quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ricardo Reis, para fechar Fevereiro


Ao longe os montes têm neve ao sol,
Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.

Hoje, Neera, não nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.

Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.

Notícias de Saramago



com agradecimentos a HMJ.

Citações XCIII : Chamfort (4)


"O amor agrada mais do que o casamento, pela simples razão que os romances são mais divertidos do que a história."
Nicolas Chamfort (1740-1794).

Michèle Morgan



Nascida a 29 de Fevereiro de 1920, em França, Michèle Morgan completa, hoje, 92 anos embora, na prática,  só pudesse ter celebrado o seu aniversário por 23 vezes, ao longo da sua vida...
A meio caminho entre a beleza fria de Greta Garbo e a feminilidade distante de Ingrid Bergman, ambas nórdicas, aqueles olhos líquidos e claros, de uma obliquidade que parece vir da alma, são inesquecíveis e latinos.
Neste pequeno vídeo com que a lembramos, do filme "As Grandes Manobras" (1955) de René Clair, Michèle Morgan contracena com Gérard Philipe (1922-1959), outro grande actor francês.

para MR, que se antecipou, no Prosimetron.

Recomendado : vinte e cinco - castas, e um vinho do Dão


Os vinhos tintos clássicos e antigos do Dão eram feitos, na sua maioria, com as castas Touriga Nacional, Tinta Roriz e Jaen ("Grão-Vasco", "Terras Altas", "Painel"...). Algumas marcas ("Porta dos Cavaleiros", " Meia Encosta") acrescentavam Alfrocheiro, ao lote. Muito poucas, incluíam o Rufete. Nos anos 80, do século passado, a marca "Quinta das Maias" começou a juntar-lhe uvas da casta Tinta Amarela, também existente na região demarcada do Douro, que conferiu ao seu vinho do Dão uma personalidade muito própria e um sabor singular, muito apreciável. Mas, resumindo, na minha modesta opinião e gosto, o Jaen sublinha a elegância e, o Alfrocheiro, a força de que os vinhos do Dão, com Touriga Nacional e Tinta Roriz,  já não necessitam. Com o Alfrocheiro ou o Rufete, os vinhos quase se assemelham aos do Douro, mais escuros na cor, mais pujantes e carregados, mas menos elegantes, como é o caso do Dão "Quinta de Cabriz", colheita seleccionada.
Aqui, devo confessar que sou um purista conservador - mea culpa! Grande apreciador, como sou, dos vinhos da região demarcada do Dão, os vinhos que prefiro são os lotados, como antigamente: Touriga Nacional, Tinta Roriz e Jaen. Abro uma excepção para o "Vinha Paz", pela sua sempre excelente qualidade e que, às três anteriores castas, acrescenta o Alfrocheiro.
Por isso, subjectivamente, embora tendo em conta o binómio (importante, hoje em dia) preço/qualidade, recomendo vivamente este Dão tinto "Monte do Amante", Reserva 2006 (Vinícola de Nelas),  com as minhas 3 castas predilectas, e os seus 13º macios e elegantes. Esqueçam o rótulo desajeitado, esqueçam o nome foleiro com que o crismaram, e provem-no. Podem encontrá-lo nalgumas médias e grandes superfícies, a preços que oscilam entre 2,60 e 3,10 euros. Creio que vão gostar. Acrescento que o vinho me parece estar no seu ponto mais alto, muito embora ache que pode aguentar mais 1 ou 2 anos, e beber-se, ainda, com agrado. Bom proveito!

Quem é que não gosta de Su Doku?


Ele gosta. Eu, também. E, nisso, pelo menos, somos ambos europeus, de gosto. Acontece que o vice-reizinho europeu (como lhe chamei, há dias, noutro poste) foi apanhado, no Parlamento Alemão (Bundestag), enquanto se discutia a dívida grega, a fazer Su Doku no seu computador.
Sejamos benevolentes: Wolfgang Schäuble pôs-se, apenas, de parte - ele não é grego. E, como qualquer menino pequenino, aborrecem-lhe as coisas sérias, prefere pôr-se a brincar.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Da banda sonora do "Cinema Paraíso"

Ao que parece, este excerto musical da banda sonora do "Cinema Paraíso" (realizado por Giuseppe Tornatore) é da autoria dos Morricone: pai (Ennio) e filho (Andrea).  A interpretação pertence a Itzhak Perlman e John Williams.

Um Diogo Feio



Esta subserviência mental faz-me comichão na cabeça. Este senhor é um dirigente de alguma importância, no CDS/PP. E deu uma longa entrevista, ontem, ao jornal "Público. Entre outros dislates, que enunciou, sublinhei a azul a frase que mais me impressionou. Arrisco a considerá-la a "melhor" da semana, que ainda vai no início. É assim: "Portugal (...) tem que ser mais alemão do que os alemães".
E, por caridade cristã, fico-me por aqui, sem comentar mais.

Uma louvável iniciativa (5)



Parece que a ideia de ilustrar os pacotinhos de açúcar vai fazendo carreira, e não deixa de ser interessante. Muito embora estes, que hoje se mostram, tenham um grafismo muito tosco. E as próprias explicações, no verso, sobretudo sobre os azulejos, sejam de grande pobreza cultural, apesar do tema justificar um texto mais desenvolvido do que as banalidades que lá surgem e que toda a gente sabe. É pena...

Astrologias (10) : Peixes


Dizem-no tímido, eu prefiro chamar-lhe discreto. De que escapa, habitualmente, o terceiro decanato (Alice Vieira), de 11 a 20 de Março, que junta aos patronos Neptuno e Júpiter, o combativo Marte. Mas se eu tivesse que escolher apenas um adjectivo para caracterizar o signo astrológico dos Peixes, não hesitaria na opção: compassivo. Por alguma razão, os primitivos cristãos usaram o símbolo do peixe para sua senha e sinal.
Sensível, impressionável, muito intuitivo, quase mediúnico, por vezes, tem grande capacidade para perceber os outros. Foram nativos deste signo alguns músicos célebres, em cujas obras a extrema sensibilidade se aliou à melancolia (Chopin, Vivaldi, Händel, Ravel); e também grandes intérpretes (Caruso, Liza Minnelli, Elis Regina). Do signo dos Peixes, também, alguns poetas singulares (Auden, David Mourão-Ferreira, Ruy Belo) e escritores (Camilo, Kerouac, Updike). Pintores marcantes (Miguel Ângelo, Renoir, Mondrian).
Impassíveis, normalmente, na sua expressão ( há quem fale de um lado linfático), estão sujeitos a pequenas mazelas de pele (acne, frieiras, borbulhas), mas o seu ponto mais sensível, são os pés. Tendência para dupla personalidade, embora menos acentuada do que em Gémeos ou Sagitário. Também há quem afirme que são influenciados pela Lua. Aquando da Lua Cheia, são muito activos; na fase da Lua Nova, sentem-se fatigados.
Dos Peixes, são também alguns políticos, pioneiros ou de ruptura de ciclos, para o bem e para o mal, como o nosso rei D. João IV, George Washington, Mikhail Gorbatchov ou Osama bin Laden. Poucos artistas de cinema: Elizabeth Taylor, a dos olhos violeta. Raros cientistas: Albert Einstein. De países sob a influência do signo de Peixes, temos Portugal. Não fosse o mar a nossa marca de água.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Por amor aos livros


Com a devida vénia a MR, no seu Prosimetron, eu não resisti ao plágio de transpôr este "cristalzinho" para o Arpose. Não fossem os livros, não fosse este sósia de Buster Keaton envelhecendo, lentamente...
O filme teve o Óscar de melhor curta metragem. Às vezes o Óscar acerta, às vezes o Nobel cai bem, às vezes o azeite vem ao de cima.

Revivalismo Ligeiro (?) LXVII : Adriano Correia de Oliveira

Portugal no seu melhor


Por mero acaso, assisti na TV a um diálogo (com moderadores equilibrados, mas activos e perspicazes) entre Manuel Alegre e José Cid. Sobre temas da actualidade. Nada de mais oposto, politicamente. José Cid, monárquico empedernido, Manuel Alegre, retintamente republicano, mas ambos de uma coerência ideológica firme e cristalina que nunca excluíu um diálogo urbano, solidário e inteligente. Houve momentos de emoção, de humor, de picardia, por vezes, mas sempre num tom de respeito democrático e elevado. Foi salutar, para mim. Até ambos, numa aliança de nobreza e dignidade, recusaram "jogar", durante o programa, o desporto, muito em voga hoje em dia, denominado "tiro ao Cavaco" - assim crismado pelo acutilante Professor Marcelo.
No final, José Cid sentou-se ao piano e cantou, com letra de Manuel Alegre, uma canção dedicada a um amigo comum - Adriano Correia de Oliveira. O Poeta assistiu, de rosto emocionado. Foi um momento bonito de uma fraternidade portuguesa que pode ultrapassar os pormenores da divergência, para se unir, naquilo que nos é essencial. 

Curiosidades 49 : o Intendente Manique


Controverso, como todos os homens que deixam obra feita e útil, Diogo Pina Manique, nascido em 1733, era uma pessoa de vontade férrea, mas fortes tendências autoritárias. Foi ele que impulsionou a construção do Teatro S. Carlos, a ele se deve a criação da Casa Pia para acolher "mendigos e orfãos", que inicialmente funcionou no Castelo de S. Jorge. E o início da iluminação das ruas de Lisboa, fez-se também por sua vontade. Para que, nas ruas escuras e nocturnas da Capital, diminuisse a criminalidade.
A concretização desta sua ideia contou com a viva oposição do Marquês de Angeja, ministro do Reino, que contrapunha o alto preço e peso de tal medida, no orçamento do país. Acrescentava o Marquês que as pessoas não tinham nada que andar, de noite, pelas ruas lisboetas - que recolhessem mais cedo. Mas o Intendente Pina Manique não se calou e perguntou quantos latoeiros havia em Lisboa. Responderam-lhe: 129.
E obrigou cada um deles a fabricar 6 candeeiros, no prazo de uma semana. Legislou, também, no sentido de que cada morador que ficasse com a casa iluminada deveria pagar 100 réis ao erário público.
Assim, na noite de 17 de Setembro de 1780, data de aniversário da rainha D. Maria I, Lisboa apareceu iluminada com 774 candeeiros, a azeite. Afastado do poder, por influência dos franceses, em 1803, Pina  Manique viria a falecer, pouco tempo depois, a 30 de Junho de 1805. 

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Retratos por palavras


Tenho um particular apreço por retratos, em prosa (e em verso), de vultos históricos, sobretudo quando a iconografia, sobre eles, é escassa ou até inexistente. As palavras podem suprir, em parte, essa falta. Como é o caso do retrato, por palavras, de Sá de Miranda, que vem no início do volume das suas "Poesias", na edição de 1614. De Garrett, há já uma razoável iconografia, mas não deixa de ser útil o retrato que dele traçou Guedes de Amorim, para melhor o imaginarmos. Também nas antigas crónicas há alguns retratos interessantes, por exemplo, de D. João II e D. Manuel I, cujas iconografias não são abundantes. Mas estes retratos, por palavras, são relativamente sucintos e pouco desenvolvidos pelos cronistas portugueses.
Há dias, no entanto, deparei-me com um interessante e minucioso retrato, em prosa, feito por Fernán Pérez de Guzmán (1376-1460), cronista castelhano do rei Juan II, de Castela. O retratado é Fernando I de Aragão (1380-1416), que foi regente durante a menoridade do sobrinho Juan II, no período entre 1406 e 1416. Vou reproduzi-lo, em parte, traduzindo, livremente, as palavras de Guzmán, como seguem:
"Foi este rei D. Fernando formoso de semblante, homem de corpo elegante, mais alto que mediano. Tinha os olhos verdes e os cabelos da cor da avelã bem madura. Era branco e levemente rosado, tinha pernas e pés de gentil proporção, as mãos largas e esguias. Era gracioso, tinha fala pausada e recebia a todos os que vinham saudá-lo ou negociar qualquer coisa. Era muito devoto e casto, rezando continuamente as horas de Nossa Senhora, por quem tinha grande devoção, e dava sempre espirituosas e boas respostas. Era homem de muita verdade, lia com vontade as crónicas dos feitos passados, dava-se muito a todos os trabalhos, levantava-se normalmente muito cedo, dormia pouco, e comia e bebia moderadamente. E foi muito franco, manso e justiceiro, honrado como todos os bons. Muito piedoso, muito esmoler, homem de grande coração, esforçado e ditoso nas coisas da guerra."

Filatelia XXXV : a terra a quem a trabalha


Provavelmente mais por populismo do que por pragmatismo político, a jovem super-ministra Cristas lançou a ideia, numa acção da melhor agit-prop, de que o Governo se prepara para tomar posse das terras sem dono, e não trabalhadas, para as redistribuir por quem faça delas produção e seu ganha-pão. A ideia, em si, é simpática, mas a História de Portugal ensina, pelo passado, que não é nada fácil modificar o modo e posse das terras. Muitos tentaram modificar a filigrana rendilhada do minifúndio minhoto ou retalhar o ancestral latifúndio alentejano, mas sem grandes resultados. Do PREC da Reforma Agrária ao reordenamento legislativo de António Barreto e, depois, acção prática de Sá Carneiro; do rei D. Fernando, com a sua Lei das Sesmarias de 1376, até ao Marquês de Pombal, a terra portuguesa mexeu e mudou de dono, mas posteriormente voltou tudo ao mesmo, numa fatalidade que parece secular.
Daí estes selos alusivos, indirectamente, às reformas e leis que foram sendo feitas, sobre a posse da terra portuguesa. Da série filatélica a comemorar as Sesmarias, emitida pelos CTT, em 1976, ao grafismo revolucionário de João Abel Manta, com a representação do camponês e o soldado, em 1975. Acrescentei ao conjunto, pela sóbria beleza, o talhe doce sobre desenho de António Lino, do selo de 1955, com o retrato do rei D. Fernando, integrado na série Reis de Portugal da 1ª Dinastia.
Aguardemos, então, pela Reforma Cristas, para ver...

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Armand-Louis Couperin (1727-1789)

Perguntar, não ofende


Quando é que irá começar o julgamento do caso, dito, BPN? E o que será feito do sr. Oliveira e Costa mai-los seus amiguinhos?
É que, entretanto, o Governo prepara-se para avalizar mais um empréstimo de 300 milhões de euros, à referida instituição bancária, antes de a alienar ao BIC angolano. Caridadezinha neo-colonialista? Seja como for a "caridade" vai à frente da justiça. Talvez porque a Justiça, coitadinha, é cega e, por isso, tem que andar devagar, para não cair...

Notícias de dentro


Hoje, o Blogue recebeu, pela primeira vez, uma visita oriunda da Geórgia. Mais concretamente, da cidade de Tiblissi, que veio parar a uma imagem de uma gravura de Manuel Ribeiro de Pavia, por sinal, bem bonita, colocada num poste de 7/9/2010. A visita ficou bem servida!
Mas, hoje também, o motor de busca do Google, encaminhou um visitante, de um país de língua portuguesa, para outro poste, este de René Char (de 15/10/2011), onde traduzi 3 fragmentos do poeta francês. Mas aqui fiquei intrigadíssimo. O distinto investigador da net escreveu, como search words, o seguinte: "ochar do devilzm comintas kimg" (sic), cripticamente.
Se eu soubesse esperanto ou tupi, talvez tivesse percebido a relação, mas como não sei, fiquei com a minha curiosidade por satisfazer. Mas o Google lá sabe, na sua infinita sabedoria...

Memória 66 : Cesário Verde - uma escolha





Pela passagem de mais um aniversário do nascimento de Cesário Verde (1855-1886), este poema campestre.

Camiliana, ainda: aristocrática e plebeia


"...A respeito da assignatura pouco legivel dos reis constitucionaes, quer caligraphica quer orthographicamente, padre Casimiro pode citar o exemplo de um querido rei absoluto que, chegado á adolescencia, assignava-se Migel, n'um bastardinho de traslado com finos e grossos tão claros e legiveis que logo se conhecia que as cinco lettras diziam Miguel.
Já o seu inclyto avô, o srn. D. Afonso VI apprendêra a fazer o seu nome quando casou. ..."
Camilo Castelo Branco, in Maria da Fonte.

"...Em 1841, a hospedaria dilecta dos brazileiros de profissão (distingam-se assim dos brazileiros do Brasil) era a do Estanislau na Batalha. Alli havia a sem-ceremonia do chinello de liga á mesa redonda; os collarinhos arregaçados deixavam arejar os pescoços rorejantes de suor, que se limpavam aos guardanapos; cada qual podia comer o arroz com a faca e o talharim com o garfo; a laranja era descascada á unha, e os caroços das azeitonas podiam ser cuspidos na meza, bem como as esquirolas do pernil do porco desentalladas a palito das luras dos queixaes. E era até de direito commum cada qual caçar de guet-apens a importuna mosca na cara e decapital-a publicamente. Estava-se alli á vontade, como nos jantares de Pelen e Patrocolo, com grande estridor de mastigação e arrôtos. ..."
Camilo Castelo Branco, in O Cego de Landim.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Razões

"O editor d'este livro manifestou-me desejos de que o meu prefacio fosse escripto na orthographia do tempo de Camillo.
Aquiesci sem constrangimento, porque essa orthographia foi a da minha mocidade e só a abandonei por disciplina burocratica. Depois ficou-me o habito; eis tudo. Nunca preconizei este ou aquelle systema graphico."
Alberto Pimentel (1849-1884), in prefácio ao livro "Camillo" (1921) de Santos Quintella.

Bedrich Smetana (1824-1884)

Torga e o Douro


A Torga, quase posso perdoar-lhe tudo, mesmo alguns poemas excessivamente prosaicos e sensaborões, pelo belíssimo Bucólica ("A vida é feita de nadas:/ De grandes serras paradas...") que nos deixou. E por uma parte da rija prosa que escreveu. Até me posso esquecer do mal que ele diz do Minho, por excessivamente verde (assim o justifica), no início deste livro - Portugal.
Porque também me reconcilio com o Douro que ele descreve, apaixonado. Porque também não me esqueci, e me lembro do rio, lá em baixo, visto do alto alcantilado da Sé de Miranda. São coisas que não saem da memória. Mas ouçamos Miguel Torga, no seu verbo fluente, cinzelado, onde se sente pulsar um coração:
"...É sair do Chiado, porque é nele que as mentiras nacionais começam, e ver: onde há água com tanto barro e desespero? Onde há saibro mais desgraçado e mais triste? De ponta a ponta do ano, não há benção que cubra esta dor. No verão, um calor de forja seca o rio e caldeia o xisto; no inverno, as próprias cepas choram de frio. (...) Não é descer de Sabrosa para o Pinhão, estacar em S. Cristovão e abrir a boca de espanto. Não é ir ao miradoiro de S. Brás, olhar o Éden ao fundo, e dizer ah! Não é espreitar de S. Salvador do Mundo o Cachão da Valeira e sentir calafrios. É entender toda a significação da tragédia, desde a desgraça de Prometeu até ao clamor do coro. É deixar os estofos do comboio, trepar pela escadaria do Olimpo acima, e descer carregado dum vindimeiro a escorrer mosto. É vestir a croça e tesourar numa manhã de inverno, a chuva a cair ou o gelo a fazer pinguelos nas mãos; é dar a meia-noite num lagar, os músculos já sem acção, e o capataz a mandar, a mandar; é cavar de sol a sol, o suor a abrir crateras na poeira; é comer uma malga de caldo e uma sardinha, e saibrar o dia inteiro.
Não há maior ofensa à dignidade humana do que ir de Cadillac a uma vindima do Rio Torto, fotografá-la e descrevê-la depois num chá das cinco ou num jornal da tarde. O Doiro dos barcos rabelos de calendário e dos socalcos fotogénicos, o Doiro dos cartazes comerciais e dos lordes em climatério, é uma mentira. O verdadeiro Doiro, rio e região, é a ferida do lado de Portugal." (pgs. 40/41)

Retro (8)


Depois do Lustrofix, de um verde transparente no boião de design elegante, veio a laca em spray e, mais recentemente, o gel também translúcido. Mas este fixador da Nally, no anúncio, teve como ascendente cronológico a democrática brilhantina que se podia comprar quer nas farmácias, quer nas drogarias. Alexandre O'Neill fala, num poema, da brilhantina "Rouxinol", quase liricamente.
Mas o Lustrofix era excelente para fixar, durante todo o dia, ainda que houvesse muito vento, as magníficas "poupas" no cabelo tão marcantes e lustrosas dos anos 50 do século passado.
Os anúncios, em imagem,  insertos numa revista são do ano de 1946.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

G. F. Händel (1685-1759) : Passacaglia


Georg F. Händel nasceu a 23 de Fevereiro de 1685, em Halle (Alemanha). Naturalizou-se inglês, em 1726, e veio a falecer em Londres, a 14 de Abril de 1759.

Receitas camilianas


"...Se acontecia eu estar doente, o senhor Braga, obrigando-me sempre com a sua visita, capitulava as minhas molestias de fraqueza, e aconselhava-me as azeitonas como milagrosas para o appettite, e o vinho do Porto, como primeiro drastico da medicina dos anjos. Estando eu com um começo de pneumonia, fui brindado pelo meu delicado amigo com uma broinha de Avintes, que tinha um sabor especial, segundo elle. ..."
Camilo Castelo Branco, in Memórias do Cárcere, vol.1.

Miscelânea sobre comprimento e distância


1. Hoje, e pela primeira vez, alguém da República de S. Tomé e Príncipe veio visitar o Blogue. Vinha em busca do "sermão dos pássaros" (search words) e esteve a consultar (e ouvir?) o poste sobre a obra musical para piano: "Sermão de S. Francisco de Assis aos pássaros" (1862-63), de Liszt, interpretada pela húngara Etelka Freund. O poste é acrescido da pintura homónima, de Giotto.
Confesso que não fico totalmente indiferente às visitas das ex-colónias portuguesas, coisa que será estranha e irrelevante para as gerações posteriores à minha - o que é natural. De algum modo, há sempre alguma relação associada a esses recentes países. Uns porque lá combateram, outros porque lá tiveram família...
De todas as ex-colónias, apenas da Guiné-Bissau nunca ninguém visitou o Arpose. Mas o campeão de visitas é, seguramente, Cabo Verde, país que, por várias razões, muito admiro.
2. Quando eu era jovem, disseram-me que a palavra " ininterruptamente" era a mais longa (17 letras) da língua portuguesa, e nunca mais o esqueci. Embora não tenha a certeza dessa verdade. Nessa altura, também, o normal em nomes próprios era terem de 3 a 6 palavras. Muito raramente, tinham apenas 2, e algumas vezes 7 - era o máximo, em regra. Já mais tarde, nos Registos Civis, só aceitavam que os recém-nascidos fossem averbados com o máximo de 6 palavras, no nome. Haveria porventura algumas excepções justificadas...
Pois hoje, deparei no jornal, com uma notícia no obituário de uma falecida que possuía nada menos do que (incluindo o "dona") 24 palavras! O nome completo acabava por ocupar tanto espaço quase como o resto da notícia. É obra.

José Afonso

Passam hoje 25 anos sobre a morte do cidadão exemplar e cantor José Afonso.
Esta canção, em vídeo, não é das mais conhecidas de Zeca Afonso. Foi feita, em 1975, para a banda sonora do filme "Os Índios da Meia Praia" que, inicialmente, se chamou "Continuar a Viver" e que, com este título, ganhou subsídio para produção, no ano de 1974. O filme, realizado por António da Cunha Telles, quase não entrou no circuito comercial. Na altura foi editado um single de José Afonso, de que tenho um exemplar.

A AR, a água e o crime perfeito


O caso é singular e, embora de lana-caprina aparentemente, foi ainda ontem notícia nos jornais. Como agora todos se apressam, por excesso de zelo e para mostrar preocupação, em dar bons exemplos na poupança de gastos, um dos grupos parlamentares da Assembleia da República propôs ao hemiciclo que se passasse a usar água da torneira, no Parlamento, em vez de água engarrafada, como até ali.
A proposta foi, no entanto, chumbada pela maioria dos deputados. A fundamentação da recusa tem lógica, pelos números comparados. A água gasta, para beber, na AR, custa engarrafada 259,20 euros por mês. Se fosse usada água da torneira ficaria a custar, mensalmente, 2.730,00 euros, segundo as estimativas. Dá para acreditar?
Para mim, dá. Aqui há pouco mais de 5 anos, tive na mão um contrato de fornecimento de água para beber, engarrafada, a uma PME. O preço, por litro, não chegava a 0,10 euros, e ainda havia bónus, consoante o consumo. É uma incongruência, mas não consigo descortinar o busílis. Parece um crime perfeito...

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Grieg / Gieseking

Quarta-feira de cinzas


Havia ainda "um cheiro salutar e honesto a pão de forno" (como diz Cesário Verde), no interior do lugar, mas notava-se que todos tínhamos acordado tarde. Não fora o perfume excessivo da balzaquiana, que saíu pouco antes de mim, e as frutas expostas nas bancadas exteriores ter-me-iam ficado na memória olfactiva da manhã.
Na tabacaria, concentrada sobre a banqueta, a mulher-a-dias preenchia, esperançada, o euromilhões. Uma velhota afagava com a unha uma raspadinha. Eu comprei tabaco e o jornal.
Um silêncio matinal de domingo enchia a rua - a todos era permitido acordar devagar. A escola da zona, fábrica maior de ruídos nos dias úteis, estava calada e sossegada. Uma empregada de bata lavava, parcimoniosa e lenta, a soleira da entrada. O tempo pascia, tranquilo. Não havia aulas, nem algazarra.
O sol brilhava nítido, no alto. Pacífico entrei, portuguesmente, em casa, na beatitude dos dias sem história - os mais felizes. Despertei, apenas, assustado, com a fotografia da Troika, na primeira página do jornal.

Legendas para um retrato em família


Só a nossa Presidenta da A. R. parece estar satisfeita, na fotografia, numa ingenuidade quase juvenil. O troikista da esquerda, sentado, olha para ela de esguelha e céptico, como quem diz: "...vais ter um lindo futuro, vais!..." O do meio, tem os olhos em alvo, não se sabe de quê, muito careca e inefável. O terceiro troikista, sentado à direita, olha para a pintura da retaguarda. Muito torcido, como que a avaliar o seu valor, no caso de vir a ser penhorada. Se não cumprirmos os compromissos do empréstimo...

Schopenhauer



Não sendo, como não sou, grande leitor de obras de Filosofia (no que acompanho a larga maioria dos portugueses), o nome de Arthur Schopenhauer (1788-1860) ficou instalado na minha memória, desde a juventude. Não como obrigação académica, mas por gosto de leitura. Quando nasceu, a 22 de Fevereiro de 1788, e do facto tiveram conhecimento os empregados do escritório do pai, Heinrich Schopenhauer, um dos amanuenses terá comentado, para o colega do lado: "Se for como o Sr. Heinrich, há-de parecer-se com um bugio." Na verdade, Arthur Schopenhauer, fisicamente, não devia muito à beleza... Mas, isso, não o deve ter incomodado muito, ao longo da vida, embora fosse dado a melancolias.

A despropósito, com propósito - Zeca Afonso


Num tempo em que solidariedade é, muitas vezes, uma palavra vã, é justo e preciso relembrar exemplos de cidadania activa, como foi o de Zeca Afonso (1929-1987).

com agradecimentos a AVP.

Peter Philips (1561-1628)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Adagiário LXXXIV


"Não sabe o asno que coisas são alféloas."

Os aleijadinhos



O noroeste peninsular, seja ele espanhol (Galiza), seja português (Minho), faz uso abundante de diminutivos para expressar carinho, sublinhar ternura e derramar sentimentos de caridade, em relação aos infelizes (coitadinho), aos deficientes (ceguinho), aos frágeis e desprotegidos da sorte (pobrezinho) e até mesmo em relação às crias pequenas (cãozinho, cabritinho), etc.. Como, do Minho, foi a minha meninice e adolescência, também não estou imune a este hábito enraízado.
Mas este costume também se fez norma de afecto noutras terras de língua portuguesa. Por exemplo, o primeiro aleijadinho que se me gravou na memória cultural, foi o luso-brasileiro António Francisco Lisboa (1730-1814), santeiro de pedra, genial, com as suas obras de Congonhas (Brasil), além de outras. Pois o mestre escultor é muito mais conhecido pela alcunha (Aleijadinho), do que pelo seu nome de baptismo.
O segundo aleijadinho, na minha memória histórica, só o foi para o final da vida, e era americano e hemiplégico. Soube combater, corajosamente, a Depressão de 1929 e teve um papel preponderante na vitória dos Aliados contra o nazismo, durante a II Grande Guerra. Refiro-me a Franklin D. Roosevelt (1882-1945).
O terceiro aleijadinho, de recordação mental, é português. Um acidente de helicóptero, amarrou-o à cama, durante largos meses, pouco depois do Verão quente do PREC de 1975. Era Pires Veloso (1926), general, e pela sua influência e poder chamavam-lhe, então, vice-rei do Norte. Todos os políticos portugueses o iam visitar - era de bom tom, e importante - para lhe pedir conselhos ou obter o seu apoio, na altura. Hoje, pouca gente se lembrará dele.
Este trio de aleijadinhos, de que falei, é-me simpático. São aleijadinhos da minha estimação e memória. Mas passemos ao quarto, e último dos deficientes.
Vítima de um atentado, em 1990, que o deixou hemiplégico, o quarto aleijadinho é o todo poderoso ministro (europeu) das Finanças, alemão, Wolfgang Schäuble (1942). Diz com sobranceria e arrogância tudo o que lhe vem à cabeça e insulta, economicamente, sobretudo os países do sul da Europa, impunemente. Foi preciso o Presidente da República grega, Karolos Papoulias (1929), há dias, responder-lhe à letra, ofendido, para ele se calar, na sua cadeira de rodas. Infelizmente, a grande maioria dos políticos europeus quase ajoelham em frente a este aleijadinho de corpo e alma - porque nem todos têm espinha dorsal erecta.
Acho que vou deixar de lhe chamar aleijadinho, esquecendo a compaixão minhota. Vou passar a apelidá-lo de: vice-reizinho da Europa. Porque a Rainha, já nós sabemos quem é...

Um poema traduzido de Ted Hughes (1930-1998)


Teologia

Não, a serpente não
Seduziu Eva a comer a maçã.
Houve aqui um equívoco
Na visão dos factos.

Adão comeu a maçã.
Eva comeu Adão.
A serpente comeu Eva.
Este é o lado negro do intestino.

A serpente, entretanto,
Vai jiboiando a refeição fora
Do Paraíso - ouve sorrindo
A chorosa chamada de Deus.

Comic Relief (44) : um "medley" carnavalesco

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Pinacoteca Pessoal 25 : Brancusi



Romeno, nascido a 19 de Fevereiro de 1876, a sua escultura "O Beijo" é quase tão conhecida como a obra homónima de Rodin. Constantin Brancusi (1876-1956) é considerado como um dos pioneiros da moderna escultura europeia. Fixou-se em Paris, por volta de 1903, cidade onde veio a morrer, com 81 anos de idade.

Da Grécia: Loukovikas Michales/Ares Alexandrou

Bibliofilia 59 : Cruz e Silva




Este folheto, de 12 páginas apenas, com impressão nobre e cuidada, é uma das poucas obras editadas, ainda em vida, por António Diniz da Cruz e Silva, nascido em Lisboa, a 4 de Julho de 1731, e falecido no Rio de Janeiro, em 1799. Era, nesta altura, Chanceler da Relação do Rio (Brasil) porque, além de poeta, desempenhava funções de Juiz, uma vez que era formado em Direito. Figura singular e grande dinamizador da Arcádia Lusitana, onde tinha o nome de Elpino Nonacriense, o seu conhecido poema herói-cómico "O Hyssope" ofuscou, imerecidamente, as suas restantes obras poéticas - que não são poucas.
São numerosos os folhetos com poesias dedicadas à inauguração da Estátua Equestre de D. José, no Terreiro do Paço. Poetas maiores e menores, e até vates obscuros, ensaiaram rimas sobre o assunto. Em quantidade, o tema, talvez só tenha sido ultrapassado, no séc. XVIII, em número pelos poemas consagrados ao terramoto de Lisboa de 1755.
O folheto, em imagem, é muito raro. E, além da boa impressão, está capeado por papel de magnífica qualidade e bonito, que também se mostra. A ode, em si, não acrescenta fama nem glória a Cruz e Silva. Mas sendo, como é, de raridade, foi caro. Dei por ele, estando como está, em bom estado de conservação, embora com algumas manchas de humidade no papel, 45,00 euros. Num alfarrabista de Lisboa, no ano passado de 2011. Mas como sou um incondicional de Elpino Nonacriense, dei o dinheiro por bem empregue. Além disso, nunca vi mais nenhum outro exemplar semelhante. Nem nos diversos catálogos de leilões e de alfarrabistas, que consultei. Aqui jaz, portanto, até um dia...

Um soneto de Nemésio para Sá de Miranda


Ao Bom Sá

Velho Sá de Miranda, que cantaste
Campos de Roma e lameiros do Minho,
O teu verbo moral é como a haste
Do carvalho cerquinho.

Lá nos altos ardores camonianos
- Turras, sonhos, prisões, amores dispersos -
Há lúcidos venenos italianos:
Tu, levantas perdizes dos teus versos!

Já o Rato dos Campos te aconselha
O celeiro pacífico, timbrando
Da rasoira de lei, medida velha.

E no arco da viola, firme e brando,
Para te distraíres, de quando em quando,
Estiras uma sílaba vermelha.

Nota: Vitorino Nemésio (1901-1978), açoriano, faleceu a 20 de Fevereiro de 1978.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Giuseppe Verdi / Franz Liszt / Jorge Bolet

George Steiner : perspectivas sobre a Arte


O pequeno excerto que vou transcrever, de uma entrevista com George Steiner, não é muito antigo: data de 1989. Mas as reflexões do filósofo, hoje, parecem quase anacrónicas. Se as perspectivas sobre o objectivo da Arte eram, nos anos 50, 60 e 70 do século passado, um dos temas importantes em relação aos intelectuais e artistas desse tempo, hoje, com o esbatimento das ideologias e o comodismo das elites, apagou-se de todo, ou quase, a importância dessa questão maior. Nem azul, nem vermelho: o que predomina é o cinzentismo da não-intervenção,  a terceira via que o silêncio proporciona, e pode permitir de benesses, no futuro. O amorfismo compensa e rende, quase sempre. Mas aqui vão as palavras de Steiner, retiradas de "Quatro entrevistas com George Steiner" (Fenda, 2000, com tradução de Miguel Serras Pereira):
"...A arte pela arte releva da estética, da sedução, de um estilo. A arte desinteressada não entra nas categorias da moral. A arte pela arte é uma ética toda-poderosa que combate o material, o político, a «polis». O dândi está extremamente consciente da sua estratégia política. Mas o meu temperamento, a herança do judaísmo, a educação que o meu pai me deu, a influência de grandes mestres como Gershom Scholem impelem-me para obras que comportem um debate ético, uma análise política. Instintivamente, oriento-me no sentido do dadaísmo e da escrita automática - há nesses movimentos um protesto contra a Primeira Grande Guerra e um cometimento político muito vincado. Tenho tendência desviar-me do «Happening», das estruturas auto destrutivas de Tinguely, das paredes cobertas de polistreno dos Pink Floyd, e viro-me de preferência para Brancusi e Giacometti que ilustram a nossa época com as suas visões morais e trágicas. ..."  

Brendel por Brendel (VIII, e último)

Livrinhos 6 : Alencar e Bécquer



Peninsulares, os livrinhos, um foi impresso em Madrid, no ano de 1949, integrado na colecção "Mas alla" (nº 26), do editor Afrodisio Aguado, S. A., e contém a versão integral das "Rimas" de Gustavo A. Bécquer (1836-1870). Custava, inicialmente, 10 pesetas, o que correspondia a 5$00 escudos portugueses, na altura. Comprei o voluminho, em Lisboa, em segunda mão, por Esc. 200$00, em finais dos anos 90 do século passado.
O segundo livrinho, "Iracema" de José de Alencar (1829-1877), pertencia à "Biblioteca Lilás", e foi editado no Porto (Ed. J. Pereira da Silva, Largo dos Lóios), por volta de 1922, e tem dedicatória manuscrita. Foi adquirido por Esc. 2$50, na Livraria Académica, também no Porto, por volta de 1959. Em imagem mostra-se, também, o início de uma nota do Editor, no mínimo, curiosa.  

para MR, que foi pioneira desta rubrica, no Prosimetron.

Nortenhas e populares (quadras) 12


Os olhos do meu amor
São duas azeitoninhas:
Alumiam toda a noite
Como duas candeiínhas.

Quem me dera ser colete,
Quem me dera ser botão,
Para andar amarradinha
Junto do teu coração.

Fui-me deitar a dormir
Entre verdes laranjais,
Para ver se me esquecias,
Cada vez me lembras mais.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Brendel por Brendel (VII)

Osmose (29)


Vamos que preferissem, como eu, para a alegria, os metais. Ou, na melancolia, se socorressem do violoncelo. Recomendar-lhes-ia Elgar e Jacqueline, mas como não me pediram opinião, fiquei calado e quieto, no sofá. Percebi, no entanto, que estava a assistir a uma despedida, entre os dois. Ele, crispado, ela, com pressa.
E, a última música que ouviram juntos, foram as transcrições de Liszt sobre a "Norma", de Bellini. O piano, na verdade, serve todas as estações. A vida e a morte, a alegria, a raiva, o desespero e a melancolia. Da Primavera ao Inverno. Seja em plenitude, seja no declínio. Pode cumprir a sua obrigação, até num adeus definitivo.

Aos interessados : Ettore Scola


Para quem goste de Ettore Scola (1931), para quem goste de comédia italiana, no seu melhor. Muito embora este filme (Brutti, Sporchi e Cattivi) que, em Portugal, teve o título de "Feios, Porcos e Maus" (1976), seja quase uma tragicomédia, sendo embora excelente, na minha opinião. Pode ver-se, hoje, na RTP2, às 22h42. Eu, não vou perdê-lo.

Produtos Nacionais 4 : Enologia Açoriana


Da enologia açoriana, sou um aprendiz ignorante. Do vinho generoso do Pico, que os czares russos importavam, talvez para lhes aquecer as noites frias do Kremlin, acho-o excessivamente seco - quase me faz sede... Embora seja quase único, na sua personalidade austera e fechada. Prefiro o Tokay ou o Carcavelos, que me lembram "primos" afastados.
E, até há pouco tempo, dos Açores e para acompanhar viandas, só tinha bebido um Lajido, branco, num restaurante de comida islenha, ali para as bandas da Cidade Universitária, há uns bons 10 anos. O vinho açoreano acompanhou, razoavelmente, um bife de espadarte, mas não me deixou saudades.
Mas, na semana passada, fui ao Espaço Açores, na Baixa (Rua de S. Julião). O pequeno supermercado é uma babel de sabores e tentações, com atendimento muito atento e simpático. Há de tudo: da carne (açoreana) às conservas, das compotas de ananás aos vinhos e aguardentes, do artesanato bonito às guloseimas requintadas, e ao fumeiro saboroso.
Dos vinhos, arrisquei dois. Já provei um deles que, não sendo barato (cerca de 7,50 euros), era muitíssimo bom e que foi uma agradável surpresa: Frei Gigante, branco, de 2010. Picaroto, é feito das castas Arinto, Verdelho e Terrantez - esta última, rara, e que também há, escassamente, na ilha da Madeira. O vinho açoreano, com 13º, é muito harmonioso na sua secura equilibrada. Fez-se companheiro dedicado, e à altura, de umas Vieiras recheadas, à maneira, e deliciosas. E aguentou-se lindamente com uma mousse de chocolate preto, quase sólida. Aí, aprimorou. O picaroto Frei Gigante, branco, até parece que se encheu de brios, para nos deixar saudades. Despertou o melhor dos seus aromas balsâmicos, de vulcão adormecido. É um vinho incomparável - qualquer dia lá volto.

Schumann / Lortie

A melhor da semana


Tivesse o insigne cibernauta escrito, por exemplo: mestre Ouguet (David), ou Afonso Domingues, Batalha ou a célebre frase "A abóbada não caíu...a abóbada não cairá!", e o pobre e mentecapto motor de busca do Google talvez tivesse percebido, mesmo na sua cegueira apalermada.
Mas o cibernauta, curioso e trapalhão, escreveu pernóstico, como search words: "a abobora o livro literatura de alexandre herculano", e foi o desastre total - até porque "não se deve confundir Germano com o género humano", como diz o povo, e com razão.
Mas o motor de busca do Google é caridoso e esforçado e, em vez de mandar "às malvas" o cibernauta desleixado, ou "abaixo de Braga", como ele merecia, humildemente indicou-lhe o Arpose, concretamente, e perante o mistério, o poste "Favoritos XLVII : Conan Doyle" de 22/1/2011.
Caíram, assim, as pedras todas da abóbada sobre o mestre Ouguet e, lá no outro mundo, o cego do Afonso Domingues deve ter-se rido às gargalhadas...

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Brendel por Brendel (VI)

Dos "Proverbios y Cantares", de Antonio Machado


XXXVI
Não é o eu fundamental
o que procura o poeta
mas o tu essencial.

LXVIII
Todo o néscio
confunde valor e preço.

LXXXVIII
O pensamento barroco
pinta línguas de fogo,
incha e complica o decôro.

Regionalismos minhotos (12)


Hoje, a selecção é feita sobre as palavras começadas por J, mais uma vez recolhidas do livro Vocabulário Minhoto (volume II), de M. Boaventura.
1. Jagodes - homem ou mulher extremamente feios.
2. Jandra - gente baixa, e reles.
3. Jerica - aguardente ordinária (calão).
4. Jeripiti - aguardente (creio que é usada, ainda hoje, em grande parte do país).
5. Joça - trapalhada.
6. Jorra - líquido escuro que cai no pote, depois de lavar o azeite.

Favoritos LXI : Maria Bethânia



de regresso e para AVP, em cadeia solidária e cordial.

Citações XCII : Martin Scorsese


"A sorte é uma questão de talento."
Martin Scorsese (1942).

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Brendel por Brendel (V)

Civilidade (20) : precauções


A já aqui citada Beatriz Nazareth, no seu "Manual de Civilidade e Etiqueta" (1898), sob o título de Um detalhe importante, aconselha na página 82 do seu livro:
"Os donos da casa que convidam um militar para uma soirée ou um jantar, devem dizer-lhe, á sua chegada: «Desarme-se, capitão, coronel, etc.» Um official não deixa a sua espada, em um salão, senão depois d'esta especie de licença dos donos da casa; é preciso não esquecer dar-lh'a."

Comentário: ora aqui está  um conselho que o nosso ministro da Defesa, Aguiar Branco, deve ter em consideração. Recentemente, o causídico nortenho, num discurso, afrontou as Forças Armadas. Acresce, em seu desabono, que Aguiar Branco nunca cumpriu o serviço militar. Por outro lado, as reacções dos militares foram rápidas e violentas. Nas próximas reuniões, será conveniente que os militares entrem no gabinete ministerial, sem as espadas. O ministro da Defesa poderá alegar, em seu abono, estas regras de etiqueta aconselhadas por Beatriz Nazareth.

Sinais


1. Quando o desemprego, em Portugal, atingiu (e não vai há muito tempo) o número redondo de 500.000 trabalhadores, da população activa, houve um sobressalto nos comentadores políticos e a Oposição vociferou, alto e bom som. Hoje foi notícia que os desempregados ultrapassaram o número recorde de 770.000. Na UE somos já o 4º país com mais  desemprego, depois da Espanha, da Grécia e da Irlanda.
2. Aquando da reeleição, em 2011, do nosso actual PR, a percentagem de abstenção nos eleitores foi quase igual à daqueles que votaram em Cavaco Silva. Há dias, e pela 1ª vez desde o 25 de Abril, um PR foi apupado nas ruas. Concretamente, no Porto. Hoje, e à última hora, Cavaco Silva desmarcou uma visita à Escola Secundária António Arroio. "Imponderáveis de agenda" - foi a justificação. Convenhamos que a manifestação que o esperava não seria muito calorosa, nem muito amigável. Mas também há a coragem ardilosa das raposas e a cobardia das hienas. Há leões e há coelhos. E há homens "for all seasons", para lembrar Thomas Moore.

São sinais. Mas, talvez, a ter em conta.

Carlos Paredes (1925-2004) : Canto do Amanhecer



Passa hoje mais um aniversário do nascimento de Carlos Paredes.

Manhã


No pequeno triângulo visível, o rio é um espelho afogueado. E o mármore, defronte, acaricia, já morno, os passos nervosos e saltitantes do melro matutino. A melancolia ficou-se pela bruma outrabandista, lá ao longe. Pequenos pardais, da nova geração, ainda frágeis, "cruzam os ares num assobio" rápido e contente. Subtil, a Primavera vai despertando, pouco a pouco, amena. Abrindo o seu regaço, espreguiça-se, e vai ganhando espaço.