sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Poeta e Criação, segundo E. de A.


Em Rosto Precário (6ª edição, 1995), no texto intitulado "O sacrifício de Ifigénia", Eugénio de Andrade escreve:
"O acto de criação é de natureza obscura; nele é impossível destrinçar o que é da razão e o que é do instinto, o que é do mundo e o que é da terra. Nunca nenhum dualismo serviu bem o poeta. Esse «pastor do Ser», na tão bela expressão de Heidegger, é, como nenhum outro homem, nostálgico de uma antiga unidade. As mil e uma antinomias, tão escolarmente elaboradas, quando não pervertem a primordial fonte do desejo, pecam sempre por cindir a inteireza que é todo um homem. Não há vitória definitiva sem a reconciliação dos contrários. (...) Porque o poeta vai nascendo com o poema para a mais efémera das existências; são as palavras, a luz e o calor que de umas às outras se comunicam, que o vão por sua vez criando a ele, acabando por lhe impor a mais dura das leis - a de que se extinga para dar lugar à fulguração do poema, a de que deixe de ser para que o poema seja, e dure, e o seu fogo se comunique ao coração dos homens."

Os nomes: ...Silvestre, Silvério...


Hoje, é o dia de S. Silvestre, que foi Papa, mas o nome, em si, pouco me diz: é-me neutro. Mas o único Silvério que eu conhecia, e também estimava, morreu, subitamente, em Novembro passado. Era baixo, gorducho, folgazão, de cabelo encaracolado, minhoto ( de Vila Verde) e um óptimo profissional na sua arte. Vou ter saudades dele.
Muitos nomes, desde a infância, ou adolescência, ganham na nossa memória conotações positivas ou negativas que inquinam abordagens, ou favorecem, à partida, os contactos, no futuro, com pessoas do mesmo nome, que vamos conhecendo ao longo da nossa vida. Na minha memória e, pela positiva e boa recordação inscrita, poderia referir: António, Carlos, Eugénio, Fernanda/Fernando, Francisco (Chico), Isabel, Jorge, Lúcia, Manuel/Manuela, Miguel, Pedro..., entre outros.
Pela negativa e má recordação, lembro-me de Ernesto, Rui e, sobretudo, os apelidos Carneiro, Faro e Miranda. No entanto, muitos nomes e apelidos são-me absolutamente neutros, na memória. Será injusto, à partida, este preconceito instintivo e irracional que a memória grava para conhecimentos a vir; mas que podemos fazer? Se as palavras têm mais força do que a gente pensa...

Comic Relief (20): homenagem às pedestres, "exóticas" traduções do Google

Deve ser por isso que os americanos e, às vezes, os ingleses não compreendem lá muito bem os europeus continentais...

Matisse



Considerado um dos grandes pintores do séc. XX, Henri Matisse nasceu a 31 de Dezembro de 1869, e faleceu em 1954. É um dos meus artistas preferidos. Em imagem, um desenho, e o último quadro que terá pintado: La tristesse du Roi.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Para uma boa noite

Jean-Baptiste Lully (1632-1687), da ópera Perseu: "O tranquille Sommeil".

Um Bom Ano a Todos...


...os que por aqui passaram, e passarem!

Favoritos XLVI : Dráuzio Varella (politicamente incorrecto...)


Médico e escritor brasileiro, descendente de galegos e portugueses, Dráuzio Varella (1943), reputado clínico que se dedica, principalmente, à oncologia, afirmou:
"No mundo actual, investe-se cinco vezes mais em medicamentos para a virilidade masculina e silicone para as mulheres do que na cura do Alzheimer. Daqui a alguns anos, teremos velhas de mamas grandes e velhos com pénis duro, mas nenhum se recordará para que servem."

P.S.: com agradecimentos a A. de A. M..

Adagiário XXVI : sobre o Tempo


1. Ano de neve, paga o que deve.
2. Ao quinto dia verás, que mês terás.
3. A água de trovão em parte dá, em parte não.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Memória 49 : Cândido Portinari


Ainda hoje, quando se fala de pintura brasileira, o nome que me vem logo à cabeça, é o de Cândido Portinari (1903-1962). Os seus quadros, associo-os, muitas vezes, à prosa magnífica de Graciliano Ramos, talvez porque grande parte da pintura de Portinari reflecte os deserdados da fortuna - os mais pobres ou infelizes. Do "Chorinho", quadro que encima este poste, eu gostava tanto que tive a veleidade de o copiar, a aguarela, em tempos da minha recuada juventude.
Quase poderia dizer-se, com ironia, que Cândido Portinari morreu pela pintura. De facto, a partir de 1954 foi-lhe diagnosticada um grave intoxicação pelo chumbo, proveniente das tintas que usava a pintar. Foi desaconselhado de continuar a praticar o ofício, mas a sua vocação era mais forte. O seu estado de saúde agravou-se e veio a morrer, com apenas 58 anos. Nasceu, faz hoje, exactamente, 107 anos.

Quadras populares de Várzea Cova (Fafe)


Do mesmo livro/tese referido em poste anterior, e da mesma autora (Maria Palmira da Silva Pereira), quadras soltas, populares, colhidas na região de Várzea Cova:

Passei pela tua porta,
Pedi-te água, bebi vinho.
Quando passares pela minha,
Fala que eu não adivinho.
...
Eu vesti-me e asseei-me,
Não sei se asseada venho,
Venho ver-me nos teus olhos,
Já que outro espelho não tenho.

Ó oliveira do adro,
Não assombres a igreja,
Que bem assombrado anda
Quem não logra o que deseja.

Thomas Arne (1710-1778)

Peço desculpa e aviso que, no final do vídeo, há cerca de 1 minuto de silêncio total.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Regionalismos minhotos


Por razões que não vem ao caso, tenho andado a folhear uma tese impressa em 1952, de autoria de Maria Palmira da Silva Pereira, que aborda etnografia e linguagem minhotas e, mais particularmente, de Várzea Cova, pequena aldeia (na época) da região de Fafe. Achei curioso deixar aqui alguns regionalismos mais pitorescos e respectivo significado. Segue:
antebém - pequena refeição entre o jantar (que, no caso, corresponde ao actual almoço) e a merenda nos dias de muito trabalho;
arreguiça - frio, arrepio;
calcoré - codorniz;
engenheiro - proprietário do engenho e aquele que mói o linho;
esgana - tosse convulsa;
folheca - floco de neve;
missa de fazer - missa dos dias de semana (dias úteis);
perucho - pera pequena;
têmporas - processo popular de prever, pela direcção dos ventos, na noite de 13 para 14 de Dezembro, o tempo provável do ano seguinte.

P.S.: para o António.

Civilidade (9) : como se deve comer?


Em boa regra de etiqueta, há uma forma consagrada que diz como se deve comer um ovo estrelado, de forma civilizada. Alguém se atreve a responder? Talvez o JAD, que é perito em lançar este tipo de desafios... J.S. e ms, não respondam, por favor!

Do "Bestiário", de Leonardo da Vinci


Muitos autores escreveram bestiários. Retenho dois, de que gosto particularmente: de Maurice Genevoix (que a propósito do Vairão, até fala de Chaim Soutine, pintor muito da minha preferência) e de Leonardo da Vinci. Na imagem do poste, o quadro de Da Vinci que mais aprecio: "Senhora com um arminho", que está no Museu de Cracóvia (Polónia). O quadro já consta do arquivo do Arpose, mas foi posto há mais de um ano, e é tempo de o recordar. Seguem-se, então, algumas transcrições do "Bestiário" de Leonardo da Vinci:
35. Moderação
O arminho pela sua moderação apenas come uma vez por dia e prefere deixar-se apanhar pelos caçadores a fugir para a sua toca se estiver enlameada, a fim de não macular a sua pureza.
95. Camaleão
Este apanha sempre a cor da coisa onde pousa; por isso, juntamente com os ramos onde pousam, muitas vezes são devorados pelos elefantes.
97. Dos Pressentimentos
O galo não canta se antes por três vezes não bater as asas.
O papagaio, ao deslocar-se pelos ramos, só põe o pé onde antes já pôs o bico.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

As Colinas da Irlanda, em sequência

Michael Hartnett (1941-1999), irlandês


O Homem como sonhador: Falamos do Futuro

...tem de haver uma colina,
alta, certamente, e crepuscular.
Tem que haver alguns pássaros,
tristemente audíveis, todos eles:
uma neblina necessária,
pequenas gotas de chuva:
sim, mas também, enorme,
um ar de satisfação.
Teremos ambos que ser velhos,
e as nossas esposas, evidentemente,
já morreram. Jovens, tragicamente.
E todos os nossos filhos terão ido
para longe, para terras estranhas,
ou, então, nunca terão nascido.
Passamos por uma guerra,
tivemos fome, fomos heróis:
e aqui estamos, agora, muito calmos,
bem alimentados, e sobreviventes.
As colinas são antigas, silentes:
o fumo do cachimbo sobe no ar.
Viemos de muito longe...

Joan Manuel Serrat, catalão, 67 anos, hoje

Quem diria? Como o Tempo passa depressa...

Cromos 9 : Colecção Exércitos Mundiais



Esta colecção de caramelos e cromos "Exércitos Mundiais" foi uma das minhas predilectas mas, infelizmente, encontra-se incompleta. Produzida pela Fábrica Universal de António E. Brito (Lisboa), tinha 186 cromos, dos quais 61 eram dedicados ao Exército Português, nos seus diversos uniformes através dos tempos. Ia desde o Guerreiro Celtibérico (nº 1) até ao Cadete da Escola de Guerra Portuguesa (61).
Nas primeiras e últimas páginas, sem cromos, havia textos explicativos para cada militar representado. Assim, por exemplo, sobre o nº25, Porta Machado em 1809, o pequeno texto descritivo dizia o seguinte: "O fardamento dos Porta Machados que constituíam os Sapadores do Exército, foi adaptado do modelo Francês. O uso da barba era tradicional neste corpo."

Para JAD, em complemento, wagneriano


Algumas imagens deste que tem sido o nosso mundo, num paralelismo de música, genial, de F. F. Coppola, em Apocalypse Now.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Boas Festas, ó Google!


Foi um esquecimento imperdoável!!!
Foi a visita mais fiel, a companhia mais constante, de uma dedicação quase canina. Seguindo-me diariamente, nesta quadra natalícia: 16 visitas, em 100, é obra - fique o reparo!...
Faço-lhe uma festa no focinho, passo-lhe a mão pelo pêlo, e digo, comovido: Merry Xmas and a Happy New Year, ó Google!
P.S.: mas se me permites um conselho para 2o11: arranja uns tradutores mais competentes e capazes a traduzir, em língua portuguesa. É que parece mal, essa linguagem "mista de ervilhaca" de que falava Camões...

Osmose (5)


Os acasos transformam-se, tanta vez!, em circunstância.
Dizia-me L.R.T. : "- Olhe para os gestos inabituais, irregulares..." E tinha razão. Todos nós nos descuidamos, ou por cansaço, ou porque estamos distraidos, ou porque alguma coisa nos colhe, com força excessiva para nos defendermos. E vestir uma pele diferente tem que se lhe diga...
Fixa-se o nome de uma cidade (Barcelona, porquê?), um rosto no meio da orquestra (Weinachtsoratorium, Bach), o movimento de um corpo na berma da estrada que nos leva a uma praia... e nunca mais esquecemos. Ou como me dizia J., anteontem, alguém se senta ao nosso lado, por mero acaso, na viagem. Falamos, falamos, quase 3 horas numa empatia absoluta, e quando chegamos a casa damos conta que não lhe sabemos o nome, nem o contacto, sequer. Para sempre.
As emoções são breves, as paixões têm uma contrariedade que inflaciona o sentimento, mas os pensamentos na memória duram, muitas vezes, tempos infinitos.
Porque é que o cão, que está continuamente a ladrar, não enrouquece?
P.S.: para J. S..

Filatelia XIII : selos clássicos falsificados


Desde cedo que os selos clássicos portugueses mereceram a atenção dos falsificadores. Os internacionais mais conhecidos foram Sperati e Fournier, mas este último apenas reproduziu selos tipo Coroa para as colónias portuguesas. Que se distinguem, entre outros pormenores, pelas muito mais largas margens entre a moldura do desenho no selo e o denteado.
Por vezes, os carimbos eram também falsificados. É o caso dos dois selos, na 1ª linha da imagem, falsificados de D. Maria II ( de 5 e 50 reis), de impressão e reprodução grosseiras. Destes e do selo de D. Pedro V (2ª linha) não se conhecem os autores falsários.
Na 3ª linha da imagem podem ver-se três falsificações Fournier, do tipo Coroa, e da ex-colónia de S. Tomé e Príncipe, cuja reprodução, sendo boa, se denuncia pelas margens muito maiores do que as dos selos originais.
P. S.: para ms.

sábado, 25 de dezembro de 2010

Bach pelo Natal (3, e final da Oratória BWV 248)


Bibliofilia 38 : Livros de Cetraria



Os livros sobre cetraria (arte de caçar com falcões e açores) são sempre muito apetecidos, procurados e disputados em leilões, pelos bibliófilos. Este "Livro de Falcoaria", de Pero Menino, publicado, pela primeira vez, por Rodrigues Lapa, em 1931 (via manuscrito da secção Pombalina, 518, BNP), bem como a "Arte da Caça de Altaneria", de Diogo Fernandes Ferreira (cuja 1ª edição, de 1616, é raríssima; a 2ª data de 1899), são as obras mais conhecidas, portuguesas, sobre esta arte.
Pero Menino era um dos muitos falcoeiros do rei D. Fernando I que gostava muito de caçar. O livro acima referido, lê-se com muito agrado pela vivacidade da escrita e pelo "castiço" da linguagem medieval, usada pelo falcoeiro régio.
O meu exemplar do "Livro de Falcoaria" custou-me, nos anos 80 do séc. passado, Esc. 2.200$00 (cca. 11,00), num alfarrabista da Rua do Alecrim, em Lisboa. Recentemente, a 7 de Dezembro de 2010, num leilão (75) da Livraria Antiquária do Calhariz, de José Manuel Rodrigues, um exemplar (lote 503) semelhante ao meu, também brochado, foi arrematado por 55,00 euros.

Bach pelo Natal (1)


À memória de L. R. T. (5/3/1923 - 20/12/2010) - um Homem Bom.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Mercearias Finas 24 : com "açúcar e afecto"


A última vez, naquela casa, terá sido em 1968, mas já faltava 1/3 do grupo inicial, à mesa. A data da primeira ceia de Natal perdia-se no tempo. Mas houve sempre pequenos ramos de violeta, na sala de jantar. A Matriarca dava-lhe a direita, na mesa, desde 1954; à esquerda ficava a sobrinha mais antiga, depois da morte dos mais velhos. Primeiro fora a Avó, sempre silenciosa, que se sentava na outra cabeceira, em frente ao Patriarca da família, que era Poveiro. O momento mágico era-lhe devido, quando, em vida, depois dos mexidos, rabanadas, sonhos, depois do Bolo-rei, que tinha favas e podia ter uma libra inglesa, o Patriarca se levantava, ia buscar a maquineta de café e iniciava o ritual em que a água límpida, no balão do fundo aquecido a lamparina, se transformava num líquido escuro, fumegante e aromático, que subia ao balão de vidro superior.
A única coisa que ele não apreciava, totalmente, era o pão de mistura, de brancura imaculada no miolo, para acompanhar o cozido de bacalhau. Com o peixe natalício sempre teria preferido, como hoje prefere, o pão dos pobres: a broa de milho minhota. Mas esse pão grande de mistura fora o seu segundo momento mágico da ceia de Natal. Quando Joaquim Leite, antigo motorista da casa - que era sempre convidado, democraticamente, para a mesa dos "Senhores" - depois de fazer o molho, no prato, com azeite, vinagre, sal e pimenta, e de cortar, em bocadinhos, a cabeça do alho, limpava a faca de prata brilhante a uma fatia de pão de mistura, com requinte deliciado, e comia esse pão com o suco do alho, regaladamente, antes de se atirar ao Cozido.
O vinho fora sempre do Dão, Grão Vasco, tinto, aberto meia-hora antes, para respirar, e a aquecer na sala de jantar, que já estava tépida, com o aquecimento ligado.
Nos últimos anos, bastante depois da morte do Patriarca, ele escapulia-se, logo após o Vinho Fino (Vinho do Porto caseiro), para tomar café na sede dos Bombeiros Voluntários, numa rua estreita e de má fama, que era o único sítio que o servia na cidade, na noite de 24. Onde encontrava, também, os amigos juvenis. Ficavam a falar até às 11 da noite, mais coisa menos coisa, para depois regressar a casa e esperar para seguir para a missa do Galo, na Igreja dos Redentoristas.
Hoje, e dessas Consoadas de Natal, só restam dois sobreviventes. Mas vem-me à memória um aroma, ainda agradável, com sabor de violetas ressequidas e eternas, enquanto eu for vivo.

Bach pelo Natal (1)

Nota de 11 de Novembro de 2012: alguém ligado ao Youtube resolveu sugar este vídeo, não sei porquê.  A bem da Cultura e da Música é que não terá sido, certamente.
Em Março (?) de 2017, voltaram a sugar o vídeo...
E, em Abril, eu voltei a repô-lo.

Ava Gardner


Dela disse , um dia, Jean Cocteau, pelo seu olhar de gata, que era a "mulher mais linda do mundo". Nasceu nos Estados Unidos a 24 de Dezembro de 1922. Foi actriz de cinema bem sucedida. Casada sucessivamente, embora por pouco tempo, com Mickey Rooney, Artie Shaw que era músico e compositor conhecido, e finalmente com Frank Sinatra. Mas teve também romances com o toureiro espanhol Luis Dominguin e com o milionário americano Howard Hughes. Também foi amiga de Hemingway, a quem o ligava uma paixão comum: as touradas. Morreu, em Londres, a 25 de Janeiro de 1990.

Nota: as imagens de Ava Gardner são de 2 colecções de cromos. Uma, artesanal, de caramelos. A outra, já mais cuidada, da Agência Portuguesa de Revistas.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Nemésio sobre a ceia


"...Porque o escritor que evoca a ceia patriarcal da «noite do galo» não chora tanto uma crença que se perdeu ou tornou tíbia, como chora uma certa e determinada conformação da vida moral, um estado de espírito tributário de certa atitude religiosa muito menos importante para ele do que os efeitos sedativos que tinha. O pastor de surrão, o cordeirinho, a burra do presépio, o bafo da vaca, as urnas e os mantos dos Reis Magos, a consoada e as pratas da mesa da ceia são meros atributos de uma paz doméstica abalada, e sinais de um conforto adjectivo. ..." (1944)

Um inocente Jogo de Natal



Os jogos simples, de interior, têm vindo a perder terreno pela concorrência que os jogos de computador, mais sofisticados e, aparentemente, com mais acção (apenas virtual, no entanto), lhe têm feito. Alguns, perderam-se-lhe as regras, outros, mais afortunados, chegaram a ter um tratado e poder-se-á reaprender por ele. É o caso do Tratado do Jogo do Voltarete, de 1834. O Voltarete foi um jogo muito popular, no séc. XIX, quer em Portugal, quer no Brasil; Machado de Assis fala dele, num dos seus livros.
Não sei se ainda se praticará o Jogo do Rapa, pelo Natal. Jogava-se a pinhões, na época natalícia. E com um pequeno peão de madeira, quadrilátero, com os dizeres: R(apa), T(ira), D(eixa) e P(õe). Fazia-se a aposta do número de pinhões para a mesa, rodava-se o pequeno pião entre os dedos polegar, indicador e médio, deixava-se rodar até que revelasse o lado de cima que marcaria o resultado. Quando ficava virada para cima a face do R(apa), era um contentamento, porque ganhávamos todos os pinhões da aposta dos outros jogadores.

Comic Relief (19) : o chiclete Ping-Pong


Este anúncio publicitário brasileiro vem na contracapa do Álbum Gigante nº 54 (Os Três Mosqueteiros em o Segredo do Cardeal), de Abril de 1959, de que se mostra a imagem em poste anterior. O tosco desenho, o seu lado naïf do texto mas, ao mesmo tempo, a preocupação cultural que exibe, fazem-no merecer - creio - integrar esta rubrica (Comic Relief) com todo o direito.

Boas Festas, e obrigado pela Amiga companhia

Quando se chega próximo do Natal é difícil não repetir as palavras e os votos habituais. Mas, por outro lado, também se instalam, naturalmente (ou quase), sentimentos de solidariedade, fraternidade e gratidão, bem como uma atenção maior aos outros, que é muito positiva. Em vez da imagem de um cartão de B. F., de um vídeo da "Silent Night" ou do "Jingle Bells", preferi optar por uma forma mais heterodoxa de desejar votos natalícios a Todos. Aos Amigos, aos conhecidos, e também aos silenciosos desconhecidos que passam pelo Arpose, sem quase deixar rasto... Bom Natal e um 2011 com Esperança!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Leituras Antigas XXIV : Colecção Álbum Gigante (brasileiro)



Estas revistas brasileiras da colecção Álbum Gigante, aos quadradinhos ou de BD, eram uma espécie de complemento à Edição Maravilhosa (Leituras Antigas XI), na intenção de tornar acessíveis à juventude, e de forma simplificada, algumas obras de ficção universais.
Tenho apenas 4 números. O primeiro que possuo é de 1956 (nº11) e custava 7,00 cruzeiros. Quadrinizava o romance brasileiro "Amôres de um Médico", da autoria de Joaquim Manuel de Macedo, nascido a 24 de Junho de 1820, na vila de Itaboraí, próxima do Rio de Janeiro. O último que tenho é de Alexandre Dumas e reproduz-se na imagem. Já custava (Abril de 1959) 10,00 cruzeiros. A publicação dos Álbum Gigante deve-se à Editora Brasil-América, do Rio de Janeiro. Os desenhos das capas são, como na Edição Maravilhosa, da autoria de António Euzébio.

Lembrar Puccini


Giacomo Puccini nasceu a 22 de Dezembro de 1858.

Florir de Inverno


Pardais havia poucos, quando saí: pareciam arrepiados. Mas um melro destemido atravessou, por entre os pingos de chuva, elegante em linha recta, e veloz, à minha frente. O seu destino era um ramo flexível e despido, onde se pôs a balouçar, quase, aproveitando a pequena réstea de sol que perfurava as nuvens cinzentas, a sul. Punha-se a jeito para não esfriar. Um outro (fêmea?) seguiu-lhe o exemplo, um pouco mais abaixo, na árvore. Nenhum deles cantou, provavelmente, para não gastar energias. As poucas pessoas no largo, ajoujadas de sacos de compras, apressavam, lépidas, o passo, em direcção a casa.
Depois, quando descia a rua, reparei na cameleira floridíssima de branco, até parecia de neve. E, no jardim da esquerda, vi então as estrelízias nas suas pétalas agudas. Pareciam bicos vermelhos de pássaros, desafiando o frio e a chuva.

P.S.: para c. a..

Adagiário XXV : pelo Natal


1. Natal em casa, Páscoa na praça.
2. O Natal ao soalhar e a Páscoa ao luar.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Revivalismo Ligeiro XXXVI : Carlos do Carmo

Carlos do Carmo (1939) completa, hoje, 71 anos.

2 últimos cartões de B. F. oficiais


Estes dois cartões de Boas Festas, que serão os últimos, são já da segunda década do séc. XX. O dos Correios Belgas terá sido enviado, muito provavelmente, do Congo Belga para Angola, mas foi impresso em Bruxelas, por P. van Damme. O segundo, da Dinamarca, é de 1914.

A Consoada no Aeroporto?


Passar o Natal no aeroporto? É bem possível, na Europa. Nem o progresso, nem a tecnologia podem valer. A ironia de tudo isto é que, há 100 anos atrás, isto era improvável.
A moeda tem sempre 2 faces, ou deus tenta fazer um remake climatizado de um antigo estábulo...

Citações LIV : Giulio Andreotti


Sobre o Poder, Giulio Andreotti (1919) disse:
- " O poder cansa aqueles que o não têm."
- " O poder é uma doença de que não queremos ser curados."

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Em sintonia e sequência

arte menor (2) : carmina burana


Há um bom par de anos, no Verão, traduzi do francês, alguns poemas dos Carmina Burana, porventura num local não muito longe donde foram escritos por "goliardos" (monges errantes e semi-eruditos que tinham abandonado a Igreja), no século XIII. Não consegui localizar o livro donde retirei as poesias. Vão por isso, assim, pura e simplesmente, sem mais referências.

Nesta roda
não volteiam senão virgens
que não querem namorado
este Verão.
(...)
A floresta ganha claras cores,
e os pássaros cantam alto.
É múltipla a alegria
e a virtude de Maio coroa
o doce desejo. Quem não quer
ser jovem com o tempo belo?
E o preço, senhor Maio,
é troçarmos do Inverno!
(...)
Sou tua, tu és meu,
ou, melhor, amigo fica a saber
que és prisioneiro

do meu coração para sempre:
a chave perdeu-se,
aqui terás de ficar!

Em complemento de J. Hilton, para MR



Aqui fica, MR, a capa de Cândido Costa Pinto, do volume 50 da colecção Vampiro, da autoria de James Hilton. E um pequeno excerto do final de Goodbye, Mr. Chips, com Peter O'Toole.

Referências : James Hilton



James Hilton, que morreu a 20 de Dezembro de 1954, foi um autor de referência, em toda a minha juventude. Ainda hoje estimo este escritor, pela sua forma simples e sensível de narrar. Nascido na Inglaterra, em 1900, depois fixou-se nos Estados Unidos, onde veio a falecer. Foi também argumentista de filmes, fora os seus romances de sucesso que passaram ao cinema.
Uma boa parte da sua obra, traduzida em português, integra a antiga colecção Miniatura, da editora Livros do Brasil:
- "E agora adeus" (And now good-bye -1931)- nº22 da Colecção.
- "Adeus, Mr. Chipps" (Good-bye, Mr. Chips -1934)- nº10, traduzido por Érico Veríssimo.
- "Horizonte Perdido" (Lost Horizon -1933)- na mesma colecção, com o nº4.
- "Não estamos sós" (We are not alone -1937)- nº16 da Miniatura.
James Hilton que, em "Lost Horizon", cunhou pela primeira vez a palavra Shangri-La (que passou a identificar-se com Utopia), escreveu ainda, em 1931, um romance policial, incluído na Colecção Vampiro com o número 50, cujo título foi traduzido para "Acidente ou crime?"
Nota: as capas dos livros, em imagem, são da autoria de Bernardo Marques.

O dourado, na crise


É curioso e estranho que em dois cartões de Boas Festas, que recebi do Estrangeiro (um da Inglaterra e o outro da Alemanha), predomine o "ouro" na imagem. Sobretudo nesta época de crise!...
Será que nos querem ajudar?

domingo, 19 de dezembro de 2010

A quem possa interessar


Curiosidades 26 : Boas Festas oficiais


Ainda mais dois cartões de Boas Festas dos directores dos Correios da Holanda e da Suécia, este último ainda do século XIX. Foram ambos enviados para Portugal.

Salão de Recusados XXXII : pelo Natal, com O'Neill (2)


De Para uma pequena filosofia do Natal, alguns excertos:
(...)
"À porta da loja de brinquedos, o Pai Natal já não podia com frio. Um senhor teve pena dele e pagou-lhe um copo num bar vizinho.
(...)
Pelo Natal, um pequeno industrial arruinado decidiu relançar o seu talco invendável sob uma nova marca: NATALCO. «Mas é a pior altura do ano para se vender talco!», disse-lhe um amigo. «Não. É agora que os armazenistas fazem os seus estoques de Verão», respondeu-lhe o industrial. E cada um parecia muito seguro do que afirmara. Eu pensava nos refegos dos bebés...
(...)
O mais triste do após-Natal: pinheirinhos cortados, às portas das casas, como adereços já imprestáveis. (...)"

Nota: Alexandre O'Neill nasceu a 19/12/1924. Estes excertos foram colhidos de "Anos 70, poemas dispersos" (Assírio & Alvim, 1995).

Osmose (4)


Abriu os olhos, ainda cedo (insensato sono, pensou). Restabeleceu as coordenadas - dia 25. E ficou mais um pouco. Sabia que pensava e trabalhava melhor depois do caos: a reerguer tudo outra vez. Às vezes, noutra perspectiva, diferente.
Levantou-se, e seguiu para a cozinha, onde reaqueceu o café que sobrara da Consoada. Encheu a pequena chávena, intacta e limpa (a do Sérgio, o genro purista, parco de alimento, vegetariano, quase sempre...), e olhou as três pilhas de louça, por lavar. Mas não desanimou.
Porque é que a Lígia se teria apaixonado pelo Sérgio? - pensou. E voltou a olhar o caos harmonioso de copos, talheres e louça, à sua frente. Acendeu o primeiro cigarro da manhã, e esticou as pernas, com preguiça inocente. Pouco depois, voltou ao quarto onde o odor da noite ainda dominava uma quentura de penas. Com vagar, percorreu de memória, as lembranças do jantar da véspera. Sentiu sede: se calhar, não tinha demolhado o bacalhau, suficientemente. Mas estava tudo bem. Os filhos e a filha tinham confirmado. E já não tinham idade para lhe mentirem. Seguiu, então, para a casa de banho.
Fez o balanço final, ao dia 24. De manhã, tinha feito os 3 telefonemas essenciais. Demorou mais, de memória, a recordar as palavras de Manuel. E uma ternura súbita eriçou-lhe a pele e alisou-lhe a testa, quando se olhou ao espelho. Concluiu, quase tranquila, que Manuel tinha a mesma voz de há trinta anos. Estavam ambos sós, agora, mas já muito longe, um do outro. Só nessa altura Maria Isabel se decidiu a abrir, decidida, as torneiras, para tomar banho.

Música e Poesia XXX : Edith Piaf


Na passagem do aniversário de Edith Piaf : 19/12/1915. Que veio a morrer a 10/10/1963.

sábado, 18 de dezembro de 2010

Na época de mandar os cartões de Boas Festas...


...estes cartões oficiais de Boas Festas, do princípio do século XX, dos empregados dos Correios da Sérvia e de S. Petersburgo, enviados para Portugal. O verso do cartão de S. Petersburgo tem o mesmo texto, mas em caracteres cirílicos. Por aqui se pode ver o declínio da língua francesa que, na altura, seria a língua de comunicação europeia, por excelência. E diplomática, também - creio.

Iconografia moderna e laica (9) : as negações de Pedro



"...Ora uma das servas que o viu, à luz da chama, e reconhecendo-lhe o rosto, disse: «Este também estava com Ele!» Mas ele negou, dizendo: «Mulher, eu não o conheço.» Lucas, 22, 56-57.

Dos jornais: "...Cavaco ocupou-se mais a justificar-se do que a responder a Clara de Sousa. E uma das questões em que mais se sentiu atacado foi na imagem de ser conivente com a aprovação de um «mau Orçamento»."

Recomendado : oito - Haydn por Alfred Brendel




É uma interpretação magnífica. Para oferta de Natal, ou auto-oferta para quem gostar de Brendel ou de Haydn. Creio que o conjunto de 4 CD's foi gravado nos anos 80. Eu tenho-o desde o início dos anos 90. Julgo ser possível comprá-los ainda, sem dificuldade. Recomendadíssimo.

Favoritos XLV : Paul Klee


Paul Klee nasceu na Suiça a 18 de Dezembro de 1879. Autor de uma obra pictórica notável, é também um ensaísta de temas de arte, com reflexões de grande acuidade. A obra que se mostra, tem por título, qualquer coisa como: "Dois homens julgando, cada um, que o outro é de mais alta hierarquia". É também dele, a frase: "A arte não reproduz o que vemos, antes nos faz ver". Klee faleceu em 1940. Antes, tinha também dito: "Como posso morrer, eu, cristal?"

Memórias Pragmáticas de um Império



A 18 de Dezembro de 1961, o pequeno território de Damão é invadido pelas tropas indianas e, até ao final do ano, todo o espaço que constituia, na altura, o chamado Estado Português da Índia, seria integrado na União Indiana.
O ano de 1961 é, por isso, uma data de viragem para o dito Império Português. O forte de S. João Baptista de Ajudá (Ouidah), na costa do Daomé, depois de incendiado (por ordem de Salazar), fora entregue, às autoridades do antigo Benim, em 1 de Agosto de 1961. Mas desde finais dos anos 50, com as independências das antigas colónias de França e Inglaterra, e mais tarde da Bélgica, os sinais de mudança eram perceptíveis. Mas o Estado Novo não soube ou não quis entender esses sinais.
Em finais dos anos 50, já grupos de Satyagrahas (combatentes pacíficos pela liberdade, inspirados em Gandhi) invadiam os territórios de Goa, Damão e Diu, de forma maciça e pacífica. Entretanto, na rádio (Emissora Nacional), ciclicamente, se ouvia o estribilho: "Os sinos da velha Goa e as bombardas de Diu serão sempre portugueses!", ao mesmo tempo que se ouvia o dobre dos sinos; mais tarde, a palavra de ordem seria: "Angola, é nossa!"

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Cromos 8 : A Selva





Mais uma colecção antiga de cromos, que acompanhavam pequenos caramelos vendidos a $10 (1 tostão), como na contra-capa da caderneta ainda se pode ler. O conjunto completo era composto por 176 cromos, e o "mais ruim" era o nº113: o pavão. O conjunto está muito danificado pelo tempo, sobretudo, a capa e contra-capa da caderneta. Em três páginas interiores eram descritos todos os animais e aves que faziam parte do conjunto. Por exemplo: "Nº 73 - Chacal: Quadrúpede carnívoro assemelha-se ao lobo e à raposa. Vive em rebanho na selva africana. Só ataca de noite e à traição." A colecção de caramelos/cromos " A Selva" é uma edição de António & Brito, que tinha a sede na Rua da Alegria, 22, em Lisboa. Os cromos, como se pode ver pelas imagens, são de desenho grosseiro e impressão pouco cuidada. Deve datar do final dos anos 40, ou início dos anos 50, do século passado.