sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Mais um tiro no pé da Justiça portuguesa


Não está em causa a inocência ou culpa de Isaltino Morais. A questão é bem mais simples mas, pelos seus últimos contornos, preocupante, significativa e grave.
Qualquer cidadão, qualquer comum da terra não conseguirá perceber como é que uma Sra. Juíza de Oeiras encontra motivos ponderosos e suficientemente fortes para mandar prender o autarca de Oeiras e, menos de 24 horas depois, um simples advogado aduza razões e motivos suficientes que obriguem à libertação do referido autarca?
Que leviandade é esta? Que rigor é este?
Tirem-me deste filme infantil!

Recomendado : dezanove - sobre o Porto


Não tive com o Porto, na infância e adolescência, uma relação fácil. Achava-o sombrio e mal encarado, granítico e áspero, sempre que lá ia com familiares. Sabia de memória, no entanto, o nome de várias ruas e praças, e havia percursos e locais que conhecia bem: Rua da Picaria, da Firmeza, Cedofeita, Carlos Alberto, Rua Formosa... Comia-se bem por lá, sobretudo na "Abadia" e nas "Palmeiras", por exemplo, onde costumávamos almoçar. No final dos anos 60, Eugénio de Andrade deu-me a conhecer o "Majestic", onde tomamos um café, ao fim da tarde, vindos da Duque de Palmela, 111.
Mas só em finais dos anos 80, quando o António, num Verão luminoso, me (nos) levou e mostrou a alma mais íntima do Porto, guiando-me através de recônditos lugares e altos donde se viam paisagens deslumbrantes sobre o Douro; só aí, repito, eu comecei verdadeiramente a gostar do Porto e da sua aparente "feiura".
Por isso, e outras razões, eu recomendo o livro de que se mostra a capa, encimando este poste, para quem quiser ficar a conhecer melhor a capital do Norte. Não é bem uma monografia, no sentido clássico do termo, mas até ensina mais. Fiquei a saber, por exemplo, a origem do nome Lóios. Os frades que primeiro se instalaram no convento portuense, vinham da igreja de Lisboa de Santo Eulógio ou Elógio. Por corruptela popular, as gentes começaram a chamar-lhes Elóis e, depois, Lóios - e assim ficaram.
Este livro, que recomendo, foi escrito por Germano Silva, com fotos de Lucília Monteiro, e tem o título: "Porto, a revolta dos taberneiros e outras histórias". Foi editado pela "Notícias Editorial", em 2004.

para o António, em contrapartida. 

História do arco da velha


O linguísta teve uma noite péssima. Sonhou que viajava interminavelmente, e de eléctrico, tendo que entrar e sair sempre que o guarda-freios mudava a agulha nos carris. E a chusma de passageiros, apeados também pela circunstância, nunca o deixavam reentrar primeiro. Ora, os bancos tinham todos a forma de letras pequenas do alfabeto, num design berrante e post-moderno. Sempre que regressava ao eléctrico os lugares mais cómodos já estavam todos ocupados. Nunca conseguia sentar-se no banco em forma de b, nem no d, muito menos no h ou no t, embora este último fosse muito baixo para o velho catedrático de Linguística. Ademais, os restantes passageiros e companheiros de viagem obrigavam-no a sentar-se, quase sempre, em cima do w - situação que lhe provocava grande incomodidade e enjoo. Apesar de ficar com enorme sonolência e acabasse a dormitar por causa do balanço do movimento no carro eléctrico. E, no sonho do sonho, ocorriam, obsessivamente, frases feitas tais como: "porrada de criar bicho", "porrada de cego"...
Acabou por acordar, com o corpo dorido e cheio de nódoas negras. Muito indisposto, lá se vestiu e apanhou um táxi para a Faculdade, para dar a aula de Introdução aos Estudos Linguísticos. Infelizmente, o banco de trás do carro, onde se sentou, tinha as molas num 8, de gastas, e o relevo mais se assemelhava a um m irregular, incómodo e oscilante. Quando se apeou do táxi, no terreiro da Universidade, ainda se sentia pior. Prometeu a si mesmo, nunca mais ler à noite, as Iluminações, Uma cerveja no Inferno, de Rimbaud, na tradução  de Cesariny. E encomendou-se a deus, antes de entrar no anfiteatro, para dar a aula de Linguística. Acontece que, logo no 2º degrau, tropeçou e caíu, desamparado, batendo com a cabeça nas esquinas dos L 's maiúsculos e sucessivos das escadas. Esteve em coma quatro dias. E ao quinto dia, morreu. Não deixou viúva, nem orfãos. Mas uma ampla bibliografia.

Em sequência desportiva, com Ruy Belo


Creio que não erro se disser que, nos anos 50 e 60 do século XX, em Portugal, os desportos preferidos eram, por esta ordem: futebol, ciclismo e hóquei em patins. Deste último, fomos campeões europeus e mundiais, várias vezes, e os nossos rivais mais fortes seriam: a Espanha, a Suiça e a Itália. Hoje, quem acompanhará, com atenção, o Hóquei em patins? Julgo que muito pouca gente...
Mas o ciclismo, nem se pagava para ver. E o povo acorria à estrada, com paixão, para ver passar os ciclistas na Volta a Portugal - era um acontecimento! Idolatravam José Maria Nicolau, Alves Barbosa, Joaquim Agostinho... Achei por isso oportuno trazer, hoje e aqui, a palavra de Ruy Belo para recordar um dos nossos grandes ciclistas, José Maria Nicolau (1908-1969), aquando da sua morte, em poema singelo, mas bonito:

José maria nicolau fugiu. Quem o apanha?
Nunca ele pedalou tanto como agora
Decerto vai chegar antes da hora
A etapa era decisiva e está ganha

Ele que várias vezes deu a volta a portugal
deu desta vez a volta a quê? Talvez à vida
A alguns anos já da primeira partida
fugiu. Tudo se torna agora mais real

Que média fez num terreno tão mau
É tudo serra custa muito subi-la
Deixem que eu vista a camisola amarela
ao grande corredor josé maria nicolau


Cromos 21 : Jogadores de Futebol


Até aos 11 anos, ainda acompanhei os jogos de futebol e fui sócio do clube da terra. Era o normal porque, não o fazer, era destoar da juventude da época. Mas a partir daí, comecei a ter outros interesses e preferia guardar o dinheiro da quota mensal para gastar noutras coisas. No entanto, coleccionar cromos dos jogadores de futebol que vinham nos caramelos de tostão, isso, ainda se prolongou por mais 2 ou 3 anos. Daí ter várias cadernetas da Bola, bastante antigas. Porque também havia prémios, trocas e os cromos podiam jogar-se ao "montinho" e era, às vezes, empolgante...
Esta colecção de que apresento 2 folhas em imagem deve datar de 1949 ou 1950/51. Está quase completa, mas faltam já as capas da caderneta...que o tempo levou. Creio ter sido composta por 195 cromos porque, além dos jogadores das équipas (que incluíam o Oriental, o Atlético, o Estoril Praia, imagine-se...) da 1ª divisão, vinham também reproduções do emblema e bandeira dos clubes. Fiz uma opção pelo Sporting, para incluir Gomes, Travassos e Jesus Correia; e pelo Porto, para aparecer o grandioso guarda-redes, Barrigana. Tempos que foram de dedicação à causa, e não de amor ao dinheiro... Os mercenários de hoje não têm alma, nem clube de afecto. É tudo uma questão de trocos.

Ele há coisas do diabo!...


Estava eu posto em sossêgo, no Youtube, procurando ouvir algumas peças musicais do compositor italiano Giovanni Battista Cirri (1724-1808) quando, ao clicar numa das obras para a escutar, em vez dos intérpretes e acordes musicais, me surgiu o anúncio que aqui fica em imagem (via fotocópia reproduzida por scanner). No mínimo, alguém no Youtube tem sentido de humor. Ou então, isto anda tudo descontrolado como a Economia, no mundo... Acabei por não ouvir a peça musical de Cirri, mas fiquei bem disposto!

Um soneto de Manuel Machado


Manuel Machado (1874-1947), que nasceu em Sevilha, era irmão mais velho de Antonio Machado. Ambos, poetas. Manuel formou-se em Filosofia e Letras. Sendo mais ortodoxo do que o irmão Antonio, trabalhou uma boa parte da sua vida como bibliotecário. O soneto que irei traduzir (Alfa y Omega) e transcrever, em seguida, insere-se num tema ou exercício intelectual que já tentara, como desafio, séculos atrás, Guilherme de Aquitânia quando inicia um poema a dizer que queria fazer uma poesia " de puro nada". Quevedo também aceitou o repto, num soneto bem interessante. E, entre nós, Alexandre O'Neill também não resistiu ao desafio. Entre o lúdico e o difícil exercício intelectual, aqui vai a tradução do soneto de Manuel Machado:

Cabe a vida inteira num soneto
começado com lânguido descuido,
e, apenas começado, já terá passado
a infância, imagem da primeira quadra.

Chega a juventude com o seu segredo
da vida, que passa, inadvertido,
e que se vai também, que já se foi,
antes de entrar o inicial terceto.

Maduros, olhando o ontem regressamos
magoados e, ansiosos, à manhã,
e assim o primeiro terceto dissipamos.

E, quando no último terceto entramos,
é para ver com experiência vã
que se acaba o soneto...E que nos vamos.

Milagres


Desde remota antiguidade que os milagres eram registados pelos homens da Igreja, não só para consubstanciar a importância dos santos e santas a quem os atribuíam, como também para aumentar a fé dos crentes. Normalmente de forma sucinta e em manuscrito, em anotação formal. Mais raramente, apresentados em registo literário, com algum recorte de qualidade. Destes últimos são exemplo os Milagres de Nuestra Señora, de Gonzalo de Berceo, os Milagres de Notre Dame, atribuídos a Gautier de Conci, ou, mais lateralmente, as  Cantigas de Santa Maria, de Afonso X.
Dos milagres atribuídos a Nossa Senhora da Oliveira, que se venera na Colegiada de Guimarães, há vários manuscritos conhecidos, com a sua descrição, um dos quais remonta ao séc. XIV. Os registos abarcam curas de endemoninhados, cegos, surdos, tolhidos dos membros e mudos, principalmente. Cristina Célia Fernandes, numa tese de Mestrado em História e Cultura Medievais, estudou o apógrafo de 1351, transcrevendo também alguns dos milagres atribuídos a Nossa Senhora da Oliveira. A tese veio a ser editada em livro no ano de 2006, com o título "O Livro dos Milagres de Nª Sª da Oliveira da Real Colegiada de Guimarães". Vamos transcrever, tal como aparece no livro, o milagre 21. Segue:
"No dicto dia ffez milagre em huu moço pequeno que a per nome Johanne e disse que morava na ffreguesia de Sam Martinho de Lagares e [que tinha] a mão seestra torta e os dedos entoleitos e saraua a mãao e que el disse e os da terra que o sabiam que nunca aquella mãao aurira senom torta em este dia fforom na vila o Conde Do[m Pedro] e o arçabispo dom Goçallo Pereira e muytas companhas e o chantre e os clerigos e coonygos do coro veendo estes millagres fforo lhy ffazer prosiçom eu Affonso Perez tabliom de Guimarães este millagre escreuy testemunhas Gil Lourenço Gil Perez Martjnz Annes ta[bliom Vaa]sco Domjnguez almoxeiffe Btalameu Perez e outros/"

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Astrologias (5) : Balança ou Libra


Pacificadores naturais (Gandhi) e diplomatas (papa Paulo VI), embora não temam a luta (Eisenhower), os nativos do signo astrológico da Balança, ou Libra, tentam ou procuram criar, em torno, atmosferas de harmonia. Mas menos que ser um signo de equilíbrio, Balança procura o seu próprio equilíbrio, recorrentemente. Com grande sentido estético, apreciam as Artes e, muitas vezes, a uma das vertentes se dedicam (o rei D. Dinis, à poesia; D. Carlos, à pintura). Tem bom sentido crítico e, normalmente, apurada intuição (T. S. Eliot, Óscar Lopes). Sob o signo de Vénus, as mulheres do signo da Balança possuem um fascínio natural que lhes proporciona uma vida amorosa intensa (Rita Hayworth, Brigitte Bardot). Grande número de prosadores pertencem a este signo (Oscar Wilde, William Faulkner, Graham Greene) e alguns cantores (Maurice Chevalier, John Lennon). Ponto sensível: os rins. Países sob a influência de Balança: China, Japão e Tibete. Cidades: Lisboa, Antuérpia e Viena. Voilà.

Para o JAD.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Quotidianos lisboetas (2)

Poderia ser de Teresa Salgueiro, a voz que vem dos jardins Farrobo  - mas não é -  agora, já noite perfeita. Falta-lhe o "golpe de asa", a ousadia juvenil para lá chegar e ultrapassar a mediania. Mas é agradável de ouvir, apesar de tudo. Antes, pela antiga Rua Velha do Tesouro, subiam do lajedo o bater das ferraduras (novas tecnologias) e o nostálgico piano sincopando jazz num happening inesperado, neste final de Setembro de 2011. (Era então isso, o que estavam a preparar, de tarde!...) Não andasse eu a ler "História do Infante D. Duarte..." (1889), de Ramos-Coelho, e não me vinha à memória a sereníssima Casa de Bragança. Porque estes terrenos foram comprados por D. Nuno, à Ordem de S. Francisco, em tempos medievos. Mas nesta noite de Verão serôdio, temos Fado, jazz, novas tecnologias ( o bater das ferraduras), se abrirmos as janelas altas. Dissonante e periodicamente, a fazer-se ouvir, apenas o som metálico e frenético do eléctrico pelas calhas, nesta noite mansa.

Quotidianos lisboetas


Deviam estar a preparar alguma coisa nos jardins do Palácio do Conde de Farrobo, ao Chiado. Recepção, festa, ou vernissage, porque os canteiros estavam cuidados, os arbustos aparados e, por uma nesga de uma porta que dava para a rua, consegui ver 2 cozinheiros aperaltados a preceito e vários tachos e panelas sobre o fogão industrial da cozinha. Próximo, e de um caminhão parado na rua descarregavam vitualhas. Como sempre, à portuguesa, 3 moleques faziam o trabalho, e 5 "cavalheiros", muito direitos e aristocráticos, encostados à parede, davam ordens ou mandavam bocas correctivas aos oficiais mecânicos. Estava calor.
Eu já vinha da Bertrand, após ter resolvido, metafisicamente, uma dúvida difícil. Na mão direita eu tivera "Uma viagem à Índia" de Gonçalo M. Tavares, com prefácio de Vasco da Graça Moura, na esquerda sopesara, indeciso, de João Paulo Martins, "Vinhos de Portugal 2012", sem prefácio, a não ser do próprio autor. Mas eu só queria comprar 1 livro. Tinha que optar...
Entre os muitíssimos autores citados, de um dos livros, e os inúmeros vinhos referenciados, no outro, preferi o João Paulo Martins. Entre a poesia e o vinho, desta vez ganhou Baco. Também é verdade que havia alguma diferença de preços entre as duas obras, o que também conta, num orçamento limitado... 

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Em louvor da Caipirinha


Estava eu frente à janela a folhear Le Monde (que H. N., amavelmente me passa, depois de ler), quando vi a primeira esquadrilha de estorninhos (4) a sobrevoar o Tejo, no seu voo trémulo de asas nervosas. É Outono, realmente, mas eles vieram cedo. Já no ano passado também assim aconteceu.
Eles passaram,  eu passei a página do jornal francês e li, com agradável surpresa o título da notícia: "La caïpirinha inonde les nuits parisiennes". Ao que parece, esta fresca e óptima (quando bem preparada) bebida brasileira está a ser um sucesso e já destronou a "margarita" e o "mojito", nas noites da capital francesa. Também eu sou um incondicional dela, em noites de extremo calor de Verão, desde que ms, em 2008, ma deu a conhecer. Mas este Verão passado de temperaturas apenas médias não deu para muitas: talvez umas 4 ou 5, no máximo.
Mas continuo a ser um fã, quando o calor aperta e, na minha opinião pessoal, são um óptimo auxiliar da digestão. E, como do que gosto, partilho, já "peguei o vício" a alguns belgas e alemães que apreciaram, também e devidamente, a caipirinha brasileira.

Favoritos LV : T. S. Eliot


T. S. Eliot, nascido nos Estados Unidos a 26 de Setembro de 1888, é como ser humano uma personagem curiosa. Ao inverso de W. H. Auden, trocou na idade adulta o seu país de origem pela Inglaterra. Procuraram, talvez, os dois o local de vida mais de acordo com os seus temperamentos. E Eliot era realmente mais conservador. Vindo a converter-se, depois, ao catolicismo. Foi poeta importante e crítico perspicaz e influente. Nos seus exemplares Essays, a propósito de Pascal, escreveu:
"...Pascal é um homem do mundo entre ascetas, e um asceta entre homens do mundo; tinha o conhecimento da mundanidade e a paixão do ascetismo, e nele os dois  fundem-se num todo individual.
A maioria da humanidade é intelectualmente preguiçosa, não sente curiosidade, deixa-se absorver por futilidades e é emocionalmente tíbia, e por isso incapaz quer de dúvida quer de muita fé; e quando o homem vulgar se chama a si próprio céptico ou descrente trata-se em geral de uma simples pose, que disfarce a aversão a pensar sobre qualquer coisa até chegar a uma conclusão. ..."

domingo, 25 de setembro de 2011

Mercearias Finas 38 : a preferência de uma Senhora


Fico sempre curioso de pratos que não conheço, mas tenho boa boca mesmo para refeições modestas. E a única coisa que não gosto, são pratos em que entre peixe espada, nem o preto, da Madeira. As razões têm origem em Coimbra e um dia falarei disso, se achar oportuno.
Hoje, na revista "Pública", ao ler as respostas a um Inquérito, por parte de Maria de Lourdes Modesto, pessoa que muito admiro e respeito (ainda para mais é do meu signo astrológico) fiquei surpreendido com um prato de que ela gosta, e costuma pedir quando vai a um certo restaurante. Maria de Lourdes Modesto definiu-o assim: "...cristas de galo em cozedura unilateral a baixa temperatura, cama de raia  desfiada, crême-fraiche da Normandia, trufas d'Alba, crocante de pão alentejano, quenelles de topanimambo e seu coulis de pepino, redução de vinho do Porto e espuma de Parmesão."
Para vir de quem vem, deve ser de arromba!...

Comic Relief (34) : as "search words", para variar...


Aqui vão:
1. Não sei, francamente, se o actor Andy Garcia alguma vez representou o papel do pintor Amedeo Modigliani, mas houve um visitante que indicou, curioso, ao Google o seguinte: "ping pongue com Andy Garcia amadeo modigliani"; e o Google, pressuroso, levou-o até ao poste "Comic Relief (20) : o chiclete Ping-Pong" do Arpose, colocado em 23/12/2010.
2. Outra visita, decerto amante de genealogias, lançou para o motor de busca: "ana maria morais carlota joaquina artes plásticas" (era guloso, este investigador!); pois o Google, ardente difusor de cultura, deu-lhe a dica: "Pelos 76 anos de Eduardo Gajeiro", de 16/2/2011. Bom trabalho, ó Google!
3. Um pesquisador bilingue disse para o motor de busca: "Cavaleiro no animals meat"; e foi empurrado, culturalmente para uma tela de Francis Bacon, que ilustra o poste: "O ogre de Oslo e o silêncio dos inocentes", do Arpose.
4. Outro visitante, talvez disléxico ou trapalhão, escreveu as "search words": "o vinho de hebe poesia ilustrado" (admitamos, também, que este investigador gostasse de se meter nos copos...); contagiado, o Google deu-lhe a pista do poste "Poema longo, poema breve". Desta vez o Google, pelo menos, tresleu...


sábado, 24 de setembro de 2011

Amizade


Um Amigo, é saber onde pousar a mão. Ter a medida certa de até onde podemos ir, naquilo que dissermos. Fidelidade de não esquecer a voz. Perdoar com alegria. Sangue da memória, silêncio partilhado, entendimento cúmplice, confidência de Outono, adivinhação pressentida, comunhão laica. Percebermos quase tudo.
É pensar que seria melhor que a morte nos pudesse atender primeiro.

Sobre auto-retratos


Andrew Forge (1923-2002), crítico inglês arguto e pintor reconhecido, deveria saber do que estava a falar quando afirmou, na sua obra "Soutine" (Londres, 1965): "... porque uma paisagem por Van Gogh ou uma natureza morta são também um auto-retrato" (pg.14).

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Os tempos


A velhice é muitas vezes, também, intransigência, desajustamento e incompreensão. Há quem o tente evitar, com bonomia e humildade. Mas ao vermos que há lutas físicas, em arenas ( ou jaulas) de clubes ingleses, (em Preston, pelo menos) entre crianças de 8 anos, com a complacência dos Pais (?),  e com larga assistência de adultos; e ao observarmos polícias Municipais (?) de trotinete, a "brincar" subindo e descendo a Rua do Carmo e a Rua Garrett, e fazendo-se fotografar com turistas sorridentes e surpreendidos, não nos sobra pachorra para tanto. Nem sequer compreensão...Valha-me deus!

Neruda e o Outono


Pablo Neruda faleceu a 23 de Setembro de 1973, poucos dias depois do golpe militar de Pinochet. Em tradução de Fernando Assis Pacheco, integrada na "Antologia Breve" (1969), editada pelas Edições D. Quixote, passo atranscrever o poema Volta o Outono:

Um enlutado dia cai dos sinos
como teia tremente duma vaga viúva,
é uma cor, um sonho
de cerejas afundadas na terra,
é uma cauda de fumo que chega sem descanso
para mudar a cor da água e dos beijos.

Não sei se me entendem: quando lá do alto
se avizinha a noite, quando o solitário poeta
à janela ouve correr o corcel do outono
e as folhas do medo calcado estalam nas suas artérias,
há qualquer coisa sobre o céu, como língua de boi
espesso, qualquer coisa na dúvida do céu e da atmosfera.


Voltam as coisas ao lugar,
o advogado indispensável, as mãos, o óleo,espesso,
as garrafas,
todos os indícios da vida: sobretudo as camas
estão cheias de um líquido sangrento,
as pessoas depositam a confiança em sórdidos ouvidos,
os assassinos descem as escadas,
e afinal não é isto, mas o velho galope,
o cavalo do velho outono que treme e dura.

O cavalo do velho outono tem a barbada vermelha
e a espuma do medo cobre-lhe as ventas
e o ar que o segue tem forma de oceano
e perfume de vaga podridão enterrada.

Todos os dias desce do céu uma cor de cinza
que as pombas devem repartir pela terra:
a corda que o esquecimento e as lágrimas entretecem,
o tempo adormecido longos anos dentro dos sinos,
tudo,
as velhas roupas traçadas, as mulheres que vêem chegar a neve,
as papoilas negras que ninguém pode contemplar sem morrer,
tudo vem cair às mãos que levanto
no meio da chuva.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Velório


É estranho, no mínimo, o que motiva e atrai grande número de pessoas. Entre o dia de ontem, em que coloquei um poste sobre a morte de Júlio Resende (às 16,58 hrs) e hoje, mais ou menos à mesma hora, mais de um terço (cca. de 60) das visitas ao Arpose foram direitinhas a um poste que tinha feito a 23/10/2010, aquando dos 93 anos do Pintor portuense. Todas elas visitando o blogue, pela primeira vez. Uma pequena parte também se desviou para os outros dois postes que colocara, sobre Resende, neste blogue. Foi uma autêntica romaria! Busca de imagens, curiosidade, necrofilia? Não sei, francamente, e fiquei surpreedido, até porque os visitantes eram todos portugueses. Mas não devia ficar admirado: quando foi da morte de Angelo de Sousa, outro pintor portuense, aconteceu o mesmo fenómeno, embora com algumas visitas de países estrangeiros.
(Na imagem reproduz-se "Ribeira Negra", uma das obras mais emblemáticas de Júlio Resende.) 

Livros usados


A quem frequenta alfarrabistas, ou compra livros em segunda mão, decerto já lhe terá acontecido deparar-se-lhe com um livro usado em bom estado e, praticamente, virgem; quero eu dizer: com as páginas por abrir.
São normalmente obras académicas e têm, muitas vezes, o nome do presenteado, na dedicatória do ofertante. Outras vezes, o ofertado teve a preocupação de riscar a dedicatória, ou rasgar a página que permite desvendar estes sinais de respeito e amizade. Mas é mais raro este cuidado. E a dedicatória permite-nos imaginar que, quem recebeu o presente, não teve tempo ou pachorra para abrir e ler o livro. É, no fundo, uma coscuvillhice ou uma inconfidência abstracta...que se transmite para fora dessa intimidade e que nem sempre ficará bem ao ofertado, porque não só não leu o livro, como não teve pejo em desfazer-se do volume, vendendo-o, provavelmente, por tuta e meia a um alfarrabista.
William Faulkner (1897-1962), escritor americano que recebeu o Nobel em 1949, não é um autor fácil - a sua leitura é áspera, embora profunda em densidade e conteúdo. E, desde a leitura de "Palmeiras Bravas", traduzido e excelentemente prefaciado por Jorge de Sena, que eu ando a tentar ler as obras principais do autor americano. Ontem adquiri, num alfarrabista de Campo de Ourique, o "Santuário" numa edição da Editorial Minerva, traduzido por Marília de Vasconcelos e editado no início dos anos 70 do século passado. Custou-me 3,00 euros. Das 278 páginas do livro, apenas 65 foram abertas (e lidas?). Donde pude concluir, embora sem fundamento rigoroso, que a Paloma, que fazia anos a 6 de Abril, não teve paciência ou tempo para o ler. E isto porque, na 3ª página da obra, está escrito à mão o seguinte: "6/4/75 - Para a Paloma c/ um beijão de Parabéns, da Mena".



quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Ao lusco-fusco


Primeiro, a neblina fecha de todo o que antes fora o tufo verde e alto de Palmela. Há uma linha branca, como um sulco, traçada por um barco sobre o verde-escuro do Tejo. Acendem-se as primeiras luzes no Seixal e no Barreiro: vejo-as ao longe. As andorinhas despedem-se com a aragem fresca e o declinar da luz. Ficarão, por certo, as gaivotas até mais tarde. Ou pela noite fora, altas, sobrevoando o rio, nas suas aéreas manchas esbranquiçadas.

Júlio Resende (1917-2011)


Suspendeu-se a alegria na tarde. A morte vem ter connosco. Colectiva, contagiosa, geral. Júlio Resende (1917-2011) morreu hoje de manhã, cerca das 10,30 - disse-me o António. A memória que levamos às costas cada vez pesa mais. E já não é só de alegria.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Citações LXXVIII : Nicolas Chamfort (3)


"Há uma melancolia que acompanha a grandeza de espírito."
Nicolas Chamfort (1740-1794).

Pelos finais de Setembro e do Verão


Estavamos a beberricar um Bucelas na esplanada, eu e o meu amigo Luís. O mar parecia manso, depois das marés vivas, as areias já quase livres e lisas de pegadas. E o azul anémico do céu mostrava alguns flocos de nuvens borbulhantes e mexidas. Era quase Outono, propenso à memória de outros dias mais luminosos. O Luís começou, então a contar-me (são palavras dele ligeiramente rectificadas, salvo num ou noutro pormenor):
"...anteontem, fui ao mesmo restaurante onde já não ia desde Agosto. Tu sabes, o olhar fica errante e curioso quando almoçamos ou jantamos sozinhos, fora. O mesmo acontece se somos o único estrangeiro, à mesa, num grupo de nacionais, porque falamos menos. Sobretudo se só soubermos dizer: sim, não e obrigado.
Depois reparei que, à minha frente, estava o mesmo grupo de pessoas que estavam da última vez que lá tinha ido. Só faltava um casalinho simpático que abancara com os outros, em Agosto. Mas o filho pequeno permanecera com os mais velhos, que deviam ser os avós. A jovem mulher do casal ausente devia ser nórdica, porque só a tinha ouvido dizer: sim e obrigado, com sotaque. Tinha o olhar claro, errante e curioso e trazia um vestido cor de fogo (lembras-te do José Régio?), de alças, que contrastava, quase escandalosamente, com o marfim da pele. Vi-a sorver com volúpia as ostras que vieram de entrada. E lamber, de olhos semi-cerrados, com prazer, o suco que escorria das gambas al ajillo. Dava gosto vê-la, sabes, assim jovem, assim abandonada no seu vestido escarlate quente. Mas anteontem já não estava lá. Para minha pena.
Por respeito à memória de Agosto passado, não pedi ostras, nem gambas. Optei por umas Tripas à moda do Porto, e acompanhei-as com Quinta de Cabriz, tinto. Porque estava frio, na sala. Tu sabes, às vezes, sou um romântico, sobretudo quando o Outono está por perto..."

O bonito, o belo e o feio


O bonito gera mais amplos consensos de agrado, em Arte, do que o feio, quando representado. Para, esteticamente, apreciarmos o "feio" é sempre necessário ultrapassarmos alguns obstáculos pessoais, sociais e até, por vezes, de cânone consagrado no Tempo. É muito mais fácil gostar ou aceitar a pintura dos pré-rafaelitas, do que admirar a obra de um Chaim Soutine ou de Francis Bacon. Pelo meio ficarão decerto Munch, Lucian Freud ou Paula Rego, e tantos outros pintores. Comecei pela Pintura, para chegar a outra arte. O poema (traduzido por João Barrento, para a Relógio d'Água) que vou transcrever, foi escrito por Gottfried Benn (1886-1956), escritor alemão que exerceu medicina, civilmente e no exército alemão. É, na minha opinião, um bom poema, embora possa não ser considerado "bonito". Intitula-se "Kleine Aster" (Pequena Sécia). Aqui fica:

Um carroceiro afogado foi içado para cima da mesa.
Alguém lhe tinha enfiado entre os dentes
Uma sécia, de um lilás claro-escuro.
Quando, a partir do peito,
por debaixo da pele,
lhe arranquei a língua e o palato
com uma grande faca,
devo ter-lhe tocado, porque ela escorregou
para o cérebro que estava ao lado.
Meti-lha na caixa torácica,
no meio das aparas de madeira,
quando o cosiam.
Bebe no teu vaso até à saciedade!
Descansa em paz
Pequena sécia!

Vinhos do Douro


Será consensual que a região demarcada do Douro foi aquela que, nos últimos anos, mais adeptos conquistou, desafiando, no pódio, o Alentejo. Embora apreciando-as, continuo quase castamente fiel à região demarcada do Dão. Pena é que esta região não tenha tido um Pigmalião, até hoje, que lhe desenvolva as potencialidades, porque os vinhos do Dão ainda conservam a extrema elegância de sempre.  E têm, muitas vezes, uma boa longevidade. O que direi a seguir só a mim compromete e parte, não de um perito, mas de um amador que gosta de bons vinhos e tem, pela idade, alguma experiência.
Creio que a Tinta Roriz tem, no Douro, o seu terreno de eleição ( ou terroir preferencial) na qualidade de produto, e sendo, para mim, a casta portuguesa favorita ( o cânone diz que é a Touriga  Nacional), aqui deixo a minha opinião. Embora no Dão também desenvolva muito bem. Mas em relação a castas portuguesas, o Douro tem, praticamente, a exclusividade da Tinto Cão, e da Tinta Amarela que  também aparece, episodicamente, nos vinhos do Dão.
Leituras recentes sobre as vindimas no Douro, e memória, fizeram-me recordar algumas colheitas boas da região: 1999, 2003 e 2004. Ao que parece, as vindimas começaram cedo este ano, por causa das condições climáticas de Agosto, depois foram interrompidas, finalmente retomadas em Setembro, já com melhores augúrios. Classifica quem sabe, que não eu, e de várias leituras, pelas perspectivas dos resultados das colheitas anuais:
2007 - ++
2008 - ++
2009 - +
2010 - + ou -
2011 - + ... (?).
Assim seja. 

domingo, 18 de setembro de 2011

Orgãos noticiosos, curiosidades e animais


Por vezes os jornais e agências noticiosas não nos dão conta de acontecimentos, no mínimo, significativos do que se vai passando pelo mundo. Concretamente, nenhum Media importante deu a conhecer que, a 17 de Setembro de 2011, cerca de 50.000 jovens americanos fizeram uma marcha de protesto em direcção a Wall Street, onde vieram a acampar, por entre barreiras montadas pela Polícia. Chamaram-lhe "Pegar o Touro pelos cornos". Simbolicamente, e por ser Wall Street, visavam protestar contra o coração do poder económico-financeiro e suas regras obscuras e, muitas vezes, nocivas.
Por outro lado, os media dão-nos a conhecer curiosidades da Natureza, bem pitorescas. Eu já tinha visto (cinema?, ilustração de anedotas?...) imagens de alces cambaleantes - achava estranho. Pois hoje, através dum jornal, vim a saber a razão. Os alces comem maçãs e, nos países nórdicos e pelo final do Verão, esta fruta entra em fermentação e o açúcar transforma-se em álcool. Daí os alces embriagados.

Os gatos de Doris Lessing


Nunca fui muito à bola com gatos. O meu gato primordial, aliás gata, chamava-se "Violeta" e deixou-me alguns arranhões na memória. Por isso, quando vi o livro no alfarrabista, como era de Doris Lessing (1919), prémio Nobel de 2007, folheei-o, mas voltei a pousá-lo na estante. Mais tarde, decidi arriscar e comprei-o. Tem por título "Gatos e mais gatos" (Particularly Cats and More Cats), foi traduzido, para a Cotovia, por Maria Isabel Barreno e publicado em 1995. Fiz bem tê-lo comprado, porque se lê lindamente. Fala de gatos persas, africanos e londrinos, com a minúcia inteligente e o pormenor atento de quem os conheceu e conviveu com eles. A leitura deste magnífico livro quase me fez começar a gostar de gatos -julgo que não posso fazer melhor elogio à obra de Doris Lessing. Aqui vai, por isso, um bocadinho para quem goste de gatos (ou não), e para aguçar o apetite:
"...A minha gata era uma jovem de origem indistinta, branca e preta, garantida como limpa e dócil. Era um bicho bastante simpático, mas eu não a amava; não sucumbi. Estava, em resumo, a proteger-me a mim própria. Achava a gata neurótica, ansiosa, agitada; o que era injusto, porque a vida num gato da cidade é tão pouco natural que ele nunca aprende a ser independente como um gato de quinta. Aborrecia-me porque ela esperava que voltássemos para casa - como um cão; precisava de ajuda humana para ter gatinhos. E quanto aos hábitos alimentares, ganhou a batalha na primeira semana. Nunca comeu, nem uma vez, outra coisa que não fosse fígados de vitela mal passados e pescada mal cozida. Onde arranjara esses gostos? Perguntei ao seu ex-dono, que também não sabia. Deixei-lhe comida de lata, e restos da mesa; mas só mostrou interesse quando nos viu comer fígado. E só comia fígado cozinhado em manteiga, nada mais. Uma vez decidi levá-la à submissão pela fome. «É ridículo que um gato tenha que ser alimentado, etc., etc., quando noutros lugares do mundo há pessoas a morrer à fome, etc.» Durante cinco dias dei-lhe comida de gato, restos da nossa comida. Durante cinco dias ela olhava reprovedoramente para o prato, e ia-se embora.Todas as noites eu deitava fora a comida cediça, abria nova lata, voltava a encher a tijela do leite. Ela vagueava por ali, inspeccionava o que eu lhe dera, abalava. Ficou mais magra. Devia ter muita fome. Mas, por fim, fui eu quem cedeu.  ..."(pgs. 24/25).

sábado, 17 de setembro de 2011

Citações LXXVII : Paul Klee


"Eu gostaria de criar uma ordem a partir do sentimento e, indo mais longe, a partir do movimento."
Paul Klee (1879-1940).

Fait-divers : desgarrada tecnológica


Nunca tal me acontecera. Hoje, cerca das 18,30hrs., ao ligar o computador para o Arpose, em simultâneo, desataram a cantar, ao mesmo tempo, repito, Aldina Duarte, Lucília do Carmo e Salvatore Licitra, em vozes sobrepostas e estridentes. Foi uma autêntica desgarrada googlesca! Tive que desligar, rapidamente, o computador, para voltar a tranquilidade, em vez do alarido caótico...Nem imaginam!

Salvatore Licitra (1968-2011)

Faleceu, há poucos dias, este tenor italiano que muitos consideravam digno sucessor de Pavarotti. Paolo Pinamonti trouxe-o ao S. Carlos, em 2004, e referiu-se-lhe como um tenor dramático verdiano, com grande sensibilidade e inteligência na sua Arte.

Carta de alforria para os melros


Pequenas coisas ou aptidões podem salvar uma vida. Nos campos de concentração nazis, por exemplo, houve judeus a quem pouparam a vida, por serem bons músicos e para continuarem a tocar.
No anterior Governo- soube por intermédio de c. a.- foi alargado aos melros o regime de caça. Até aí era proibido caçar estes Turdídeos. É certo que a população dos melros tinha crescido muito, em Portugal, até mesmo nas cidades. Mas, quando foi publicada a autorização legislativa, houve um côro de protestos civis e de associações - mesmo assim, o governo de Sócrates não emendou a mão, nem arredou pé.
Recentemente, o novo Governo revogou a lei, e bem. Seja isto levado em conta positiva, para as muitas medidas negativas que tem tomado em relação aos humanos animais...
Terá pesado (quem sabe?) na decisão o cantar melodioso dos melros que, tanta vez alegra os jardins e praças das cidades, provavelmente também. Mesmo assim, com a crise e fome escondida que aí anda, será conveniente que estas aves de bico amarelo e andar furtivo se mantenham longe dos humanos, não vá o diabo tecê-las. E que não façam como os atrevidos pardais que quase debicam os nossos sapatos, ou as ousadas pombas. Seja como for, pintassilgos, melros e canários!, continuai a cantar no vosso tom melodioso e agradável, pois assim, talvez eviteis as balas mortíferas dos caçadores e a impiedade de algum ministro. Quanto aos tordos, rolas e perdizes, creio que não há nada a fazer...a menos que aprendam música nalgum Conservatório.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Quadra solta de um fado perdido

Cobriu-se de névoa o rio,
de cinzento o fim da tarde
e, meu amor, quanto ao frio
que a memória te guarde.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Adagiário LXX


1. Barbeiro novo aprende nas barbas do tolo.
2. Aurora ruiva, ou vento ou chuva.
3. Aranha fora do aranhal, temos chuva ou temporal.
4. Azeite de riba,  mel do fundo e vinho do meio, aceita-se sem receio.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Fragmento de 1 poema de Herberto Helder


...
Idade sem amor bloqueada pelo êxtase
do tempo. Fria.
Com a cor imensa de um símbolo.

Eu trabalho nas luzes antigas, em frente
das ondas da noite. Bato a pedra
dentro do meu coração. Penso, ameaçado pela morte.
E uma raiz séca, canta-se
no calor. É uma idade cor da salsa.
Amarga. Imagino
dentro de mim.Trabalho de encontro à noite.
Procuro uma imagem dura.
...

Herberto Helder, in A Faca não corta o Fogo (pgs. 25/26), Assírio & Alvim, 2008.

Impromptu

Há músicas, há locais e cheiros que, de repente, nos incendeiam a memória com um rosto  iluminado, um delta  negro, uma frase gravada em pedra, num momento intenso, mas melancólico, que pertence ao passado.
Não saberemos explicá-lo, nunca. Porque quando aconteceu não lhe demos a importância que, depois, veio a ocupar na nossa vida, para sempre. Como disse Pascal: "O coração tem razões que a razão desconhece."

Mercearias Finas 37 : gastronomia queiroziana


Publicado já postumamente, "A cidade e as serras" de Eça de Queiroz, é porventura um dos romances do Autor em que mais se fala de comida e vinhos - rústicos e refinados. Reli-o recentemente e re-gostei. Retive alguns episódios saborosos, nomeadamente, Eça falar de Camilo pela voz de uma personagem (pg. 295, da 9ª edição, da Lello, 1924), referir um provérbio ("Em Janeiro mete obreiro, mês meante que não ante.", pg. 271) que eu desconhecia, mas sobretudo a inúmera gastronomia que perpassa pelo romance. Vou referir as viandas, a benefício de inventário, começando pelo princípio, ou seja, as:
Entradas - Salada Chambord, Ortolanas geladas e Ostras de Marennes (estas 2 últimas muito apreciadas por François Mitterrand).
Sopas - Canja de Galinha,  consomé frio com trufas e Caldo de Galinha, com fígados e moelas.
Pratos principais - Peixe assado da Dalmácia (que dá origem ao rocambolesco episódio do ascensor avariado, no nº 202 dos Campos Elísios), o célebre Arroz de Favas, aquando da chegada nocturna a Tormes de Jacintho e Zé Fernandes; e ainda o Frango com Túbaras, Filetes de Veado macerados em Xerez, Cabrito Assado em espeto de cerejeira,  Lagosta, Pato com pimentões, Cordeiro Barão de Pauillac, bem como os lusos Bifes de cebolada e os Ovos com chouriço.
Sobremesas - Morangos gelados em Champanhe e "avivados com um fio de éter" (pg. 128), Arroz doce, Laranjas geladas em éter, queijos: manchego, Camembert e Rabaçal.
Vinhos - Madeira, um Porto (particular) de 1834, Chablis, Bordéus, Borgonha, Barsac, Château-Yquem (ainda hoje célebre, muito apreciado e caro), Médoc, Château Lagrange, Champanhe St. Marceau; dos espanhóis: Amontillado e Rioja. E, para rematar, Aguardente Chinchon.
Devo dizer que não fui absolutamente exaustivo...

para MR, cordialmente.

Astrologias (4) : Virgem


De uma maneira geral, os nativos do signo da Virgem têm aspecto tranquilo e cordato (Adriano Moreira), embora distante e frio. Muito raramente, podem ter feitio crispado (José Sócrates) e algo agressivo. Politicamente são, quase sempre conservadores (Paulo Portas), mas têm o verbo fácil, embora lógico e ordenado, graças a Mercúrio, patrono do signo da Virgem, e de Gémeos. As mulheres, quando bonitas, possuem uma beleza serena e misteriosa (Greta Garbo, Ingrid Bergman, Lauren Bacall), sendo discretas, pouco frequentemente exuberantes (Sophia Loren). Os nativos da Virgem têm um temperamento crítico, analítico ao extremo (a ponto de poderem ser muito picuínhas). Organizados, perfeccionistas (Goethe, Oliveira Marques), sempre atentos ao detalhe, podem também ser chefes e políticos notáveis (Richelieu, Luís XIV, D. Pedro V). Raros romancistas, poucos poetas (Camilo Pessanha, Alberto de Lacerda). Ponto sensível do corpo: os intestinos. Países sob o signo da Virgem: Brasil e Suiça; cidades: Paris, Los Angeles, Jerusalém. Curiosamente, Yasser Arafat também era deste signo.

Regionalismos Minhotos (5)

Do mesmo livro já referido, anteriormente, de M. Boaventura, transcrevem-se mais 5 regionalismos minhotos:
1. Alcafurra - Alfurra, monturo, pocilga.
2. Altor -Altura (Francisco de Morais usa-o no "Palmeirim de Inglaterra", séc.XVI).
3. Amadornado - Mal disposto, adoentado.
4. Amarruado - Corcovado, que tem corcunda; agachado.
5. Amouchar - Sentar-se em mocho ou banco (também conheço a palavra com o significado de: desistir, dar-se como vencido).

domingo, 11 de setembro de 2011

Pinacoteca Pessoal 18 : Roger van der Weiden


Tenho pouco a dizer sobre este quadro que aprecio particularmente, e que representará S. José. Está no Museu Gulbenkian e terá pertencido a um tríptico. O olhar preocupado ou sério de S. José, o elemento gótico do cenário e a luminosidade da paisagem contribuem entre si para uma harmonia especial. De que gosto muito.

Uma colaboração forçada (mas autorizada)


Ainda há quem escreva aos familiares e amigos, classicamente, preto no branco em postais e cartas. Mas são excepções sobreviventes e raras. De Gand, recebi de um Amigo, um postal, recentemente. (Tenho pena de não poder reproduzi-lo, mas tenho as "ferramentas tecnológicas", parcialmente avariadas: scanner, computador principal - daí também a diminuição de actividade no Arpose.) Mas o texto do postal é tão saboroso que não resisto a reproduzi-lo (com autorização do autor e Amigo). Segue, portanto:
"Mon cher Albert, (e rima)
eis-nos em contagem decrescente para partir destas bandas onde somos amesquinhados. Eles/elas são altas e loiras como girassóis e quando passam encho o peito de ar e endireito as costas - mas já não vai lá - não para que olhem para mim mas pela emoção de olhar para elas, que às vezes vêm bicicletando de saias curtas e sem frio que é bem um violento exercício oftalmológico.
Estou morto por voltar e tomar os cafés que me apetececerem. Cá têm que ser comedidos pois custam os olhos da cara...e não só: Em Bruxelas 2 chás, uma cerveja normal e uma wafel custam um bom jantar na pátria - como não nos havemos de sentir amesquinhados quando os/as vemos nas esplanadas beberricando o seu vinho, a sua cerveja, com as suas frittes? 1 abraço,
A...."

Luís Miguel Cintra


A propósito do lançamento de 3 discos em que lê textos seleccionados de Camões, António Vieira e S. João, Luís Miguel Cintra (1949) deu uma entrevista à P2, suplemento do jornal Público, que considero uma das melhores entrevistas que li nos últimos tempos. Tem coerência, sequência lógica e humana, e muitos motivos estimulantes de reflexão. Vou transcrever alguns excertos que me provocaram especial atenção e me fizeram reflectir. Seguem:
"- Desde sempre precisei de exemplos. De Santos. Do exemplo de vidas políticas. Voltadas para os outros e voltadas para Deus. A nós, menos grandes, e sobretudo já passada a idade de crescer, são quem nos defende do Mal, do cinismo.  (...)
"- O discurso de Vieira quando é lido é muito menos claro, tal como as canções de Camões. O texto é tipicamente barroco: a estrutura é muito funcional e, depois, está decorada com toda a forma de excessos adornando uma ideia límpida e fundamental, contida quase na própria epígrafe do sermão: « Pulvis est, et in pulverem reverteris» (és pó e ao pó tornarás). (...)
"- Gosto imenso da vida, mas tenho que me conciliar com a ideia que ela vai acabar. Só o consigo fazer se pensar que a vida não é só minha, mas a das outras pessoas todas." (...)

sábado, 10 de setembro de 2011

As americanices saloias


Já aqui falei (poste Genealogias do post-25 ..., de 23/8/2011) que se preparava, nos bastidores, o Crisma da Estação de Metro Baixa-Chiado, para mudança de nome. Achei surreal e de mau gosto, e se a informação não viesse, como era o caso, de fonte segura, eu não teria acreditado. Concretizou-se, afinal: no dia 8 ou 9 de Setembro de 2011. Esta gentinha vende tudo: os princípios, o nome, o corpo, o pensamento, a alma...
Já agora, demos o nome destes merceeiros pacóvios que concretizaram o negócio: o inefável Bava (PT) e Cardoso dos Reis ( um dos 5 ilustres administradores do Metro que, no Verão passado, deixou avariadas, durante  5 meses, as escadas rolantes da referida estação). Entretanto, e ao negócio, Sérgio Monteiro, secretário de Estado dos Transportes, concordou e aplaudiu de cócoras. Grandes artistas...
E, assim a Estação passou a chamar-se: Baixa-Chiado/pt/blue station.Como pode ver-se no logotipo que encima este poste, em imagem. Parece que vai seguir-se o Crisma da Estação de metro Marquês de Pombal. A menos que o Marquês, antes que isto aconteça, venha cá abaixo, e dê umas cachaporradas valentes a estes artistas venais, e os ponha fora da circulação desta tragicomédia miserável e saloia.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Olisipografia


A obra "Sumário em que brevemente se contam algumas coisas...que há na cidade de Lisboa" de Cristovão Rodrigues de Oliveira, impressa na segunda metade do séc. XVI, é um inventário minucioso das Igrejas e Capelas, das Freguesias e Ruas, das profissões que havia na urbe lisboeta. Bem como do número de artífices (masculinos e femininos) que as exerciam em Lisboa. Por curiosidade, vou referir algumas das profissões exercidas por mulheres e o seu número, retirando a informação do livro e respeitando a ortografia, em seguida:
"- Alfayatas mil E seiscentas E seis.
- Cerzideiras dezoito.
- Mulheres que fazem fruita da çucar setenta.
- Mulheres que fazem aletria vintoito.
- Cuscuzeiras vinte E tres.
- Parteiras vinte çinco.
- Enfermeiras dez.
- Merceeiras oitenta E hua.
- Mulheres sem officio duas mil." 

Anteontem


O azul de um puro escuro rasga cruel, quase, a noite onde a lua vai crescente. Há quem tenha dois cães e os passeie agora, pela rua deserta. Eu ocupo, tranquilo, a mesa vazia: chávena almoçadeira, manteigueira, o iogurte tirado do frigorífico, a faca serrilhada para abrir o pão, o guardanapo e a colher. Com boa vontade e imaginação, de manhã, até posso sonhar que foram os anõezinhos de Colónia que fizeram o trabalho por mim, durante a noite. E que, agora, são eles que adormeceram - tão cansados que ficaram...

para HMJ.

Uma quadra não popular


Que segredo se esconde em tal cuidado
que seria mais secreto vir dizê-lo
do que sabê-lo apenas revelado
no discreto cuidado de escondê-lo.

António de Almeida Mattos, na colectânea Palavras de Cristal (2011)

Sobre as passas


Porque vem a propósito, está na altura de relembrar Fr. Theobaldo de Jesu Maria, autor de "Agricultor Instruido com as prevenções necessárias..." (1790), de quem já falamos aqui. Aí vai (pgs. 76/77) o capítulo X, intitulado "Do modo de guardar as uvas, e fazer as passas", sobretudo para quem queira "produzir" umas uvas passas artesanais. Segue:
"Antes de chover quando a uva não estiver demasiadamente madura, se colherão os cachos que estiverem sãos, doces, e rijos; e se dependurarão as résteas aonde corra vento de uma parte à outra, ou se porão sobre palhas de centeio postas sobre tábuas.
Para se passar se colherá a uva da mesma sorte em Agosto em minguante de Lua, e se colherá a uva grada e limpa antes que chova, e se deitará ao Sol sobre esteiras de funcho, e estando passada de uma parte, se voltará da outra."

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Na Gulbenkian


Os jardins são, quase sempre, um lugar de encantamento, com os meandros e recantos, e também procurados pelos namorados para os seus oaristos. Quem, da minha idade, em Lisboa e na juventude, não terá ido, acompanhado, à Estufa Fria?, nem sempre por razões botânicas...
O Jardim da Gulbenkian é exemplar, a vários títulos. E foi por lá que passei até chegar à cabeça, em obsidiana, de Sanuseret ou Sesóstris III. Já não me lembrava deste fragmento da estátua do Faraó, que viveu no período da XII dinastia egípcia (entre 1872 e 1853 a. c.). É uma época em que os faraós já não são considerados deuses, mas apenas "pastores" do seu povo. Daí serem, muitas vezes, representados com um cajado (ou báculo), e a Arte dessa época ser mais realista. Não perdi muito tempo com os "pré-rafaelitas" de que já gostei, porque, hoje em dia, os acho demasiado "bonitinhos"... Nem com o Guardí. Mas estaquei um bom bocado, de frente para a cabeça de Sesóstris III, fascinado.

Com afectuoso agradecimento à N..

5 greguerías mais, de R. Gómez de la Serna


1. A água não tem memória: por isso é tão límpida.
2. O lápis escreve sombras de palavras.
3. As violetas são actrizes retiradas no Outono da sua vida.
4. O cervo é o filho do raio e da árvore.
5. O panegírico parece alimentício, mas não é.

Ramón Gómez de la Serna, in Greguerías (1940-1952).