terça-feira, 31 de maio de 2011

A última noite de Maio


Os dias crescem ainda, pelo azul dentro, até à noite. As cortinas agitam-se, ao de leve. As rolas rasgam o ar, num voo firme, a não mais de um metro, uma da outra. Depois, na mesma árvore, pousam horizontalmente paralelas, e tranquilas. Mais tarde ouviu-se uma lenga-lenga curiosa, balbuciante mas repetitiva. Uma voz masculina parecia dizer: "Só quando já for noite é que regresso!" Seguiu-se um choro miúdo, desamparado. Já os pássaros mais pequenos recolhiam às árvores de folhagem mais espessa, porque estava frio. Nessa altura, o melro ainda cantava. Mas só eu fiquei na varanda, porque tinha companhia. Fui só buscar mais tabaco e rebater a bebida - a noite ainda estava uma criança. E, embora estivesse fresco, eu queria acompanhar Maio até ao fim. A noite cerrou, agora.

P.S. (tardio) para JAD: em nome do rigor e da lua, só me resta citar Simenon que, a propósito de ficção, dizia - "Sou verdadeiro, mas não sou exacto."

Walt Whitman


Gémeos (31/5/1819) num país Gémeos (U. S. A.), poeta das coisas simples, eterno adolescente pelos melhores motivos, disse de si mesmo:
"Walt Whitman, um cosmos, filho de Manhattan,
Turbulento, feito de carne, sensual, comendo, bebendo e produzindo.
Não sentimental, nem acima  de outros homens e mulheres, nem longe deles,
Nem modesto, nem imodesto."

O refrão e a máscara


Repetimos, porque gostamos. Ou quando gostamos - é uma verdade de La Palice, obviamente. E começa logo na infância. A um dos meus filhos li, vezes sem conta, à noite, a história "Berliques-Berloques", da colecção Joaninha (Contos de Encantar), muito embora ele já a soubesse, quase, de cor. Estava sempre a pedir que eu lha relesse. Mas ria-se, repetidamente, e com vontade natural. Desde os refrãos das cantigas trovadorescas, aos slogans publicitários e às repetitivas palavras-chave das piadas chungas ou das canções mais pimbas, o ouvinte está sempre à espera de "Ó pr'a ele!" ou do "pisca! Pisca!" banal, para bater palmas.
Mas há uma altura da vida em que o passivo auditor se cansa...
Ainda me lembro de Medina Carreira dizer (era ministro das Finanças), nos anos 80, que por aquele andar e gastar, qualquer dia, em vez de andar de automóvel, teríamos de andar de burro. Não chegamos a tanto, felizmente. E lembro-me, de há muito, dos apocalípticos vaticínios de pitonisa de Pulido Valente (aliás, pseudónimo, que o nome é muito mais ruano), "vago" leitor universitário na Inglaterra, espumar fel e vinagre e augurar o Inferno para o futuro português. Ainda hoje, estes profetas vomitam o que foram e disseram. Porque ficaram escravos das máscaras pessoais que criaram. Continuam a ser pitonisas da desgraça apocalipsando o futuro, e espumando fel.
Quando os ouço ou leio já sei o que vão dizer, mudam apenas, ligeiramente, os temas ou pessoas - mas vão dizer mal. Comecei, com a idade, a ficar farto de os ouvir, sempre no mesmo registo e com a mesma máscara puritana, moralista, judaico-cristã. Refrão por refrão, prefiro ir reler o "Berliques-Berloques", rir-me um pouco, desafiar o fatalismo doentio, e adormecer sossegado. Como fazia o meu filho mais novo...

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O(s) Pobre(s) Tolo(s)


 Em pequenos aglomerados populacionais, eles são notórios, apontados e, por vezes, ridicularizados, sem piedade. No seio de famílias com algumas posses, são escondidos em casas sombrias ou quintas afastadas - ou eram... Os últimos que vi, quase quotidianamente, foi numa vila dos subúrbios de Lisboa, acompanhados, na rua e de mão dada, pelas mães já velhas. Uma delas vestia o deficiente mental, sempre, como se ele fosse um eterno adolescente, embora ele já tivesse quase 40 anos. E trouxesse na mão, invariavelmente, um pequeno alguidar de plástico ou uma panela de alumínio onde chocalhava botões, moedas em desuso, pedrinhas ou outros pequenos objectos estridentes. Há, habitualmente, uma vergonha genética ou familiar que os esconde mas, há também, às vezes, uma cegueira maternal que, a nós, quase nos parece um exibicionismo despudorado e gritante. Mas não é, com certeza.
Lembrei-me dos pobres tolos quando postei, por amável envio de ms, no Arpose, o final do excelente filme "Sib (A Maçã)" de Samira Makhmalbaf. A belíssima e límpida fotografia clássica do vídeo, porém, não consegue afastar o lado pesado, sem saída aparente, de um fatídico destino desta família paupérrima persa. São realmente outros mundos que não conseguimos imaginar, encerrados num cemitério ainda sem cruzes de uma Natureza madrasta (para não falar em deuses), condenados a um labirinto de pesadelo. Sempre achei também curioso que, ao tema de "O Pobre Tolo", Teixeira de Pascoaes (1877-1952) tivesse dedicado dois livros. Não satisfeito com o volume em prosa (de 1924), veio a refundí-lo em poesia (1930), ou elegia satírica, mais tarde. Não tenho a menor dúvida que havia deficientes mentais, em Amarante. E, Pascoaes, deve tê-los visto, muitas vezes...

"Na tua velha ponte, São Gonçalo,
Contempla um pobre tolo, as duas margens
Do Tâmega. ..."

Situação do Limoeiro em finais de Maio de 2011


Balanço de produção do Limoeiro, a 29 de Maio de 2011: 14 limões jovens a crescer, embora 2 deles com aspecto frágil - não sei se sobreviverão. Na foto, mantêm-se ainda dois limões da safra de 2010. Inesperadamente, houve uma floração serôdia, já este mês, no tronco do lado direito (da fotografia), que comporta 3 botões que estão protegidos e quase cobertos pelas folhas do ramo. Veremos se desenvolvem e formam fruto. Oxalá!...

Curiosidades 35 : o Abade de Faria


Quem tenha lido "O Conde de Monte-Cristo", de Alexandre Dumas (pai), lembrar-se-á, com certeza, da figura singular do Abade de Faria. Este clérigo e cientista (José Custódio de Faria), de origem luso-goesa, ao fazer-se amigo de Edmond Dantès, na Prisão-Castelo da Ilha de If, irá permitir ao herói do romance não só evadir-se, mas também vir a entrar na posse dum fabuloso tesouro. Essa riqueza possibilitará, a Dantès, exercer mais tarde a vingança sobre os seus três torpes inimigos (Danglars, Morcef e Villefort). Tudo isto foi a imaginação ficcionada de Dumas, em livro. Mas o Abade de Faria existiu, realmente. Terá nascido, em Goa, em finais de Maio de 1746, formou-se em Teologia e estudou Química. Veio a integrar um grupo de revoltosos que se propunham derrubar o poder português em Goa (Revolução dos Pintos). Descoberta a conspiração, o Abade de Faria refugiou-se em França, onde viria a estudar e aplicar a hipnose no tratamento de doenças nervosas. Exerceu funções de professor e capelão, vindo a morrer em Paris a 20/9/1819. O livro de Dumas, "O Conde de Monte-Cristo", um dos mais conhecidos e lidos do escritor, foi publicado em 1844.
Em imagem pode ver-se a estátua do Abade de Faria, em Goa, e a reprodução de duas páginas da adaptação a BD (brasileira) do romance de Alexandre Dumas (pai), de Janeiro de 1955 (Colecção Pequenina, nº 10).

domingo, 29 de maio de 2011

Mercearias Finas 32 : Vinhos velhos


As nuvens vinham do Sul, magníficas, opacas e velozes, algumas afogueadas, quase rubras, outras de um azul célere que, ao passar, ia ficando cinzento muito escuro. Todas iam para Norte com o vento que me esfriava, na varanda a Leste, o Chardonnay da Quinta de Cidrô. Viera de Trás-os-Montes, fora até França para obter uma medalha de bronze, em 2005, e estava agora a acabar, de novo em Portugal, um pouco velho, em Maio de 2011, bendito. Para ser franco, este vinho branco da Real Companhia Velha, já conhecera melhores dias, mas ainda se comportava condignamente. Guardara uma nobreza de carácter, um frutado muito personalizado e deixava, na boca, um prolongado sabor amendoado que não era doce, mas comungava, de memória, com tempos felizes de juventude. Entenda quem souber...
O "aladino", entretanto, abriu os olhos ensonados às 21,03, ainda estremunhado, mas decidido a despertar para a noite; todavia o irmão pequeno (que HMJ comprou, há dias), o "pirilampo" só acordou mais tarde, quase 10 minutos depois - cada um é que sabe da sua própria noite... E foi aí que me lembrei do meu amigo E. S. e do primeiro Chablis que me passou pelo "estreito". Anos 70, de certeza, e pós-PREC. Até porque o guardei uns 3 ou 4 anos, depois do meu amigo mo ter oferecido. Nunca lhe perguntei, até porque era uma boa colheita, mas suspeito que ele o fanou da esplêndida adega do Tio, cavalheiro abonado e baixinho, que morava em Cascais. Devo confessar que, quando abri aquele mavioso Chablis, fiquei convertido para sempre. E foi assim que provei o primeiro monocasta Chardonnay, na minha vida.
Moral da história: às vezes, se o vinho é bom, vale a pena esperarmos e guardá-lo - ajuda a reencontrarmo-nos e a convocar tempos antigos, agradáveis. Mas não é conveniente guardar vinhos brancos portugueses mais do que 5 anos. Salvo casos muito excepcionais.

Linhagens 8 - Aditamento

Para desfazer alguma curiosidade dos meus leitores relativamente à "puridade" do coelho papudo, confundindo-o com um bicho de peluche, atesta-se, por uma imagem idónea, que era uma criatura de deus, de carne e osso.


Post de HMJ, dedicado a JAD

Adagiário XL : Porcos (pouco recomendável!)


No Boletim cultural da Câmara M. de Mafra '95, editado em Fevereiro de 1996, num artigo de Maria Laura da Silva Duarte Costa, intitulado "Tradições - A Matança do Porco", encontrei uma subdivisão ("O porco nos ditados saloios") que continha alguns provérbios aplicados ao animal porcino, porventura não muito recomendáveis. Deixo, no entanto, aqui, uma pequena selecção:
1. O porco não tem nojo do seu enxurdeiro.
2. Abre um porco, vês o teu corpo.
3. Não há mijinha sem peidinha, nem panela sem toicinho.
4. Leitão de um mês, pato de três.
5. Almoço cedo cria carne e sebo, e à tarde nem sebo nem carne.

Leituras Antigas XXXIII : A Família Marvel


Em finais dos anos 40, princípio dos 50, do século XX, a difusão de revistas brasileiras de banda desenhada, em Portugal, era já muito significativa. Predominavam o "Gibi", "Biriba" e o "Globo Juvenil" normal e mensal. Os heróis principais da BD eram: Don Winslow, Chico Foguete, Dick Tracy, Joe Sopapo, Tocha Humana... Mas os meus favoritos eram, sem dúvida, os elementos da Família Marvel (Capitão Marvel, Mary Marvel e Marvel Júnior), pessoas normais que, ao pronunciar a palavra mágica "Shazam!", se transformavam em super-humanos, conseguiam voar e lutavam contra o Mal, a favor do Bem. A revista de BD brasileira, de que se mostram 2 páginas, era o "Globo Juvenil Mensal", de Julho de 1948. A editora, que a publicava, tinha a sede social na Rua Bethencourt da Silva, 21, 1º andar, no Rio de Janeiro (Brasil). Tinha como director, Roberto Marinho, o Gerente dava pelo nome de Henrique Tavares, e a secretária: Djalma Sampaio. Cada número da revista custava Cr$ 2,00.

No aniversário da morte de J. R. Jimenez


Madrugada

Frio novo: Canta um galo.
Lua e trovão: Chora um menino.
Rua erma: Passa um cão.
Ainda é noite: Pensa um homem.

in Belleza

Ännchen von Tharau



De facto, a "Ännchen von Tharau" existiu, realmente, com o nome de Anna Neander, no séc. XVII. O poeta Simon Dachs (1605-1659), nascido na actual Klaipeda (Memel), escreveu o poema que, neste vídeo, é cantado por Fritz Wunderlich.

sábado, 28 de maio de 2011

Linhagens 8

Memórias do lado materno 1: De Elbing para Leverkusen

Os leitores atentos já localizaram os antigos domínios teutónicos da Prússia de Leste como uma matriz das nossas linhagens. A outra, como as heranças genéticas costumam ser "bi-geográficas", será objecto de memórias posteriores.
A família do lado materno tem, de facto, origem na Prússia de Leste, designadamente, na cidade de Elbing, com uma residência que se me fixou na memória: a "Montanha Mágica", sem me lembrar do número da porta. Haverá mais semelhança possível com um romance de Thomas Mann?


A postura digna da família do lado direito na foto não esconde as dificuldades ocultas. Com cinco filhos, nascidos entre 1913 e 1921, a vida não seria fácil para um sapateiro de ofício, embora se tratasse de uma casa "bem governada" como daremos conta depois. Os primeiros três filhos nasceram pouco antes ou durante a 1ª Guerra em que o patriarca participou como soldado, o mesmo que viria a assistir à 2ª Guerra Mundial e ao acolhimento da sua filha mais velha após a fuga em 1945 relatada no "post" anterior. Em data próxima de 1920 terá havido, por um desenvolvimento no pós-guerra da Fábrica hoje conhecida como a Bayer, uma tentativa de recrutamento de novos operários em zonas tão longínquas como a Prússia de Leste. O patriarca, recém-chegado da 1ª Guerra, não resistiu ao apelo e, certamente, às condições oferecidas. Contrato de trabalho e uma casa para a família alargada, em Leverkusen, no actual estado do Norte da Renânia Vestefália.
Uma monografia, do nosso acervo, dá conta da evolução da cidade de Leverkusen, sempre à sombra do progresso da fábrica das "Aspirinas" e não só. Sem pretender branquear o fim último do capitalismo, sucede que o desenvolvimento da empresa não excluía a vertente comunitária, social e cultural. De facto, a fábrica da Bayer cresceu, em Leverkusen, não apenas com a expansão das suas instalações fabris, mas também com a edificação de um núcleo urbano muito próprio, incluindo não apenas residências para os seus empregados como também uma casa de cultura, um grande armazém tipo Grandela e uma organização de espaço urbano que consideramos agradável e equilibrado.
Sem poder precisar onde a família se instalou à chegada de Elbing, existem fotografias das casas construídas pela Bayer - as chamadas Colónia I, II e III - que, conforme o estatuto dos empregados: operários, técnicos e doutores, tinham uma localização, construção e área de habitação diferentes. A nossa memória da casa dos avós maternos difere um pouco da imagem reproduzida, no que ao edificado diz respeito, mais apropriado aos técnicos superiores da fábrica, embora a foto corresponda, na perfeição, ao belíssimo quintal nas traseiras.

Para os mais afortunados e, certamente, menos dados a uma casa construída ao gosto individual havia, inclusivamente, uma casa modelo, recheada de mobília vendida pela própria fábrica da Bayer, através dos seus armazéns, como a foto demonstra.

Da casa do avô materno, na colónia mais modesta, salvou-se o contrato de arrendamento que abaixo se reproduz em parte.


Recortamos, por graça, a parte que se refere aos animais que o inquilino poderia ter, i.e., pequenos animais, excepto porcos! Como as casas só tinham dois andares, o inquilino do rés-do-chão tinha direito ao quintal, com os trabalhos inerentes da sua manutenção. Foi assim que o deslocado de leste reencontrou o seu espaço - urbano/rural - dedicando-se à criação de uns coelhos especiais.


Lembramo-nos, a propósito, de um início de um romance de Camilo que reza assim: "Os meus amigos de certo não sabem o que é caçar coelhos na neve?" No caso presente seria: "não sabem o que é criar coelhos com orelhas tão papudas"!
Ora, o referido contrato de arrendamento também previa que, dadas as insuficiências de habitação, em 1929, o inquilino teria que aceitar um sub-aluguer imposto pela Bayer. Que se saiba, o avô apenas acolheu, em 1945 e de bom grado, a sua filha mais velha que, com os seus três netos mais velhos, sobrevivera à fuga de civis relatada anteriormente.
Não pretendemos iludir a outra face do império empresarial. O patriarca e os seus cinco filhos tornaram-se empregados da Bayer e, com o seu esforço e a sua dedicação, conseguiram reconstruir a sua vida no pós-guerra. Para as almas mais sensíveis, que abandonaram a fábrica em 1945, ficou, no entanto, a experiência dolorosa de conviver, durante a 2ª Guerra, com a presença de cidadãos dos territórios ocupados pelas tropas do 3º Reich, obrigando-os a trabalhos forçados, na fábrica da Bayer, e suprimindo, assim, a falta de mão-de-obra masculina deslocada para as várias frentes de batalha.
Os bombardeamentos aliados, no final de 2ª Guerra e centrados nas instalações fabris, obrigaram a uma evacuação da população civil de Leverkusen. De um desses ataques aéreos mortíferos ficou apenas um fiapo de uma conversa ocasional em que se falava da rua principal de Leverkusen, junto à entrada principal da fábrica das pastilhas, dando conta da destruição e da assistência aos mortos e feridos.
De tudo o que foi dito guarda-se, ainda, a correspondência de uma habitante de Leverkusen, endereçada ao seu soldado distante algures na Rússia.

Post de HMJ

Divagações 7


Dias há, que foram mal arrumados. Ou porque eram muito cheios, ou porque o tempo escasseou, voltam na manhã seguinte, para serem resolvidos, classificados, alinhados na memória. Fica de fora apenas o que for digno de sequência, o que não acabou de todo e tenha, necessariamente, projecto de continuidade. A manhã não foi, porém, tranquila. O ribombar periódico, ao longe, da trovoada indecisa, o céu cinzento, este clima muito próprio de Maio...
Já era assim na infância, e na província. Ao Abril chuvoso seguia-se o Maio trovejante, nem sempre molhado mas, muitas vezes, de calor abafado no céu de capacete. E, em casa, as ladaínhas, se trovejava: "São Jerónimo, Santa Bárbara Virgem! / Chagas abertas, corações feridos / se interponham entre nós e o perigo!..." E o acender das velas ou lamparinas com azeite, porque a luz ia abaixo, normalmente, demorava a voltar, e os apagões eram frequentes.
Também por aqui é difícil arrumar os dias e a memória nas gavetas...mesmo que sejam apenas 12.

Nortenhas e populares (quadras) 2


Retiradas da Monografia (4 volumes), na imagem, aqui vão mais umas quadras populares, frescas e singelas, desta vez provenientes da freguesia de Bico (S. Vicente), do concelho de Amares, cujo mapa reproduzi no poste 1, sobre este mesmo tema. Seguem: 

Não te encostes à parede
É de barro, larga pó:
Encosta-te ao meu peito,
Sou solteira, durmo só.

Moro à beira do rio,
Meus vizinhos são penedos:
Da janela do meu quarto
Ouço cantar os morcegos.

O loureiro bate à porta,
- Ó salsa vai ver quem é:
São os ladrões dos teus olhos
Que roubam à falsa fé. 

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Iconografia moderna e laica (14) : A Criação


"Deus disse: façamos o homem à nossa imagem..."
Genesis, 1: 26.

Mistérios, ou as traduções mirabolantes do Google


Alguém da Universidade Federal de Pernambuco (Brasil) veio ver, ao Arpose, um poste que fiz sobre Miguel Hernández, em que também traduzi um poema, para português, do vate espanhol. A estimada visita, provavelmente e na sua inocência, para ter acesso ao poema original, em castelhano, teve a ideia peregrina de pedir ao Google que lhe traduzisse o poema. Só que, ao pedir em português (deveria, talvez, fazer o seu pedido em castelhano), o preclaro Google retraduziu português para português...ou talvez para barranquenho ou mirandês, quem sabe? E, não só traduziu (?) o texto do poste, como também os comentários que existiam, desse poste: foi tudo a eito... Deixo, em imagem, parte da  fotocópia desta "tradução" abaixo de cão para se fazer uma ideia da quantidade de disparates, e da qualidade (?) exemplar destas traduções "à la Google". Coitado do Miguel Hernández que não tem culpa nenhuma destas americanices foleiras e irresponsáveis!

Google's Alzheimer (2) : Clinic Report // Relatório Clínico do Alzheimer do Google (2)


O Google continua a piorar, as suas capacidades mentais a diminuir. O Alzheimer do Google tem progredido avassaladora e inexoravelmente. Desde ontem que apagou (na sua memória?), do genérico do Arpose, todos os retratos dos 26 seguidores e amigos do Blogue. Já não reconhece ninguém! Que mais irá acontecer ao caduco do Google?

P. S.: às 22,09 constatei que, apesar do Alzheimer, o Google ainda consegue ler (,ouvir?) e lhe restam alguns fiapos de memória. Os retratos dos meus estimados 26 seguidores, foram repostos, pouco antes...
P. S.:  às  22,38 o Google mergulhou de novo na catalepsia. As imagens dos Seguidores voltaram a desaparecer. Relatório Clínico: não há remédio para o Alzheimer do Google....

Osmose (19)


Falava, às vezes, como se fosse um oráculo tenebroso. As coisas que dizia pareciam disparatadas ou soavam a charadas apocalípticas, medievais. Com boa vontade, poderiam ser acrescentadas à Bíblia, em capítulos próprios do Velho Testamento. As frases de M. P. careciam de um pensamento lógico, de uma razão objectiva e compreensível, ou de uma inteligência mais subtil do que a minha. Disse-me uma vez, muito sério: "Morrerei, algures, num futuro mês de Janeiro, entre 10 e 20." E a sua voz era tão profunda, assertiva e hipnótica que eu não fui capaz de lhe perguntar nada - calei-me, simplesmente. Mas a profecia viria a cumprir-se, anos depois, a 19 de um Janeiro frio, em que choveu muito.

Mata-borrões 2


Eram figuras de presença frequente e periódica nas salas de espera de consultórios, os Delegados de propaganda médica. Vestiam bem, normalmente, e vinham acompanhados de grossas pastas de cabedal onde guardavam pequenas amostras de medicamentos, para oferecer aos Médicos. E deixavam, às vezes, modestos presentes, como pequenas agendas, calendários, com funções úteis, como estes mata-borrões. Que os clínicos usavam para fazer secar, mais depressa, as receitas que passavam aos doentes, escritas, normalmente, com canetas de tinta permanente.
Hoje, tudo isso parece "pequeno", mesquinho e ridículo - mas era assim. Hoje, fala-se, à boca pequena, em congressos, em países distantes e exóticos, para onde são convidados a ir, alguns médicos e a quem alguns laboratórios pagam viagens e estadias em hotéis de luxo. O tempora! O mores!...

Pinacoteca Pessoal 12 : Amedeo Modigliani


É visível, nesta pintura cálida de cores, a alegria de viver de quem a fez, e uma estética linear de simplicidade naquilo que, de melhor, se prolongou da Renascença. Falo de Modigliani, obviamente, que é, para mim, o sucessor mais legítimo e actualizado de Botticelli. Muito embora Sandro seja mais aéreo no traço, e Modi (como lhe chamavam os amigos) raramente se desprenda da Terra. Apesar de, em toda a sua vida, só ter feito 2 quadros sobre paisagens. E os seus nus evitarem a sensualidade exuberante de um Renoir, preferindo-lhes uma elegância sóbria ou levemente exótica. Dizem que ao morrer, tuberculoso, terá dito: "Cara, cara Itália!" Parisiense no viver, nunca deixou de ser italiano de traço e coração. Reproduz-se, em imagem, um "Auto-retrato", a tela que teve como modelo Lunia Czechowska, de 1919, e um "Nu", de 1917, que, curiosamente, faz lembrar, pela posição da modelo, o único nu pintado por Velásquez.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Aditamento ao poste: As cores, o daltonismo e a filatelia


Por questões de espaço, não incluí, no poste referido acima, a imagem do interior do mostruário das cores do catálogo Michel. Que, sendo mais extenso, é também mais exaustivo e minucioso. Vai agora, em imagem, uma página. O método germânico usa uma abertura pequena e circular para colocar, por baixo, o selo, para um cotejo mais facilitado e próximo.

para JAD, com Amizade.

Revivalismo Ligeiro XLVIII : Tintarella di Luna (1959)

A canção "Tintarella di Luna", ouvia-a pela primeira vez, num single de Bob Azzam.

As cores, o daltonismo e a filatelia


Para quem, como eu, "sofre" de um ligeiro daltonismo (1/10) que dificulta a identificação rigorosa das cores malva, lilás, violeta claro e outras intermédias, estes catálogos cromáticos são duplamente úteis. Mais ainda porque, filatelicamente, cada país dá um nome específico, e à sua maneira, a alguns tons ou variedades de cor dos selos postais, sobretudo clássicos. Por exemplo, o "prussian blue" dos ingleses que difere, quase imperceptivelmente ( pelo menos para mim), do "Preussisch blau" dos selos da Alemanha. Daí a importância e necessidade, para identificarmos a variedade de tom de uma peça filatélica, de compararmos, lado a lado, o exemplar em causa e a cor do mostruário cromático. Um dos catálogos, em imagem, é uma edição da empresa filatélica Stanley Gibbons (inglesa), o alemão é editado pela firma Michel, de Munique.

Assassinato por entusiasmo


O título deste poste tem autor: E. M. Cioran. É um conceito que uso muito, porque é muito expressivo e define bem um tipo de sentimento apaixonado que carece de objectividade e medida. A imagem que escolhi tem legenda brasileira e também caracteriza esse sentimento de afecto exagerado: "abraço de urso". Dito isto, vamos ao cerne da questão. Porque me lembrei do conceito, a propósito do carinho que despertam, nos europeus, as personalidades americanas com matriz cultural europeia. Se acrescentar um nome, por exemplo, Woody Allen, tudo ficará mais claro. O realizador não é especialmente apreciado, na América, mas nós, europeus, quase todos o adoramos. O presidente Obama é outro caso sintomático de popularidade, fora de portas que excede, de longe, o afecto que a América lhe dedica. E não é só o povo europeu que o idolatra: basta ver o olhar embevecido de Isabel II (pese embora a idade), nas fotografias, para chegar à conclusão, que o fascínio parece ser transversal e o "assassinato por entusiasmo", colectivo. Eu até compreendo, ou tento perceber: com tanta mediocridade a governar a Europa, um estadista, um pouco acima da mediania, até sobressai - ainda para mais, porque é alto...
Mas deve ser feito um aviso à navegação: não se peça demais ao Sr. Obama, ele é de carne e osso, talvez seja bem intencionado, mas está onde está, também, para tratar da sua vidinha e da vidinha dos seus... Não o matem por entusiasmo, please!...

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Contradições do Tempo que passa


Múltiplos carros mal estacionados, inúmeros pais e mães à porta da Escola, que nos dificultam a saída de casa, ao fim da tarde. Pouco depois, já na estrada, próximo de outra escola, mais estrangulamentos de trânsito, com pais pressurosos em recolher as crias aos apriscos, junto do portão de mais um estabelecimento de ensino. O desmame tardio, a perversidade da dependência... Até são capazes de ir buscar os filhos às Docas, ou esperar, até às 4 ou 5 da manhã, na 24 de Julho para, amorosamente, levarem esses menores do seu sangue, para casa. Que lição!
Três horas depois, vejo na tv (qualquer delas, porque se clonam entre si) o vídeo da violência adolescente, ali para as bandas de Benfica. A vítima com 13 anos, as agressoras com 15 e 16, mais dois ou três alarves a assistir e a rir, e um energúmeno de 18 anos a filmar - só os filmes americanos fariam melhor.
Pergunto-me quando haverá coragem?,  para denunciar, penalizar e responsabilizar estes pais que vão, talvez, à Escola e aos bares nocturnos, buscar os filhos menores mas, em casa, não são capazes de lhes dar os mínimos rudimentos de regras sociais, de civilidade e solidariedade. Grandes pais!

Citações LXVII : Albert Camus


"A única grandeza de um país é a justiça."
Albert Camus

Cromos 17 : História Natural (II)


Esta 2ª parte da Colecção Cultura de História Natural era composta por 259 cromos, e é uma edição da Editorial Ibis, Lda. (Lisboa), distribuida pela Livraria Bertrand. A caderneta custava Esc. 6$00 e os últimos 30 cromos que faltassem podiam ser pedidos para a Bertrand, mediante o pagamento de 5$00. A colecção é de 1958, sendo este o II álbum (o I, já aqui foi mostrado). A publicação original pertencia à Editora Bruguera, de Espanha. Tinha desenhos de E. Vicente e Miguel Conde, e textos de Pilar Gavin e E. Perez Mas. A tradução portuguesa dos textos castelhanos foi efectuada por F. Y. Cardoso Júnior.

Outros mundos : Samira Makhmalbaf

Nascida em 1980, no Irão, Samira Makhmalbaf filmou, entre os 17 e os 18 anos: "A Maçã (Sib). Apesar de jovem, os seus trabalhos, simples mas muito originais, mereceram-lhe, já, vários prémios internacionais. Deixamos aqui um vídeo, com o excerto final, da película acima referida. Na minha modesta opinião, a fotografia, pese embora o ambiente seco e algo desordenado da pobreza, tem uma estética clássica fora do vulgar. E fascinante.

com agradecimentos a ms, pela descoberta e partilha.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Miscelânea, em piloto-automático


Nada do exterior me diz respeito, ao contrário da célebre frase, a menos que me desperte fascínio, compaixão, ou simpatia. O percurso ainda vai ser longo, o joelho direito começa a dar sinal, mas nada que resista a um eficaz piloto-automático, estóico, a trote pelas ruas ensolaradas. Umas horas antes, quando pedestal expectante, aguardava, fiquei envolvido, de repente, por um grupo de turistas alemães azamboados, vindos do Camões, à volta da estátua do Pessoa metálico, seguindo como pintaínhos desprotegidos, e cegamente, uma guia lusa "de paupérrimas feições", que perorava em cassete. Tive que afastar-me, cautelosamente, do cerco dos teutónicos embevecidos pela verve poética da guia portuguesa.
No Largo, felizmente discreto e pouco conhecido, até encontrei um amigo que não via, há anos. Estava com óptimo aspecto, moreno, reformado da Marinha. Foi um bónus, porque bastaria o diálogo de sangue, as palavras abertas que, normalmente, se cruzam muito claras e límpidas. Prolongamentos, no tempo, do que sinto, ou lembro que senti.
No percurso cego do piloto-automático, vem à colação, para além do José Cid e do Paulo de Carvalho, uma pergunta, ontem, de outro amigo: "-Mas acha que há 1.500 portugueses que comprem o Steiner?" Já em Sete-Rios, já só vejo perfis, pombos atrevidos, fiapos de nuvens...- o piloto-automático, em grande. Reinventario o passado recente: no Largo, só o preto repetitivo não começou aos gritos às três da tarde. O resto, igual: as putas, os chulos habituais, as velhinhas a ir para a Igreja, alguns turistas oblíquos e perdidos. E o Largo, na sua placidez, esteve sempre tranquilo. Acenei à Sagitário-Carneiro, despedi-me, afectuoso, do Caranguejo-Balança. Do Touro-Escorpião, já lhe dissera adeus havia uma hora, quase.
Quando cheguei a casa, fui logo ver o limoeiro. Respondeu-me com 12 limões viris (mais um do que na safra passada), de verde intenso, pujantes e com força de crescer. A dor, no joelho direito, estava esquecida. ou desapareceu. Três horas depois, achei que devia acabar com Saramago, que ando a reler. Por isso, segue: "...o povo vive longe, não lhe chegam notícias, ou não as entende, só ele sabe o esforço que lhe custa manter-se vivo..." Amén.

para os meus Amigos.

Filatelia XXII : Rainha Victoria (Inglaterra)


Nascida a 24 de Maio de 1819, Victoria subiu ao trono em 1837, foi coroada Imperatriz da Índia no ano de 1877 e veio a falecer em Janeiro de 1901, cumprindo assim o mais longo reinado de Inglaterra, por via feminina. A sua trineta, Isabel II terá de reinar até 2015, para bater o recorde da Rainha Victoria. Foi no reinado de Victoria que a Inglaterra iniciou, como pioneira, o uso de selos de correio, em 1840, com o "penny black", que se mostra, na imagem, na primeira linha. E usando, sempre, a efígie de Victoria, em efígie, situação que tem sido respeitada, na Inglaterra, com os reis que se lhe seguiram, até hoje.

Nota, e em tempo: por qualquer exquisitice ou Alzheimer progressivo do Google, não tenho conseguido re-comentar as observações de Amigos e visitas no Arpose. Que me desculpem. Eu é que não posso perdoar, de maneira nenhuma, esta falta de profissionalismo e eficácia googlesca, e grotesca duma empresa (?) do século XXI...  

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Correspondência, intimidade e ética


"Meu querido mais querido,
Acabei de tomar o pequeno almoço - um grande copo de leite quente e uma bem pequena e medíocre laranja - mas ainda não me vesti ou lavei como uma menina bem comportada, e quero escrever-te..."
Este é o início de uma carta de 19 de Março de 1915, endereçada de Paris, por Katherine Mansfield (1888-1923), para o marido, John Middleton Murray (1889-1957). Esta e muitas outras cartas foram publicadas pelo escritor, num grosso volume de cerca de 700 páginas, em 1951 (London, Constable & Co LTD). Embora eu goste, normalmente, de ler correspondência de artistas, políticos e escritores, importa-me sobretudo que tenham relação directa com a actividade ou arte que praticaram. Porque o resto é, um pouco, a tal "coscuvilhice nobre" de que falei, há dias, neste blogue.
Por outro lado, não posso ignorar que, a publicação de 3 cartas de Rodrigues Lobo (1580-1622), a rondar o fescenino, dirigidas a damas de vida livre (editadas em meados do século passado), mostram uma outra faceta do escritor português. Que estavamos habituados a encarar como pastor "bem comportado" do mavioso lirismo português... Assim, encararmos a publicação destas cartas íntimas da escritora neo-zelandeza, como mero acto mercantil do marido, para ganhar dinheiro e destaque, talvez seja exagerado e injusto. Há que ver, com atenção e cuidado, caso a caso. E, depois, avaliar.

Sebos e alfarrabistas


"Eu sinto medo de entrar no Maggs ou no Quaritch, porque sei que não haverá ali nenhuma descoberta pessoal a ser feita, nenhum erro da parte dos livreiros. ..." As palavras são de Graham Greene, escritas em 1973, numa altura em que coleccionava edições vitorianas de romances policiais. Este texto está incluído no livro "Reflections", que eu ando a ler, em tradução brasileira de 1993. O capítulo em causa tem o título: Sebos. Aqui há dez anos eu não sabia o que eram sebos; hoje, sei que é o equivalente a alfarrabistas.
É um facto que os brasileiros rejuvenesceram e continuam a rejuvenescer a língua portuguesa - e ainda bem! Mas não lembraria a ninguém, português, apelidar uma loja de alfarrabista de: sebo. Claro, há o calor tropical, a gordura dos dedos (sebo?) que, às vezes, deixa marcas nas páginas dos livros... Talvez venha daí a palavra: tão chã, tão pop, tão ruana, usada pelos brasileiros. Talvez porque o nosso primeiro impresso é tão antigo (Sumario das Graças, 1488) e a primeira publicação brasileira é mais tardia (Relação da entrada que fez o Exc..., de 1747), talvez por isso, é que a palavra «alfarrabista» parece mais aristocrática e classista; e o vocábulo «sebo» mais vulgar e popular. Talvez seja uma das grandes diferenças que nos separam, para além do Atlântico... 

domingo, 22 de maio de 2011

A resposta do Pintor


Morreu cedo este pintor flamengo, mas o seu talento foi precoce. Anthony van Dyck (1599-1641) nasceu em Antuérpia, mas a sua obra foi executada, sobretudo, na Inglaterra. Contou com o generoso patrocínio do rei Carlos I, que muito apreciava os seus trabalhos. Em contrapartida, van Dyck retratou-o várias vezes, bem como à mulher, Henriette Marie de França (1609-1669). Em relação à raínha, há um episódio curioso, passado entre os dois. Henriette não era bonita mas esperava ser embelezada, no retrato. Ao ver a obra final (do retrato, na imagem acima) observou que o Pintor lhe favorecera as mãos, mas não fizera o mesmo com o rosto e perguntou ao Artista o motivo. Ao que, van Dyck, prontamente retorquiu: "Não lisonjeei o Vosso rosto porque daí não esperava nada, favoreci as mãos, porque delas esperava alguma coisa!"

sábado, 21 de maio de 2011

Por acaso, a Roménia


Será, no mínimo, curioso que nesta pequena banqueta adjunta ao rebordo da varanda a leste, tendo por cenário alto um azul pálido de fim de dia, eu tenha reunido objectos de leitura que se relacionam, ambos, com a Roménia. Por dois bons motivos, por razões amigas, por questões de gosto. Vou ser concreto: por informação bloguista de MR comprei, hoje, "Le Magazine Littéraire" dedicado, maioritariamente, a E. M. Cioran; por oferta amiga de H. N. junta-se, na banqueta, o volume "Dieu est né en exil" de Vintila Horia. Cioran sempre foi, para mim, estimulante, e o livro de Horia fala de Ovídio que, exilado, veio a morrer na Roménia.
Um pássaro estranho pia, lúgubre e repetitivo, algures, mas não sei dizer o seu nome, o silêncio (futebol na tv?) em volta é quase absoluto, e o rosto de Cioran, triste ou angustiado, na capa da revista francesa, não é suficiente para me sobressaltar. É um começo de noite de Maio, ameno. Pese embora o desconforto dos dias que hão-de vir, domina uma calma plenitude, uma aceitação física do futuro, talvez irracional, e as "saudades da terra" de que fala Gaspar Frutuoso - ainda que em relação aos Açores.
Alguém, fronteiro, se debruça na janela, para fumar um cigarro... Há, na vida, momentos de equilíbrio, minutos de harmonia. Pode ser como hoje, já depois das nove, quando a noite cai. A lua parece que se recusa a nascer, ou eu a vê-la. Mas julgo que será minguante e cada vez mais pequena, no horizonte.
Encerrar o capítulo (que está frio): voltar para dentro. 

Top 3 : a sucção de iconografia


Há muito que não falo da incidência das visitas ao Arpose, e sua respectiva proveniência. Da Europa vem uma boa parte dos visitantes, seguida de perto da América do Sul, por causa do Brasil. O continente menos representado é, naturalmente, a Oceânia, mas há poucos dias tivemos uma surpreendente visita da Nova Zelândia (Auckland) que, como se sabe, fica nas antípodas de Portugal. Entretanto, nestes últimos 3 meses, o poste mais visitado tem sido um que coloquei, a 27/1/11, sobre Gomes Freire d'Andrade, em que falava também da peça de teatro de Sttau Monteiro, "Felizmente há luar!"; se a isto acrescentar que a peça faz parte das leituras obrigatórias do 12º ano escolar, tudo se torna mais claro...
Sobre a iconografia que tenho usado no blogue, aqui vai, por ordem quantitativa, as imagens que têm sido mais sugadas pelos visitantes, provavelmente, para depois as virem a usar, noutros sítios:
1ª. "Gerbe" de Henri Matisse, que consta de um poste de 19/4/2010;
2ª. "Chorinho" de Candido Portinari, postado a 29/12/2010 ( a imagem é, já de si, muito deficiente...)
3º.  De Leonardo da Vinci, "Senhora com um arminho" do Museu de Cracóvia, colocada a 28/12/2010. Segue-se, pela frequência recente e intensidade de visitas sugadoras, o "Auto-retrato" de Sandro Botticelli, inserto no quadro "Adoração dos Reis Magos". Volto a reproduzir as duas imagens mais sugadas, do Top 3, para que conste, para memória futura.

Linhagens 7

Episódios de viva voz 2: A fuga de civis (1945)

Na sequência do "post" anterior, sobra espaço e memória para as populações que, por um lado, sofreram antes com as ocupações inimigas ou, por outro, foram obrigadas a ceder o seu espaço aos avanços das tropas vencedoras. Em todo o caso, os nossos episódios de viva voz não se enquadram em nenhuma ideologia disfarçada de apoio ao antigo "Reich" germânico, tão acarinhada por determinadas confrarias alemãs de "espoliados do leste". Aliás, consideramos que os fugitivos do leste foram os mais penalizados por essa falsa "grandeza" populista, alimentada em períodos de crises económicas e de lideranças "primatas", ávida em aproveitar uma estrutura matricial de um povo e de uma cultura para fins impróprios e de promoção pessoal.
Posto isto, convém partir de dados objectivos. Dizem-me as estatísticas que 14 milhões de alemães fugiram, no final da 2ª Guerra Mundial, dos territórios a leste e à medida que as forças vencedoras avançavam. Dois milhões de civis faleceram nessa fuga. Não se contabilizam, nesta estatística, os óbitos dos soldados.
O relato de viva voz, reconstituído por fiapos vagos, quase de sobressalto, e embora sendo subjectivo, não carece de veracidade e, confrontado com fontes alargadas, confirma a experiência marcante na Europa do século passado.
Em Janeiro de 1945, com o avanço do exército russo, as populações de origem alemã do antigo domínio da Ordem Teutónica (OT), ficaram perfeitamente encurraladas e abandonadas à sua sorte. Por um lado, a ordem de resistência imposta pela política alemã, impedindo a saída atempada das populações civis, por outro, o avanço inexorável das tropas vencedoras, obrigou a experiências quase incompreensíveis para o dia de hoje.
Uma mulher, nascida no ano de 1913 na antiga Prússia de Leste e com residência numa localidade chamada Mohrungen, encontrava-se grávida do terceiro filho em Janeiro de 1945. O marido, militar, fizera-lhe um filho em 1939, certamente antes de partir para a guerra, outro, em 1941, porventura durante uma licença. O terceiro e último nasceu, a 26 de Janeiro de 1945, já fora da residência habitual e durante a fuga, no lugar de Maldeuten, numa quinta com o mesmo nome e que, segundo testemunho, já estava a arder em sequência dos ataques frequentes.



Ao que parece, a coluna em fuga concedeu apenas o tempo indispensável ao nascimento da criatura, reservando à parturiente, depois, o lugar destinados aos velhos, doentes e defuntos na carroça. Privilégios em tempos em que não se limpam armas! Os restantes, inclusivamente os irmãos mais velhos de 6 e 3 anos e meio de idade, não tiveram direito ao conforto na carroça. Assim, na família, ficou célebre uma expressão do irmão do meio que, ao caminhar, murmurava: "não posso mais, não posso mais, fico sentado na neve", aspiração impossível por significar a morte por abandono da coluna no meio de neve.


Ao chegar a Berlim, no final da 2ª Guerra Mundial, o panorama era semelhante à imagem reproduzida:


No meio da destruição, parece que ainda houve médicos a assistir aos fugitivos antes de continuarem a sua saga para os diversos estados que, actualmente, constituem a Alemanha. Não custa acreditar que o médico berlinense que observou a parturiente não se convenceu, à primeira, da veracidade do seu relato dos acontecimentos. De facto, o recém-nascido em Maldeuten (Prússia de Leste) tinha sobrevivido, assim como a mãe.
A mãe e os três filhos passaram a viver e crescer na cidade da Bayer, Leverkusen, tornando-se pessoas que, entre outras qualidades, se destinguem pela sua determinação invejável para ultrapassar adversidades sem esquecer o lado humano da vida.
Calhou-me em sorte que a mãe dos três filhos se tornasse, mais tarde, minha madrinha de baptismo e, como dizem os entendidos em astros, me tivesse transmitido, porventura, uma parte ínfima da sua tenacidade para além de outros saberes de que falaremos oportunamente.
Post de HMJ