862-1926). Tinham de comum a paixão pelo mar. E pertenciam ao denominado grupo dos neo-impressionistas, onde também pontificava Georges Seurat (1859-1891). Muito embora o pintor belga Rysselberghe, não seja excessivamente conhecido, este retrato de Signac parece-me excelente.
A tela pertence a uma colecção particular.

Citações CXLV : Montaigne


(Sobre a Amizade, concretamente, sobre o seu amigo Étienne de la Boétie)

"Se me obrigassem a dizer porque gostava dele, sinto que não o poderia exprimir senão dizendo porque era ele; porque era eu."

Michel de Montaigne (1533-1592).

terça-feira, 30 de julho de 2013

arte menor (12)


Criação

Esta dura crueza de navio
à deriva, seguindo a tempestade,
aguarda essa palavra que inicia
todo um começo sem saber o fim.

Dum silêncio nocturno vem a lume
a força, e um caroço se liberta
de mim, como de um fruto que apodrece
sem saber - por dentro.

Sb., 26-30/7/13.

Regionalismos minhotos (45)


Terminamos, hoje, esta escolha que temos vindo a fazer, com base nos dois voluminhos do Vocabulário Minhoto, de M. Boaventura. Daí, o número de regionalismos ser maior, passando dos habituais 6, para 9, neste poste. Veremos, se será possível dar continuidade à temática (Regionalismos), através de palavras menos usuais, de outras regiões portuguesas. O tempo dirá... Para já, aqui vão os últimos do Minho:

1. Urraca - volta de cabo para puxar a vela. Água-pé ordinária.
2. Varar - conduzir, levar por sobre a praia.
3. Vazalheiro - linguareiro.
4. Vingada - madura.
5. Xinxadela ou Chinchadela - ferroada, ferradela.
6. Zarro - pateta.
7. Zóla - bebedeira.
8. Zungar - fungar, atirar pelo ar fora.
9. Zurato - doido, casa de doidos, hospício.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O circo


Nestes tempos mais recentes, tenho evitado, conscientemente, abordar a indigência da nossa política do dia a dia ou, até, fazer postes sobre alguns dos muito diversos aspectos ridículos e patéticos que vão ocorrendo, e que mereceriam, certamente, um sublinhado. Mas tenho as minhas razões.
Diziam (as más línguas?) que, dia em que não aparecesse o seu nome, pelo menos num jornal diário, mesmo que fosse a dizer mal, Fernando Namora ficava indisposto. Porque, se dissessem mal, ele podia contraditar. E o escritor sabia bem a força da publicidade.
Seguro cada vez mais se parece com Roberto Benigni, naquele seu ar de menino triste, desconchavado e banal; à pinóquia das finanças não lhe cresce o nariz, mas devia, e o maduro, para ter crédito, deveria perder aquela voz de cana rachada, que não ajuda nada.
Quanto aos palhaços, acho que já, por aqui, falei o suficiente...

Expo. Barcelona 1929


A 20 de Maio de 1929, o rei Afonso XIII inaugurou a Exposição Internacional de Barcelona, que se manteve aberta ao público até 15 de Junho de 1930. Mas já antes, houve um esforço concertado, por parte dos espanhóis, no sentido de difundir a iniciativa, de que as vinhetas, que encimam este poste, são um bom exemplo. Eram coladas na correspondência, para correrem o mundo e publicitar a Expo. 29.
Cerca de 20 países europeus fizeram-se representar, mas também a América Latina tinha os seus pavilhões, bem como os E. U. A.. Mas o pavilhão mais surpreendente e que concitou a admiração geral foi o Alemão, projectado por Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969), uma das suas melhores obras e que, ainda hoje, pode ser visitado, em Barcelona (ver vídeo, abaixo). Este acontecimento contribuiu para colocar a Espanha na lista dos países europeus mais desenvolvidos.

A par e passo 51


Cada família segrega um tédio interior e específico que faz fugir cada um dos seus membros (enquanto lhe resta um pouco de vida).
Mas ela tem também uma antiga e poderosa virtude, que reside na comunhão em volta da sopa do jantar, no sentimento de estar entre si, e sem maneiras, tal como se é - grupo de pessoas que estão entre elas tais quais são.
Poder-se-á então concluir que a família é um meio onde o mínimo de prazer com o mínimo de sem cerimónia, convivem em conjunto.
...
O número dos nossos inimigos aumenta na proporção do crescimento da nossa importância.
- O mesmo acontece com o número dos nossos amigos.

Paul Valéry, in Tel Quel II (pg. 266).

domingo, 28 de julho de 2013

Uma dúzia de greguerías ramonianas


1. No mais alto e íntimo da noite compreende-se que os faróis vivam para si mesmos.
2. Há umas nuvens que são como novelos de penas escapadas ao colchão do céu descosido por algum lado.
3. O moscardo recorre a todos os claustros da casa ressoando como um frade desesperado.
4. Quando as botas soam no vazio é que a alma está muda.
5. É uma comovente cena filial a do ciclista que se agarra à traseira de um automóvel.
6. Os anjos da guarda dos músicos deviam ser eles a passar-lhes as folhas da partitura.
7. As costelas não servem senão para localizar as dores. «Dói-me entre esta e esta.» São a pista para o diagnóstico.
8. Todos temos cara de palhaços ao ensaboarmos a cara.
9. Para que o cabelo volte a crescer não há outro meio senão fazer uma viagem pelo peloponeso.
10. Os aplausos têm algo de parecido com as costeletas: muito osso e pouco que comer.
11. Panaceia é a cesta do pão.
12. Quando a mulher pede salada de fruta para dois, aperfeiçoa o pecado original.

Alice


Sabe bem, como ontem me aconteceu, rever uma cara amiga, mesmo que tenha sido na RTP2, em entrevista ao "Bairro Alto". Alice Vieira (1943) mantém a vivacidade transbordante e a alegria de viver, que sempre lhe conheci, bem como o sentido solidário de estar com os outros.
Mas deixou também alguns apontamentos pitorescos que me fizeram sorrir. Desde as mutilações "politicamente correctas" que se fizeram, e têm feito, às obras de Enid Blyton (a cerveja de gengibre, que os jovens bebiam, transformada em limonada, para não chocar as almas cristãs e sensíveis), até à tradutora portuguesa que achava que as criancinhas não tomavam banho e, por isso, de tantas em tantas páginas, intercalava um banho, que não existia no livro original - devia ser muito limpa, esta senhora...
E, depois, aquela carta do despedimento do jornal onde escrevia (DN?), em que se desculparam dizendo: que gostariam de ter uma "informação mais aconchegante" (bonito!). Alice não percebeu, na altura, mas poucos dias depois, ao ler um título da primeira página desse jornal (dizia: "Professor badalhoco viola aluna") compreendeu o alcance do "aconchegante".

sábado, 27 de julho de 2013

Cioran (1911-1995), sobre o passado


21 de Julho de 1968

Por uma estrada solitária, reflecti ao princípio da tarde sobre o facto banal e, no entanto, assustador do passado, de todo o passado enquanto tal: onde estão os anos que eu vivi? Quando penso que este instante em que me atormento se reunirá, num instante, ao imenso cemitério temporal que é cada existência, eu perco os últimos restos da vontade de durar.

E. M. Cioran, in Cahiers - 1957/1972 (pg. 600).

Provocatoriamente


O fermento demora a levedar, e há que dar-lhe o tempo necessário para que o pão seja perfeito.
Olhando o passado, sem grandes preocupações de rigor, pode concluir-se que haverá, em cada país, no máximo uma ou duas revoluções por século. E depois de uma revolução, as gerações seguintes vão amolecendo como a gelatina dos relógios de Dali. O conformismo instala-se: atiram-se, de vez em quando, umas pedras, à polícia, por desfastio; acampa-se, indignadamente, nas praças mediáticas, ou, cacafonicamente e de forma acarneirada, mostra-se uma revolta cristã e inconclusiva, pelos feicebuques e linquidins que a NSA, com paranóia mormónica persistente, vai registando. Tudo fogo de vista.
O que sobra de revoltados autênticos não chega para fazer uma revolução, mas apenas para pequenos atentados suicidas que, no fundo, pouco adiantam. Porque grande parte da adolescência se vai preparando, muitas vezes a conselho indirecto dos pais, para o desemprego, a resignação, a impotência ou o individualismo desenfreado. Mas também se pode entreter (depende da cultura) com as revistas róseas, os bebés reais, os papas franciscanos, os futebóis, as novas tecnologias e os aviários políticos. É só escolher a disciplina...
É por isso que os governantes e pacifistas europeus podem dormir descansados. Não haverá, tão cedo, Brigada Rossa, nem Baader Meinhof (RAF) ou FP-25. Nem sequer, em forma mais soft, um novo MFA.
Quando muito poderá haver Primaveras Árabes ( que é feito da Síria, não me dirão?!) que depois dão para o muito torto ou, como diria o povo, na sua sabedoria milenar: é pior a emenda que o soneto...

sexta-feira, 26 de julho de 2013

As guerras assépticas e metafísicas de Obama, ou "Arbeit macht frei"


Os duelos tinham regras cavalheirescas e eram um jogo bélico feito de equilíbrios. Nas guerras antigas há variadíssimos exemplos, hoje talvez incompreensíveis e irónicos, das normas e rituais de quem havia de disparar primeiro. A I Grande Guerra, tirando o gás, formatiza-se ainda sob regras humanas de respeito e princípios. Tudo começou a descambar com a II Grande Guerra, com a bomba atómica, as V-2 e o napalm. O desequilíbrio instalou-se, em definitivo, como lei selvagem permitida e aceite. Por força dos mais fortes.
Os drones são a última arma posta em prática. Se, dantes, na guerra, quem matava sabia que podia morrer, gerando-se assim um comportamento de equilíbrios, o uso desta última arma permite branquear as consciências, de uma forma perversa. Como se tudo não passasse de um agressivo, mas inócuo jogo de computador. O manuseador de um drone pode, às 17h00, matar 100 pessoas e, às 19h00, chegar a casa e brincar, tranquilamente, com os filhos. Depois, janta, vê a TV, deita-se, lê um pouco e adormece na paz dos anjos. Os carrascos de Auschwitz ouviam Schubert, na maior das tranquilidades de espírito...

Nota: para quem não saiba, o letreiro Arbeit macht frei (O trabalho liberta) encimava o portal de entrada dos campos de concentração nazis.

2 haiku : Inverno e Verão


Noite após noite
a minha sopa de legumes
acompanha a neve.

Kobayashi Issa (1763-1827).
....

Frescura do vento -
o marulhar dos abetos
enche o céu vazio.

Yasuhara Teishitsu (1609-1673).

Toponímia


"...Apesar desta fixação humana, o território de Cascais - como aliás toda a região litoral a ocidente de Lisboa - era considerada terra bravia e despovoada nos começos da nacionalidade. Coberto de matas, de carrascais e de charnecas, salientava-se apenas pela criação de aves de caça (açores), muito considerados pela sua boa qualidade e formosura, como escrevia Al-Rasí no século X, e cuja tradição remontava provavelmente a épocas mais recuadas. Foi uma dessas reservas de criação, chamadas em baixo-latim asturil (de astur, açor), que originou o nome Estoril. Ainda em meados  do século XIII se escrevia o topónimo com u (Sturil), existindo aí uma vasta herdade, doada pelo rei D. Afonso III ao seu valido, o chanceler Estêvão Eanes. ..."

A. H. de Oliveira Marques, in Novos Ensaios de História Medieval Portuguesa (Presença, 1988).

quinta-feira, 25 de julho de 2013

12 poemas para o século XX português: uma escolha pessoal


Por mero acaso fui, hoje, parar a um velho poste (2010) do Blogue, onde seleccionei os meus 10 romances portugueses preferidos, no séc. XX. E dei-me, depois, a pensar nos meus poemas portugueses predilectos, do século passado. É minha convicção que 4 ou 5 poemas podem fazer um grande poeta; até mesmo só um poema, será suficiente, porque as obras, de uma forma geral, são irregulares na perfeição. E aqui deixo, para desfazer o canónico número 10, doze poemas portugueses de que gosto, particularmente. Uma parte deles consta do Arpose, outros não. A ordem é arbitrária, e gosto deles, por igual. Seguem:

1. António Nobre - Soneto 12 ("Não repararam nunca?...").
2. Camilo Pessanha - "Branco e Vermelho".
3. Cesário Verde - "O Sentimentalismo d'um Ocidental" ("Nas nossas ruas...").
4. Fernando Pessoa - "Tabacaria".
5. Miguel Torga - "Bucólica".
6. Jorge de Sena - "«Pot-pourri» final" ( in"Arte de Música").
7. Vitorino Nemésio - "Pus-me a contar os alciões chegados...".
8. Sophia Andresen - "Meditação do Duque de Gandia...".
9. Eugénio de Andrade - "To a Green God".
10. Alberto de Lacerda - "Diotima".
11. Alexandre O'Neill - "Portugal".
12. Ruy Belo - "Para a dedicação de um homem".

Nota pessoal: espero não me ter esquecido de alguém e ter sido justo, pelo menos, para comigo mesmo... (E peço desculpa, a quem me ler, por ter feito batota, ao incluir António Nobre e Cesário Verde, para desfazer o canónico número 10...)

Do "Almocreve de Petas", de José Daniel Rodrigues da Costa (1757-1832)


Boqueirão da Moita 10 de Dezembro

Consta por avisos repetidos de pessoas de todo o crédito, que por todo este mez não tem vindo do Aléntejo para Lisboa senão sugeitos muito limpos, e asseados; porque os porcos são lá precisos.

José Daniel Rodrigues da Costa, in Almocreve de Petas (pg. 3).

Mercearias Finas 75


Recebia-se bem, no Portugal de antanho. Ou, pelo menos, na Invicta, no ano já longínquo de 1951. A benção das instalações "petrolíferas" terá contado, por certo, com o sr. Bispo do Porto. E, sem dúvida, com a presença do todo poderoso grande senhor da Sacor: o engenheiro Duarte Amaral. É pena que, na ementa, não venham discriminados os vinhos...
Do menu, retenho, com nostalgia, a Língua Afiambrada, que já não me passa pelo estreito desde 1978, num magnífico banquete de baptizado, em Vila Verde (Braga). Mas também não sei o que seriam: os Petit-bouchés de aves ou as Gemas reais. Coisas boas, com certeza...

com agradecimentos a A. de A. M..

4 poemas curtos de W. H. Auden, traduzidos


Shorts

Compra um desafio, vai à guerra,
Deixa o herói num bar;
Caça o leão, trepa até ao pico;
Ninguém há-de pensar que és susceptível.
...
Começo a ficar impaciente
Com os meus contactos pessoais;
Não são tão profundos quanto eu quero,
E acabam por me sair bem caros.
...
Honremos se possível
O homem vertical,
Embora o valor vá quase todo
E apenas para o horizontal.
...
Caras públicas em públicos lugares
São mais sábias e bonitas
Que as expressões públicas
Em lugares privados.

(1929-1931)

Divagações 51


Nem sempre a música que nos adormeceu, na noite anterior, é aquela que amanhece connosco. O sono mudou-lhe o tom.
E, se vem uma palavra ou frase, obsessiva e matinal, ou até mesmo um estribilho cantante, é bem possível que sejam sequelas de um último sonho - de que já nem nos conseguimos lembrar.
Pode ser que, os dias e as acções que os ocupam, venham de algo mais íntimo, profundo e misterioso. Que não conseguiremos, nunca, descobrir.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Curiosidades 76


Pensava eu que eram um passatempo muito antigo, quando soube, há dias, que, na sua versão actualizada, com casas a negro, as Palavras Cruzadas cumprem apenas o seu primeiro centenário a 21 de Dezembro de 2013. São uma invenção aperfeiçoada do violinista americano, de origem inglesa, Arthur Winne (1871-1945). E foi, em 21/12/1913, que, no suplemento "Fun" do jornal "New York World", apareceram pela primeira vez. Aliás, sem grande sucesso inicial. Mas, rapidamente, foram ganhando crescente popularidade.
Devo-lhes muito: entretenimento em longas esperas entediantes, o conhecimento de inúmeros vocábulos (aca, ata, alor...) que, de outro modo, decerto não conheceria; e um constante exercício de memória, porque ainda hoje as faço, com gosto.

Idiotismos 21


O artesanato profilático industrializou-se definitivamente ao longo do séc. XX, mas ainda me lembro bem que uma boa parte dos medicamentos era feita no interior das próprias famácias, normalmente, na retaguarda. Depois, as mezinhas, hóstias ou comprimidos eram acondicionados em pequenas caixas de cartão, com indicação da procedência e componentes do remédio - como se pode ver na primeira imagem.
Mas era da expressão ser-se pílulas que eu queria falar. Que ainda hoje significa ser avariado da cabeça, não regular bem... Há quem defenda que viria do facto de ao se abrir essas caixinhas de cartão, sem precaução e cuidado, as pílulas se espalhavam e caíam. E também há quem diga que foi por ter havido alguns acidentes (e os actuais laboratórios farmacêuticos ainda hoje os têm...) na composição das pílulas, que se começou a usar a expressão popular: ficar pílulas ou ser pílulas (com o tomar dos comprimidos).
Termine-se com uma quadrinha popular que, se não vem a propósito, é engraçada e ilustra a questão etimológica, com originalidade:  

O meu amor tem farmácia
Está lá sempre a fazer pílulas,
Se as continua a fazer
Um dia vou lá e tiro-las.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Retro (32)


Com o seu grafismo datado, estas 4 vinhetas destinavam-se a celebrar o primeiro centenário do Montepio Geral (1840-1940), organização mutualista que se destinava, principalmente, a apoiar funcionários públicos. A ideia desta instituição de crédito foi posta em prática por Francisco Álvares Botelho (1803-1875), funcionário superior da Junta de Crédito Público, natural de Tavira. O pelicano, símbolo do altruísmo, foi escolhido como imagem  da instituição.

A par e passo 50


Preguiça emotiva, vergonha da lembrança. Horror de viver tal passado. Estas coisas existem, estas tolices reveladoras.
Oh! preguiça do Eu! - não poder irritar o pequeno espaço do cérebro que fará vibrar o tal timbre desde a infância inaudível!
Pressinto que um aborrecimento há muito passado, uma vergonha esquecida, um aguilhão que ficou, retomará todo o seu vigor. Mas, então, o que é o passado? - E, por outro lado, eu decomponho este desconforto. Prevejo-o e evito-o. Divido-o em dois momentos, em dois estados, como se um anunciasse o outro, podendo de alguma forma mitigá-lo, intrometendo-se em todo o seu vigor e crueldade primeira; ou então fazer despertar a minha defesa, criar algo com que o possa afastar, reprimir o desenvolvimento indesejável na minha memória, no meu pensamento. A sombra da ideia aterroriza a ideia.

Paul Valéry, in Tel Quell II (pg. 262).

Em jeito de esconjuro, e por causa das cagarras


Terá sido ele c'agarrou?

Seja como for, aqui vai o esconjuro:

Mulher do mercador que fia, escrivão que pergunta pelo dia, oficial que vai à caça, não há mercê que Deus lhe faça.

domingo, 21 de julho de 2013

Ver melhor, ou pior


O facto de conhecermos, pessoalmente, um artista não nos habilita, à partida, à possibilidade de melhor avaliarmos, criticamente, a qualidade da sua obra, seja ela poética, pictural ou romanesca. A benevolência e o peso da amizade podem até prejudicar seriamente a isenção. Muito embora a convivência humana ajude a perceber melhor as motivações dessa obra, e o seu método. Tão só.
O trabalho de Valéry (Degas / Danse / Dessin), sobre a obra de Edgar Degas é, pelos aspectos referidos acima, um exercício frio de inteligência que tenta, paciente e continuamente, apagar as atenuantes da simpatia e amizade, em função do primado da visão estética pura e do espírito crítico. Colocando, no primeiro patamar, a importância ou valor da Arte.
Convenhamos que não é tarefa simples.

Um prólogo


A imagem reproduz o proémio ou início da mais conhecida obra do, hoje, pouco conhecido José Daniel Rodrigues da Costa (1757-1832) que, entre os pastores do Tejo, adoptou o nome arcádico de Josino Leiriense. A obra, em fascículos, intitulava-se "Almocreve de Petas". É da segunda edição (1819) que se reproduz o prólogo.

Trocadalhos


Em 1862, Camilo fez editar a sua obra-prima, Amor de Perdição, que foi um sucesso; dois anos depois, publicou Amor de Salvação, em 1864. Que não teve o mesmo acolhimento, da crítica e dos leitores.
Ao invés, há oito dias atrás, o nosso inefável PR anunciou, em discurso barroco e cabalístico, a sua obra maior: o governo de salvação nacional - que foi um flop. Hoje, irá, talvez, pré-anunciar uma obra menor: um (des)governo de perdição nacional. Paz à sua alma mortificada!...
 Cegueira por cegueira, a de Camilo era genial. E, mesmo assim, suicidou-se.

O regresso do Irmanzão


Quase fiquei comovido. Estava eu a petiscar umas coisitas, que o meu jantar é frugal, e eis que chego ao Arpose, deparando-me com 8 visitas do Irmanzão NSA que, silenciosa e discretamente (decerto para não incomodar a minha refeição), marcou a sua presença indelével. Parecia o pai Natal, descendo sigilosamente pela chaminé... Até me lembrei de Augusto Gil:

...Há quanto tempo o não via
e que saudades, Deus meu!...

Creio saber a razão: um amigo meu mandou-me, via email, umas informações sobre a NSA e, algum menino de deus, lá de Bluffdale (Utah), interceptou a mensagem. Não dormem estes rapazitos paranóicos... mai-lo seu obeso chefe Keith Alexander, Gen..

Livrinhos 19 : Pascal


É uma edição de Paris, do ano de 1827, da obra de Blaise Pascal (1623-1662) , "Les Provinciales". Com as equilibradas dimensões de 6,5 por 10,1 centímetros, e encadernada. O miolo é que se encontra profusamente atingido por picos de humidade, porventura, por descuido de anteriores proprietários. A obrinha custou-me, em meados dos anos 80, Esc. 680$00, em Lisboa.

Regionalismos minhotos (44)


Finaliza-se, hoje, a selecção dos regionalismos minhotos iniciados pela letra T. Como se segue:

1. Trapicalho ou trepicalho - farrapo, roupa ordinária. Coisa sem valor.
2. Trêpo - canhoto de lenha miúda.
3. Triclos-meclos - estar com os triclos-meclos: sem saber o que diz. Bêbado.
4. Trilhadela - magoadela, ferimento.
5. Trocho - troço. Pé de couve cortado junto às folhas.
6. Trompetudo - mal encarado, antipático.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Filatelia LXIX : símbolos de regime


A simbologia sempre foi uma questão maior e um veículo difusor de propaganda, a nível de correios nacionais. Se, nos estados monárquicos, a figura ou efígie dos reis, nos selos, é um motivo preponderante (a Inglaterra é o melhor exemplo), nos países de regime republicano, o símbolo é sempre uma mulher. Em França, até tem nome: Mariana, embora o modelo varie, no tempo.
Por cá, a República emitiu, logo em 1912, uma série de selos que, embora viessem a ser apelidados de Ceres, simbolizavam o novo regime, através da figura de uma mulher, também. Durante os consulados de Salazar e Caetano, o tema e símbolo desapareceram, significativamente. Só depois do 25 de Abril, em 1976, a figura feminina da República, com o barrete frígio, ressurge novamente.
São esses exemplos que damos na imagem.

Mais 1 haikai


Nenhum traço na corrente -
onde eu nadei
com a jovem mulher.

Yamaguchi Seishi (1901-1994)

Uma fotografia, de vez em quando (10)


O momento associa o labor doméstico, sugerido pelos novelos brancos de lã, entrançados, e a poesia sensível das rosas, abandonadas no colo da jovem que, pela dedicatória, no verso da foto, se chamava Célia. A fotografia é de 1948. Um carimbo, também no verso, indica: "António Silva / Repórter Fotográfico / Porto". O resto será tempo e silêncio. É pouco provável que esta simpática Célia ainda seja viva.

Um obrigado ao A. de A. M.. 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Confiança


É sabido que, para um investigador sério e escrupuloso, a observação do fac-símile ou da cópia digital de um livro antigo, de um incunábulo ou de um manuscrito, não dispensa a consulta presencial da obra original, em si. O tamanho dos tipos, as anotações manuscritas, as marcas de água do papel, são pormenores, entre muitos outros, imprescindíveis para um estudioso. Que, muitas vezes, as cópias não permitem detectar.
Em números recentes, o TLS abordou as imperfeições da cópia digital do famoso Codex Mendoza (cca. 1542), precioso manuscrito hispano-azteca que, depois de múltiplas vicissitudes, integra o rico acervo da Bodleian Library, em Oxford. A sua consulta directa é, praticamente, proibida, e os estudiosos reclamam, em vão. E, quando raramente, o manuscrito é facultado ao investigador credenciado, a operação é rodeada de altas medidas de segurança e de um aparato de normas draconianas que dificultam o seu estudo. 
O último TLS (nº 5754) traz uma carta ao director, em que um leitor (J. R. Maddicot), ironicamente, conta que nos anos 60 e para fazer um trabalho académico, pôde consultar directa e tranquilamente o Codex Mendoza, isolado, num pequeno gabinete e sem qualquer vigilante a observar os seus movimentos. E remata, dizendo: "How times have changed." Eu próprio, tenho uma experiência semelhante, quando adolescente. Pedi, numa instituição de provincia, detentora de uma rica biblioteca, poesias de Francisco Manuel de Melo. Cinco minutos, depois, estava tranquilamente sozinho numa sala, sentado à mesa, com um exemplar da primeira edição (1665) das "Obras Métricas" do poeta Melodino.
A confiança era outra, nesses recuados anos 60... 

Nota breve


Em toda a minha vida, a tal, nunca tinha assistido.
Para minha estupefacção, vi hoje, na Baixa, uma Ourivesaria em saldos. O ouro com 60% de desconto e os artigos de prata, com 40%. Não era uma daquelas baiúcas infectas, esconsas e mafiosas que abriram como cogumelos, em todo o lado, quando a crise se instalou. Para comprar e vender ouro. 
Era uma Ourivesaria das mais antigas de Lisboa. E estava em liquidação total.

Citações CXLIV


O coração e o espírito não têm senão voto consultivo. A carne tem voto preponderante.

Paul Géraldy (1885-1983), in L'Homme et l'amour (1951).


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Importa-se de repetir?

A D. Mariana volta a atacar. Melhor que os nossos comentaristas, economistas, homens das Selvagens, expõe esta sabedoria milenar, que nos pode poupar a muitos malefícios, mesmo na silly season portuguesa.

Conversa fiada


Há um tremeluzir na imagem das casas, depois do rio, vistas da janela aberta à aragem caprichosa desta noite de Julho. Não se recolheram ainda as andorinhas, muito menos as gaivotas, que serão as últimas.
Alguém dos confins da Etiópia (primeiro visitante da Abissínia, a chegar ao Arpose) vem parar à imagem  de um chinês a rir - coisa pouco comum, que eles são, por tradição, discretos. Um garoto (?) de Aveiro, incessantemente, procurou, pelo Blogue, imagens de cromos de jogadores de futebol, antigos: veio já 5 ou 6 vezes, repetidamente, hoje. Um brasileiro, quiçá fetichista, anda na devassa de tranças: encontrou umas loiras, bem bonitas, por aqui, mas não se contentou... 
Ao meu lado esquerdo, no livro pousado, dizia Montale:

...A vida que dá sinais
é a única que vês.
Vais-te chegando a ela
da janela escurecida. ... 

Adagiário CXLV : 4 ditados norte-africanos


1. O hipopótamo que sai do grande lago lambe o orvalho da relva.
2. Fazem o louco rir-se para depois, astuciosamente, lhe contarem os dentes.
3. Para um tolo o ranho é como se fosse sal.
4. Mesmo que a sede seja muita nunca se consegue beber o rio todo.

terça-feira, 16 de julho de 2013

A longa jornada para a noite


Este vídeo inspirado tem a particularidade bem sucedida de associar três trabalhos notáveis, de outros tantos grandes profissionais, num crescendo dramático que termina, visualmente, numa pequena aleluia. Fellini filmou, Mastroiani interpretou e Nina Simone canta, como só ela sabia cantar. Eu limitei-me a dar um título, plagiando a peça de teatro homónima de Eugene O'Neill, porque me pareceu o mais adequado...

A par e passo 49


Literatura

O estilo seco atravessa o tempo como uma múmia incorruptível, enquanto que os outros, enfolados de gordura e sobrecarregados de imagens, apodrecem nos seus próprios preciosismos. Dali se retiram mais tarde alguns diademas e algumas pérolas, dos seus túmulos.

Paul Valéry, in Tel Quel II (pg. 261).

Relatividade e diferença de grau


A gente habitua-se a quase tudo e, se não fossem os outros, para medida de comparação, tudo seria ainda mais relativo.
O meu daltonismo é residual, do grau mais pequeno na escala oftalmológica. Tenho apenas dificuldade em distinguir as cores malva, lilás e violeta. O antracite do preto. E mais uns quantos tons intermédios de cores, embora consiga, com alguma concentração visual, identificar o verde-azul, por exemplo.
Mas há coisas a que não me consigo habituar e, muito menos, tolerar. Ontem de manhã, ouvi uma enormidade na TV: um sujeito, que estaria ligado à Fundação António Aleixo (1899-1949), afirmou, convictamente, que o poeta algarvio tinha tanta qualidade como Camões ou Pessoa. É verdade que Aleixo era um repentista notável (provavelmente, seria óptimo em desgarradas...), mas juntava versos, fazia umas quadras interessantes - não fazia poemas, que são outra coisa...
E o grande problema, sobretudo neste país que sempre teve um enorme défice de sentido crítico, é que grande parte das pessoas mete tudo no mesmo saco: junta fazedores de versos com poetas, mistura coloristas de domingo com pintores, publicitários com escritores, e assim por diante.
Cabe-nos bem a alcunha de "país de poetas", porque não sabemos fazer distinção de grau.

Filumenismo (3)


A temática é columbófila, e estes rótulos polacos de caixas de fósforos, são dos anos 60/70. O grafismo é delicado e, talvez, realista, porque o pombo representado no meio da fila superior é muito semelhante aos  congéneres portugueses. Imagino que Golebie é a palavra polaca para significar pombo ou pomba. Aqui fica a imagem, porque acho os desenhos bonitos.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Pinacoteca Pessoal 55 : William Blake


Poeta inspirado e visionário, gráfico arrojado, cujas gravuras e desenhos prenunciam os pré-rafaelitas, William Blake (1757-1827) ilustrou os seus próprios livros, bem como muitas outras obras.
Esta aguarela destinava-se a ilustrar uma edição da Bíblia, e foi executada por volta de 1800. Representa um dos cavaleiros do Apocalipse e intitula-se "A Morte no cavalo branco".
Pertence ao acervo do Museu Fitzwilliam, em Cambridge (Inglaterra).

1 haikai


Pouco a pouco os meus pulmões
tingem-se de azul
- viagem pelo mar.

Shinohara Hôsaku (1905-1936).

domingo, 14 de julho de 2013

Da Janela do Aposento 36: Essa agora ! - A propósito de uma iniciativa infame do "Expresso"


Eça de Queiroz, Páginas de Jornalismo

A parte mais esclarecida, mental e eticamente, deste povo que continua muito sereno não imaginaria, de certo, assistir a uma "burricada" - política - como aquela que o mais alto magistrado decidiu despoletar.
Não contente com esse coice de um qualquer asno, houve meia dúzia de intelectuais - quiçá entalados por outras presidências - que se subjugaram a outro espectáculo não menos degradante, sobretudo porque se enquadra num foro mais elevado, i.e., da esfera da literatura.
Sucede que a publicação dos últimos textos de António Guerreiro, publicados no ípsilon, já deu para perceber que a sua escrita não alcançava o desejado "leitor médio" do "Espesso".
Com efeito, quando A. Guerreiro falava, recentemente, da "proletarização" da função docente - tanto liceal como universitária - faltava, ainda, este "fecho de abóbada" que dá pelo nome de "Eça agora (!)" Encontrou-se, pois, uma forma expedita e pomposa de adulteração de textos literários - chatos, extensos e incompreensíveis - com o objectivo de os servir, num "produto light", tipo "coca-cola zero", para consumo de mentecaptos, discentes, docentes e leitores.
A devassa é geral e a campanha publicitária não consegue iludir a indigência mental deste "Reino da Estupidez" em que vivemos.
Ora, o texto reproduzido acima demonstra que nem o povo, e muito menos o autor, mereciam uma humilhação semelhante.

Post de HMJ

Entre o paradoxo e o cinismo...


"Não digam mal dos meus amigos, porque eu sou bem capaz de o fazer melhor."

Sacha Guitry (1885-1957).

Bana (11/3/32 - 13/7/2013)

Adriano Gonçalves, mais conhecido por Bana, faleceu ontem, em Portugal.
Com Cesária Évora era, talvez, o nome mais conhecido da música cabo-verdiana. Se a marca de Cesária era, principalmente, a melancolia do olhar e da voz, Bana, com o seu sorriso de bondade no rosto de um corpo gigantesco (quase 2 metros), expressava, sobretudo, na sua voz poderosa, uma alegria indestrutível, como só uma criança pode ter.

A quadratura do círculo


É sabido que, de início, as habitações dos povos antigos eram circulares e sem ângulos, o que permitia uma visão mais ampla do exterior e, eventualmente, uma melhor defesa. Ainda hoje, entre os povos menos banhados pela civilização, se mantém, com frequência,  essa forma geométrica. Só muito mais tarde, as casas começaram a ser quadradas ou rectangulares e a terem divisões ou salas. Por outro lado, isso permitia, facilmente, acrescentos, quando a família se alargasse.
A circularidade fechada e autista da última perlenga presidencial permitiu ver até que ponto  grande parte dos nossos comentaristas políticos, de pacotilha, se torciam e retorciam para tentar fazer a interpretação dessa comunicação cabalística. Fizeram o pino mental. Algumas tentativas atingiram, em muitos casos, a dimensão do ridículo. Mas o próprio autor, enredado na sua própria teia charadística, teve que vir, um dia depois, clarificar alguns pontos. E até deixar cair essa tal "personalidade de prestígio" (qual deus na Terra!) que propôs, para facilitar o acordo e reconciliação entre os partidos.
É por isso que a minha benevolência, depois de tudo isto, se vai alargando ao trabalho do motor de busca Google, que tem de resolver, num esforço de irracionalidade criativa,  muitas das search words que, alguns cibernautas de cabeça perdida, lhe propõem. Vejamos três das últimas:
- "planta baixa pavarotti magnifico natal rn".
- "muar eviro meo".
- "a dama do lavabo almodovár taxista".
Para o Google habituado que está, aos maiores dislates, a leitura e a interpretação do último discurso presidencial teriam sido facílimas...

sábado, 13 de julho de 2013

Para Miss Tolstoi, in extremis...

Eu sei que ainda faltam 3 horas, Miss Tolstoi, para acabar o dia. Por isso, ainda é próprio o Arpose, através de Schubert, enviar-lhe os parabéns.
A benefício de atenuantes, este dia modorrento põe a memória um pouco sonolenta ou quase adormecida. Felizmente que eu tive um sobressalto, de estima, no meio da modorra. E aqui venho, também, desejar-lhe um bom ano e um resto óptimo de dia de aniversário. Que conte muitos!

Bibliofilia 84 : mistérios...


Já por aqui o disse: nem sempre há coincidência entre a qualidade literária de uma obra e o interesse e procura bibliófila que provoca. Acontece que muitas obras medíocres despertam, por vezes, uma gula desmedida nos bibliómanos, atingindo assim preços desproporcionados para a sua, intrínseca, qualidade literária. Será o caso, por exemplo, de algumas obras de um hoje obscuro poeta oitocentista, que dava pelo nome de Luis Rafael Soyé, nascido em Madrid, no ano de 1760, de pais estrangeiros, e que veio a morrer, no Rio de Janeiro, em 1831. Há quem o dê como antepassado de Eça de Queiroz (avô), mas não consegui reconfirmar a informação curiosa.
Ora, algumas das obras de Soyé, que foi um autor prolífico, atingem normalmente preços elevados, se tivermos em conta o duvidoso merecimento dos seus versos. Os seus livros, no entanto, têm um certo apuro gráfico e, normalmente, vêm ornados de bonitas gravurinhas. Talvez por isso, a procura desmedida...
Nos meus tempos de maior assiduidade em leilões, habituei-me a ver as licitações desenfreadas sobre duas obras, de autores desconhecidos para mim, que concitavam enorme interesse e gula, por parte de muitos dos frequentadores destas almoedas. Eram elas: "Na«Fermosa Estrivaria»" (1912), de Joaquim Madureira, e "História de um Fogo-Morto" (1903), de José Caldas. A minha curiosidade era muita, para tentar perceber a cupidez dos licitantes mas, como os preços iam sempre muito altos, nunca os licitei, nem comprei.
Bastantes anos mais tarde, no meu alfarrabista de referência, vim a adquirir os dois livros, espaçadamente, no tempo. O livro de José Caldas é deveras interessante, embora de base local (Viana do Castelo), mas que se alarga, pelos temas tratados, à História portuguesa, ultrapassando assim o mero interesse regional. No final dos anos 90, dei por ele Esc. 1.700$00. Foram bem empregues.
O segundo livro, de Joaquim Madureira e que, porventura, passou de moda, embora tenha um título curioso, comprei-o por apenas 2,00 euros, há cerca de um mês, e já o li. É uma espécie de diário verrinoso do primeiro ano da República portuguesa, escrito com acrimónia e algum reaccionarismo. O autor devia ser uma espécie de Vasco Pulido Valente, avant la lettre. Como livro de memórias, não tem interesse nenhum.
Mistérios...