sábado, 31 de julho de 2010

Na frescura da noite


São 21,30, mas apetece ficar. Não há lua, ainda. Mas um friínho (Rosalía) insinuante e quase húmido refresca a noite e a varanda a leste. Penso na viagem que me não apetece: apenas quem vou rever me faz ir. Foi o ar que arrefeceu, porque não há vento - as árvores estão quietas: sonham, talvez, ramos novos e raízes mais fundas.

Juvenília (8, e último)


Partida


Não entremos no mais denso
desta lágrima,

nem do futuro se pergunte
a continuidade.

Há um tempo de partida
para que a obra fique

no poema e no amor, na vida.


(set./out.1966-jul.2010)

Quem quer viver para sempre?

Quem quererá viver para sempre? A sabedoria antiga, pelo testemunho de Homero, diz-nos que Ulisses declinou essa possibilidade, que lhe foi oferecida. Cuidados paliativos?, vida artificial?, se formos meros vegetais sem viço? - não, obrigado! Como dizia Pessoa, somos apenas "cadáveres adiados que procriam", é útil lembrá-lo. Não embarcar com os políticos que dizem que temos melhor qualidade de vida, por durarmos mais tempo. São falácias onde entram cadeiras de rodas e camas articuladas, onde um ser humano já só tem o silêncio por companhia. Há que viver o minuto seguinte e o dia de amanhã com toda a intensidade de que formos capazes. O resto é usura estúpida, poupança inútil, pensamento fraco. O resto, em resumo, é silêncio.

Mercearias Finas 12 : A sopa de beldroegas e o TLS



O professor Bernardo da Fonte ia, todas as sextas-feiras, buscar à tabacaria "Velho do Restelo" o seu exemplar do TLS (The Times Literary Supplement). Às vezes, encontrava a Cilinha, com as suas assimetrias caprichosas e voz aguda, a quem, paternalmente, beijava as bochechas, até porque eram colegas de profissão. Outras vezes cruzava-se com o Sr. Murphy, louro e fleumático, que resmoneava um bom dia com sotaque; vinha também um paquete do "JL" para levar outro dos exemplares reservados. O quinto TLS era para mim, que vou contar a história. Acrescento, desde já, que eramos uma irmandade distante, sem familiaridades entre si, mas fiel.
A tabacaria tinha dois empregados: o Heitor, alentejano de gema, já quarentão, e o Rodrigo, ainda moço, fantasista e sonhador, que tentava sempre falar de mundos distantes e culturas exóticas com os clientes menos apressados. Mas veio a morrer, de repente, em circunstâncias estranhas, três anos antes da tabacaria "Velho do Restelo" fechar. No entretanto, sucedeu-lhe o Fulgêncio, a rondar os vinte anos, um pouco raquítico, baixinho e magro, mas enérgico e prestável. Sempre com um "olho na burra, outro na albarda", não lhe roubassem as revistas dos expositores. Justiça lhe seja feita: mal eu assomava à porta, já o Fulgêncio procurava o TLS para mo entregar, com um sorriso.
Ora uma sexta-feira, ainda eu estava a pagar a "BBC music" e o jornal inglês, ao Fulgêncio, quando entrou o Heitor, épico e esbaforido, clamando: "- Já ganhei o dia! Hoje, no restaurante, ao almoço vou comer sopa de beldroegas!" Ao professor Bernardo da Fonte, que entrou quase a seguir, ouvi-o perguntar: "- E é boa a sopa de beldroegas?", e o Heitor respondeu: "- Se é, senhor professor!, tem é que se depenicar as folhas, como as penas às perdizes..."
Este pequeno incidente, inofensivo na aparência, foi, no entanto, como um rastilho aceso num cartucho de dinamite progressivo. Eu nunca mais descansei enquanto, lá em casa, não me fizessem uma sopa de beldroegas que, confirmei, sendo bem feita, é de apetite! Amarguei-as, porém, porque tive que depenicar 4 molhos de beldroegas, durante quase duas horas, e nunca mais me atrevi a pedir uma segunda dose. Prefiro depenar perdizes...
Com o professor Bernardo, o caso foi mais dramático. Parece que, por essa altura, ele já não se dava muito bem com a mulher, embora o casamento já levasse mais de trinta anos, e quatro filhos. Por outro lado - segredou-me o Heitor -, a esposa do professor, e homem de letras, não era lá grande cozinheira, nem alentejana. Mas ele tanto insistiu com a senhora que ela lá lhe fez a sopa de beldroegas. Porém esqueceu-se de lhe pôr os dois queijinhos frescos da receita. E a sopa parecia mais um caldo de ervas daninhas. O professor passou-se...
Seis meses depois, ele e a dona Custódia estavam divorciados. Um ano mais tarde, Bernardo da Fonte veio a desposar, pelo civil, a Cilinha Gomes Alves - nessa altura, já uma cronista consagrada e muito presente em mesas-redondas, de temas literários, na TV. E foi assim que, dos 5 exemplares que a tabacaria "Velho do Restelo" guardava e vendia, passou a vender apenas quatro. O professor e a Cilinha passaram a ler pela mesma "cartilha". Mas não foi por isso que a tabacaria veio a fechar. Mas isso, é outra história. Já sem sopa de beldroegas...
Nota: qualquer semelhança das personagens com pessoas da vida real é mera coincidência.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Livros para levar


A alguém que me pediu sugestões de leitura para estas próximas férias, indiquei três nomes: Steiner, Camus e Eugénio de Andrade. Mas se tivesse de alargar a minha escolha para 10 livros (para ler ou reler), seriam os seguintes:
1. Carta a minha mãe - Georges Simenon
2. Danúbio - Cláudio Magris
3. Desgraça - J. M. Coetzee
4. Directa - Nuno de Bragança
5. Errata, revisões de uma vida - George Steiner
6. Homem de palavra(s) - Ruy Belo
7. Le premier homme - Albert Camus
8. Montanha Mágica - Thomas Mann
9. Ostinato Rigore - Eugénio de Andrade
10. A Sociedade Medieval Portuguesa - A. H. de Oliveira Marques.

Nota pessoal: o romance de Coetzee ("Desgraça") só o aconselho a pessoas de nervos fortes.

Um poema de juventude - Juan Ramón Jimenez


Já aqui falei, no Arpose, várias vezes, de Juan Ramón Jimenez (1881-1958), que é um dos meus poetas preferidos. Mas, há dias, folheando uma colectânea de poesia ( Antología de la Poesia Española [1900-1980], de Gustavo Correa, Gredos, 1980) deparei com um poema de Jimenez de que não me lembrava (alguma vez o terei lido?), e de que gostei . Não será dos melhores do poeta andaluz, mas não desmerece, pela juventude. Aqui vai a tradução:
A Viagem Definitiva

...E eu irei. E ficarão os pássaros
cantando;
ficará o quintal, com sua verde árvore
e seu poço branco.

Todas as tardes o céu será azul, tranquilo;
e tocarão, como esta tarde tocam
os sinos no campanário.

Morrerão aqueles que me amaram
e a terra será nova cada ano;
e naquele meu canteiro florido e caiado
o meu espírito há-de pairar nostálgico...

E eu irei; estarei só, sem lugar, sem árvore
verde, sem o poço branco,
nem céu azul e plácido...
E os pássaros ficarão cantando.

(Poemas agrestes, 1910-1911)


P. S.: para c. a., pelo seu dia, com parabéns e as melhores lembranças.


Música e Poesia XV : El Cant dels Ocells

quinta-feira, 29 de julho de 2010

À espera


Esperamos o vento, à noite, como os romanos esperavam os Bárbaros, no poema de Constantino Cavafy (1863-1933), que Jorge de Sena, exemplarmente, traduziu. Abrimos as janelas, as portadas das varandas, à espera da mais pequena brisa, que corra e refresque a casa. Que não se cumpra, em relação ao vento, o destino inscrito no poema de Cavafy, na tradução de Sena:

...Porque a noite caíu e os Bárbaros não vieram.
E umas pessoas que chegaram da fronteira
dizem que não há lá sinal de Bárbaros.

E agora, que vai ser de nós sem os Bárbaros?
Essa gente era uma espécie de solução.

Memória 34 : Napoleão e Gourgaud


O general Gaspard Gourgaud (1783-1852) foi um dos mais leais seguidores e companheiros de Napoleão (1769-1821). Em Austerlitz (onde foi ferido), na Campanha da Rússia (onde, provavelmente, salvou a vida do Imperador), em Waterloo, e em Santa Helena onde permaneceu até 1818. Foi ele que, mais tarde, encabeçou o grupo de sobreviventes que foi buscar os restos mortais de Napoleão, em 1840, à ilha de Santa Helena. Em vida publicou alguns livros que têm por figura central, Napoleão Bonaparte. Mas a sua obra mais importante, "Journal de Ste.-Helene", só seria publicado, postumamente, em 1899. Nele se refere uma frase emblemática dita por Napoleão a Gourgaud: "Os homens são verdadeiramente grandes apenas por deixarem instituições atrás de si."

Como estamos a entrar na "silly season"...


...aqui vão os "silly walks" dos Monty Python...

Para animar o dia : The Chieftains

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Cancioneiro Geral IX : Fernão da Silveira e Dom Rodrigo de Castro


De Fernão da Silveira a Dom Rodrigo de Castro que beijou uma Dama e ela meteu-lhe a língua na boca.

Pois mediste assim crua
a sua língua co'a vossa,
dizei-nos qual é mais grossa,
se a vossa, se a sua.

Também queremos saber
até onde foi metida
e qual era mais comprida,
mais solta no remexer.
Se veio tal falcatrua
por sua parte ou por vossa,
nos dizei qual é mais grossa
se a vossa se a sua.


Resposta de Dom Rodrigo.

Mais comprida e mais delgada
achei a sua que a minha,
porque toda a campaínha
me deixou escalavrada.
E fez-me tão grandes brigas
nos queixais,
que mos não fizera tais
um grande molho de urtigas.


Outra sua.

Eu disse-lhe: - Tate, perra,
não metais assim de ponta
a lingua que tanto monta
com os da boca em terra!
Fazei conta!
Dizia: - Mano, deixai-me
enquanto tenho lugar!
E eu bradava: - Soltai-me,
deixai-me resfolegar,
que me quereis afogar!

Nota: procedi a pequenas actualizações ortográficas.

Favoritos XXXI : Graciliano Ramos


Nasceu Graciliano Ramos a 26 de Outubro de 1892, em Quebrangulo, Alagoas, Brasil. Morreu com 61 anos incompletos, em Março de 1953. Sabe-se que é um dos grandes escritores brasileiros do séc. XX ("Vidas Secas", "Insónia"...), mas o que nem toda a gente sabe é que foi, durante 2 anos, prefeito (presidente da câmara) de Palmeira dos Índios. Em 1929 fez um relatório de actividades ( inserto no volume "Viventes das Alagoas") dirigido ao Governador de Alagoas. Pela singularidade literária deste memorial, vou transcrever a conclusão do relatório do escritor-prefeito Graciliano Ramos:

"Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis. Evitei emaranhar-me em teias de aranha.
Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem impostos. Não me entendi com esses.
Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anónimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem como assunto invariável; há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; há até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras dos caminhos.
Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.
Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade.

Palmeira dos Índios, 10 de Janeiro de 1929."

P.S.: para H.N., que me descobriu e emprestou este livro de Graciliano Ramos.

Revivalismo Ligeiro (?) XIII : Che Guevara

Pelas razões mais que evidentes (ver poste anterior). Se não fosse um ultrage, dedicaria este poste ao Google - que o não merece de maneira nenhuma. Prefiro dedicá-lo a todos os que amam a Liberdade, e lutam por ela. É tambem uma sincera e sentida homenagem à memória de Che Guevara.

terça-feira, 27 de julho de 2010

" Se non è vero, è bene trovato"...

No "Diccionario ou Collecção por Ordem Alphabetica de Escolhidas Anedoctas...", de B. d'A. Barata (vol. III, Lamego, 1896), li e transcrevo:
"Mozart apostou com Haydn que faria uma música que este não seria capaz de tocar. O prémio da aposta foram seis garrafas de champanhe.
Feita a música, Haydn foi tocá-la e ia muito bem, mas chegou a um sítio e parou. Dava-se o caso de estarem ambas as mãos ocupadas nas extremidades do teclado, e haver necessidade de dar uma nota no meio do teclado. Haydn não sabia como se havia de dar tal nota. Então Mozart pôs-se a tocar e deu a tal nota com o nariz, que era comprido, ao passo que Haydn nem atinou com o modo de desempenhar a música, e, que o soubesse, não podia, por ter o nariz chato."
Nota: estranharão as minhas Amigas e Amigos, e as minhas Visitas, que este poste vá sem imagem. Imaginem Haydn e Mozart, ou um piano que não consegui colocar no Arpose. Não sei se é do programa, ou de estar em Lisboa, com um computador diferente. Ou se é do meu primarismo informático, que as imagens, protegidas por direitos autorais, não emigram. Muito sinceramente, creio que é apenas o Google no seu melhor, mais puro neo-liberalismo ianque!
É por estas e por outras que medram Chavez, Castros e Guevaras...

O vagar português


Há mais de um mês que metade do penúltimo lanço das escadas rolantes, da estação Baixa-Chiado do metropolitano, e que levam ao dito Largo, se encontra parado (por avaria?, mas com certeza por incúria). Nos primeiros dez dias era, até, no sentido ascendente. Depois lá trocaram os sentidos. Será que o Metropolitano não tem quem o conserte?... (A ela, empresa, e ao lanço das escadas rolantes).

Salão de Recusados XX : sonho



1. Sonho de D. Sancha

...de Córdoba veio vindo e voando um açor...
tão grande que a sombra me cobria e a vós...
e foi pousar no ombro de Ruy Velázquez, o traidor...

Épica medieval espanhola, autor anónimo.

2. "Cahiers - 1957/1972"

Quem sonha em nós, quem é este desconhecido que todas as noites concebe novas mostruosidades com uma invenção e fecundidade dignas de um génio?

E. M. Cioran (1911-1995).

3. "Paixão Intacta"

Quem quer que já tenha convivido com animais, seja com um cão ou um gato, sabe que estes sonham. (...) Mas só raros artistas, um Rilke, um Dürer ou um Picasso, é que parecem ter penetrado ( isto pode também não passar de uma ilusão antropomórfica ) na penumbra externa da consciência pluriforme e vibrante dos animais. O tigre não responde às interrogações de Blake.

George Steiner (1929).

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Adagiário XI : "pot-pourri"


1. Amigo de todos ou de nenhum, tudo é um.
2. Consultar a quem sabe, é já saber metade.
3. Cumpre depressa, quem promete devagar.
4. A vaidade é faladora, o orgulho, silencioso.

Citações XXXIX : Lord Byron


A Amizade é o Amor sem as suas asas!

George Gordon Byron (1788-1824).

Para um Avô que faz anos


25-26 de Julho de 2010
Caríssimo:
Não vou falar de Óscar Lopes e de Mário de Sacramento. Muito menos de Thomas Mann, até porque tu sabes aquilo que evoco ou refiro - uma fraterna Amizade. Que, com o tempo e até com a distância geográfica, cresceu, ganhou raízes fundas, palavras certas e nuas (quando é preciso), entendimentos recíprocos - de voz, de expressão de rosto. Vamos-lhe pôr uma data de princípio: 1960, creio eu. Tu dirás, decerto, 1959, mas julgo que estás enganado. Seja como for, estava para começar a guerra portuguesa, em África. Éramos ainda umas crianças, mas fomos obrigados a crescer muito depressa, com a perspectiva da morte. Porque amávamos a vida com tudo aquilo que ela tem de aventura e milagre. E, hoje, ainda a amamos. Mas porque vivemos a guerra e aspiramos o cheiro da morte, escolhi uma tua fotografia da Guiné, visitando uma tabanca, depois de ser atacada. Mas há sempre ressacas. Ou vestígios. Relembro o teu poema de que mais gosto:
Altas paredes brancas me contornam
E eu invento longas madrugadas
Doiro colinas calmas espaçadas
e a dor de te matar cobre-as de neve

Quanto mais há para dizer, menos sabemos dizê-lo. O essencial, felizmente, conhecemo-lo. Hoje, vai música, também: um pequeno excerto do concerto para violino, de Sibelius. Como estás nas tuas sete quintas, com as netas à volta, não será preciso reforçar este abraço de parabéns que te envio. O de sempre,
A.

domingo, 25 de julho de 2010

Revivalismo Ligeiro XII : Bob Azzam

Foi o primeiro "single" que tive ( e tenho ). Além de "Tintarella di Luna", o meu preferido, Bob Azzam cantava também: "Mustapha", "Guarda che Luna" e "Arriverdeci". Perdoe-se, com tolerância, a falta de critério de qualidade deste jovem adolescente...

De Dali a Botticelli, a caminho da metafísica nocturna...


O tempo plasma-se como os relógios no quadro de Dali ou algum queijo babão que fique fora do frigorífico. As aves calam-se, não soltam pio - é a fornalha de deus. Nem mesmo as andorinhas e os zilros, habitualmente tagarelas, dão sinal. Por onde andará a lua?, já que o "aladino", às 21,05, já estava de olho aberto e persistente. Na sua plenitude, de cheia, a lua deve estar a compor-se no espelho de algum lago, antes de aparecer em toda a sua magnificência. Com 31º a rua, deserta, o silêncio é total.
Mas lá vem ela! Começo a ver-lhe a calote superior por cima das casas: são 21,13. E, hoje, não vem acompanhada da Vésper. A estrela da manhã ou, simplesmente, Vénus, ficou a tomar banho ou a ressurgir das águas, como no quadro de Botticelli.
Num "zapping" impaciente, depois do frugal jantar, assisti a um inquérito feito na TV a vários seres humanos. Pedia-se que dissessem qual a coisa que mais temiam. Respondeu uma sul-americana: "- As cobras!". Um nativo de Papua Nova-Guiné, de meia idade: "- O vulcão." Uma siberiana, já velha, disse que não tinha medo de nada ( pelas feições, podia bem ser parente de Putin). Mas um habitante de Jerusalém, dos seus quarenta anos, ao ser-lhe perguntado por aquilo que mais temia, respondeu simplesmente: "Deus".

Curiosidades 12 : Coimbra, Daudet e a ataxia




Quando por Coimbra andei, no início dos anos 60, a pequena cidade grande era muito provinciana nos tiques das suas gentes - e não se julgue que é má vontade minha : nasci lá, muito embora tenha passado a minha infância e adolescência no Minho. Quando lá voltei para estudar na Universidade, cedo me apercebi do conservadorismo e da pequenez de horizontes mentais da urbe. Mesmo na Universidade. Embora houvesse "malgré tout" uma interessante vida cultural devida ao esforço incessante da Associação Académica que foi ferida, cobardemente, na sua autonomia, pelo decreto-lei 40.900, de Lopes de Almeida, ministro da Educação na altura, e que fora lente em Coimbra.
As livrarias da Lusa Atenas não eram muitas e limitavam o seu acervo, pragmaticamente, a livros escolares e colaterais. Não havia ousadia na oferta, mas conservadorismo e oportunidade. Alfarrabistas, nem se fala: havia um, próximo dos Gerais, no caminho para o C. A. D. C., com umas pequenas estantes, na exígua loja, e duas ou três centenas de livros, a maioria escolares. Mas a meio da Rua da Sofia, e onde menos se esperava, havia uma loja poeirenta, de móveis usados, que tinha, quase sempre, alguns livros em segunda mão, e revistas. Foi lá que comprei a 1ª edição ( hoje com mais de 50 edições ) de "A Ceia dos Cardeais"( 1902 ), de Júlio Dantas, que terá pertencido a uma senhora, de nome Emília da Camara Leite, e que foi comprada, pelo carimbo, na Teves Adam, de Ponta Delgada, Rua do Conselheiro Hintze Ribeiro, 38. Como teria chegada o livro a Coimbra, não sei. Nessa loja de móveis usados, da Rua da Sofia, comprei também, talvez em 1962, três exemplares de "La Petite Illustration", de 1930, revista que se dedicava, como se diz na capa, a publicar novas peças de teatro, romances, poemas, etc. O nº473 é dedicado a Alphonse Daudet ( 1840-1897 ): "Pages Inconnues". Do escritor francês, eu tinha lido "Lettres de mon moulin" e acompanhara, em " O Cavaleiro Andante", as "Aventuras de Tartarin de Tarascon". Não sabia é que Daudet tinha sofrido, a partir de 1884, de ataxia, doença que se caracteriza pela gradual falta de coordenação de movimentos que afecta a força muscular e o equilíbrio. O escritor teve a coragem de descrever o progresso da doença em " La Doulou" ( A Dor), referindo: "Ma douleur tient l'horizon, emplit tout...". Foi isso que aprendi em "La Petite Illustration" que comprei no adelo da Baixa coimbrã.

Rodrigo Leão - Pasión - Lula Pena

Leituras Antigas X : Emílio Salgari



Nunca li nada de Emílio Salgari (1862-1911) em livro. Circulavam muitos volumes do autor, na altura, através da colecção da editora Romano Torres, mas calhou que fosse em banda desenhada que eu viesse a ler este escritor de aventuras. A Agência Portuguesa de Revistas começou a publicar Salgari creio que em 1956. As revistas saíam mensalmente e custavam Esc. 5$00. As capas apelativas eram da autoria de José Manuel Soares e os textos tinham a assinatura de Costa Pereira. A banda desenhada, em si, era muito inferior à brasileira, do ponto de vista gráfico. E o desenho dos quadradinhos, muito primário. Era o que havia em Portugal...
O formato das revistas passou, a partir do nº 22, a ser mais pequeno do que aquele que aqui se reproduz dos números 1 e 12. Desta colecção, tenho 24 revistas.

sábado, 24 de julho de 2010

Jogos Infantis 6 - Corrida de Automóveis

Partindo do exemplo de um famoso corredor de automóveis, desejamos a todos os jogadores que alcancem idêntica idade provecta !



Continuando os nossos jogos ao ar livre, sugerimos, hoje, uma corrida de automóveis. Como se diz na explicação, "neste interessante e original jôgo, podem participar 2 até 6 pessoas."
Transcrevemos, ainda e por graça, as penalidades previstas para quem alcança as casas nº 18 e nº 67 - não visíveis na reprodução abaixo:
"Nº 18 - Silêncio - Hospital - o jogador que cair nesta casa terá de se conservar calado até voltar a jogar. Caso fale pagará uma entrada e perderá de jogar uma vez."
Nº 67 - Polícia - Volta a jogar. Se tirar número par pagará 2 entradas de multa, se tirar número impar ficará prêso até que todos os outros jogadores lhe passem à frente."



Post de HMJ

Um pouco de ginástica matinal...


...com Peter Sellers (1925-1980) que morreu faz hoje 30 anos, precisamente.

Juvenília (7)



Resumo

Amo
o que conheço,

pelo resto
passo
e esqueço.


(1966-2010)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Poema longo, poema breve


Sempre tive, à partida, alguma predilecção por poemas breves, antes ainda do meu primeiro contacto com a poesia japonesa, que data de meados dos anos 60. Mas, ao mesmo tempo, sempre gostei muito da poesia inglesa onde predominam os poemas de certa extensão. Poesia descritiva, impropriamente, o diria. No entanto, há excepções como as de William Blake, em "Songs of Innocence and of Experience". Não há regras fixas, em poesia, que assegurem à partida e pelo tamanho a qualidade da obra. Claro que um longo poema, bem feito, pode "envolver" mais o leitor, criar atmosfera, e estou a lembrar-me de "Anabase" de Saint-John Perse, por exemplo.
Por outro lado, poetas há que, ao longo da sua vida, vão alterando as formas da sua criação. Juan Ramón Jimenez começa a sua obra com poemas médio-longos, evolui para uma depuração extrema ("Beleza", "Estío") e, no final da vida, regressa a poemas mais extensos em "La Estación Total" e "Animal de Fondo". Eugénio de Andrade tem uma evolução afim, muito embora na sua juventude tenha poucos poemas longos.
No meio de tudo isto, há o soneto, suprema tentação, sumo equilíbrio.
Racionalmente, não pode nem deve haver exclusões, mesmo que pela positiva - contenção epigramática, poemas longos, sonetos, poemas breves. De outra forma, dizendo: poesias barrocas, conceptistas, poesia clássica, sonetos, tudo poderá ser poema desde que possua excelência para assim ser considerado. Ou ainda, e finalmente, como disse, magistralmente, Fernando Pessoa, pela voz de Ricardo Reis:

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

O ar do tempo : Scarlatti

Domenico Scarlatti morreu em Madrid a 23 de Julho de 1757. Compositor italiano nascido em Nápoles (1685) esteve, também, em Portugal, por volta de 1720, onde ensinou música à Infanta Maria Bárbara que foi depois rainha de Espanha.

D. José, príncipe da Beira


O livro, "Tratado de Tactica...", do poste anterior, foi dedicado, pelo autor, ao príncipe do Brasil e da Beira, D. José Francisco Xavier de Paula Domingos António Anastácio. D. José, que nasceu a 21 de Agosto de 1761, foi educado nos melhores princípios do Iluminismo, e veio a morrer, cedo, em 1788. Dele disse Frei Manuel do Cenáculo - homem de cultura dos mais importantes do nosso séc. XVIII - que o "Príncipe era amigo da razão bem entendida e só a ela entregaria os seus concebimentos e ardor", na Oração Fúnebre que pronunciou.
Vale a pena ler o estudo sobre esta nossa figura histórica, da autoria de João Pedro Ferro (1966-1994), também ele desaparecido prematuramente. Da obra que mereceu o "Prémio José d'Almeida Rodrigues"-1989, reproduz-se a capa.

P.S.: para MR e JAD, por óbvias razões.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Bibliofilia 23 : Tratado de Táctica



O livro "Tratado de Tactica dirigido a instruir os Officiaes Novos, e Cadetes de Infantaria, e Cavalaria...", impresso em Lisboa, em 1787, na Oficina Patriarcal de Luís Ameno, é raro. O seu autor, Luís de Oliveira da Costa de Almeida Osório, segundo Inocêncio, foi Brigadeiro do Exército e " uma das victimas sacrificadas pelo furor popular em 1809, na cidade do Porto, onde era Governador das armas, como suspeito de jacobinismo, durante as commoções e alvorotos que precederam e seguiram a invasão do exército francêz commandado por Soult" (Tomo V- pg.311). Inocêncio errou a data de publicação do volume ("1801?"), mas Brito Aranha, no aditamento (Tomo XVI, pg.55), rectificou para 1787, como é realmente. Aquando da publicação da obra, o seu autor era cadete no Regimento de Infantaria de Penamacor.
O livro, como disse de início, é raro, mas muito interessante. Tem 703 páginas e 15 gravuras desdobráveis de que reproduzo a primeira. O meu exemplar está em bom estado. Comprei-o em finais dos anos 80, em Lisboa, por Esc. 12.000$00 (cca. 60,00 euros). Nos trinta anos que se seguiram, que eu saiba, só apareceu, à venda, outro exemplar, em Julho de 1998, num leilão do Palácio do Correio Velho (lote 21), com um estimativa de licitação entre 10.000$00 e 20.000$00 escudos.

P.S. : lamento a má qualidade das imagens reproduzidas. O livro é muito volumoso mas, também já é tempo de o confessar: em questões de novas tecnologias, sou ainda muito rudimentar...

Música e Poesia XIV : Vittorio de Sica

...pese embora a proximidade de um certo melodramatismo...

Miguel Ângelo, polémico


Nem sempre nos lembramos que, em "Da Pintura Antiga", Francisco de Holanda (1517-1585) transcreveu nos "Diálogos de Roma" conversas que terá tido com Miguel Ângelo (1475-1564). Embora no tom empolado do diálogo renascentista literário, achei curioso recordar o que Miguel Ãngelo diz sobre a pintura flamenga, em contraponto à italiana.

"- A pintura de Flandres, respondeu devagar o pintor, satisfará, senhora, geralmente, a qualquer devoto, mais que nenhuma de Itália, que nunca lhe fará chorar uma só lágrima, e a de Flandres muitas; isto não pelo vigor e bondade daquela pintura, mas pela bondade daquele tal devoto. A mulheres parecerá bem, principalmente às muito velhas, ou às muito moças, e assim mesmo a frades e a freiras, e a alguns fidalgos desmúsicos da verdadeira harmonia. Pintam em Flandres propriamente para enganar a vista exterior, ou cousas que vos alegrem ou de que não possais dizer mal, assim como santos e profetas. O seu pintar é trapos, maçonarias, verduras de campos, sombras de árvores, e rios e pontes a que chamam paisagens, e muitas figuras para cá e para acolá. E tudo isto, ainda que pareça bem a alguns olhos, na verdade é feito sem razão nem arte, sem simetria nem proporção, sem advertência do escolher nem despejo, e finalmente sem nenhuma substância nem nervo. E contudo, noutra parte se pinta pior que em Flandres. Nem digo tanto mal da flamenga pintura porque seja toda má, mas porque quer fazer tanta cousa bem (cada uma das quais, só, bastava por mui grande) que não faz nenhuma bem."

(Clássicos Sá da Costa, "Diálogos de Roma" de Francisco de Holanda, pgs. 18/19)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Memória 33 : Cat Stevens

Steven Demetre Georgiou, mais conhecido por Cat Stevens, nasceu em Londres a 21 de Julho de 1948. Converteu-se depois ao Islamismo, tendo adoptado o nome de Yusuf Islam. Prefiro recordá-lo pelo seu álbum "Tea for the Tillerman" (1970), L.P. que ouvi, incessantemente, entre 1973 e 1974. Foi-me difícil optar pela música a incluir neste poste, tantas são as que, ainda, gosto. Escolhi "Father and son", como poderia ter colocado: "Wild world", "Longer boats", "Where the children play"...

Cancioneiro Geral (VIII) : João Fogaça



Cantiga sua que fez por Duarte Lemos a uma mulher que perguntava como poderia dormir com sua mulher, sendo tão grande.

Se em pé, se, quando jazo
quereis, senhora, saber
como posso ou como faço,
eu vo-lo quero dizer.

S'ela jaz de pap'arriba,
ambos ficamos iguais,
nem cuideis, se o cuidais,
que, se m'ela não derriba,
que sejamos desiguais.

Se em pé, me faço anão
e de ilharga atravessado,
tão junto, tão aconchegado
que não ponho pé no chão.

E também sou tão humano
e levo tamanho gosto
que por lhe ver bem o rosto
faço de mim pelicano.
Ela também de seu cabo
faz muitas galanterias
e fala mil aravias
que vos eu aqui não gabo,
e assim acabo.

Notas: 1. Procedi a algumas actualizações ortográficas.
2. Não percebi, totalmente, todos os "passes" de ginástica.

Revivalismo Ligeiro XI : Carlos Ramos

Já era tempo de lembrar um português: Carlos Ramos (1907-1969). Que ainda ouvi, ao vivo, creio que n' "A Toca", em 1967. A sua voz funda e meio velada ficava na memória.

terça-feira, 20 de julho de 2010

De outra casa, a noite suburbana


A Vésper veio a acompanhar o crescente da lua, de sudeste. Tiras, bem negras, de nuvens baixas deixam de fora, apenas, a catedral-pirâmide do consumo desta "Las Vegas" suburbana e um Cristo-Rei iluminado, em aparições sebásticas intermitentes. O vento agita, no mini-terraço, a oliveira laboriosa que, neste ano da graça de 2010, conta 49 pequenas azeitonas ainda verdes. Que o calor as engorde, para depois serem curtidas, e saibam a colheita pródiga deste jardim-suspenso da babilónia outrabandista. Um hibisco florido espera, paciente, por mais oito irmãos ainda de olhos fechados; outro, moribundo, já cerrou as pálpebras, e encomenda-se à terra.
À volta, a desproporcionada arquitectura das casas suburbanas, que tudo cerca. Mais as esculturas autárquicas feitas de metal envelhecido e ferrugento da desactivada Lisnave, da Parry & Son e de pequenas metalurgias que, com o tempo e a crise, foram fechando. Como se fecha o horizonte, deixando, apenas, ao alto e acima das nuvens negras e baixas, um azul escuro intenso e o crescente lunar.
O resto, é cimento...

Comic Relief (2) : Brando

Qualquer coisa entre Gasparzinho, o Fantasminha Camarada, a Sereiazinha de Copenhaga ou de H. C. Andersen, e o "Apocalipse Now". Ou será apenas o "Polvo" com apenas um tentáculo?

Dylan Thomas, em sequência (III, e final).

John Cale toca e canta "Do not go gentle into that good night..." de Dylan Thomas.

Dylan Thomas, em sequência (II)


Dylan Marlais Thomas (1914-1953), galês, cuja poesia foi sempre escrita em inglês, é ainda hoje um poeta que divide a opinião dos críticos literários. Uns consideram-no um dos melhores poetas do séc. XX inglês, outros acham-no excessivamente retórico e demasiado popular.
Certo é que Igor Stravinsky compôs o "In Memoriam of D. T.", Donovan e John Cale o cantaram e, mais recentemente, em 2000, António Lobo Antunes publicou um livro cujo título sugere, de imediato, (apesar da ligeira mudança de algumas palavras) o início de um dos mais célebres poemas de Dylan Thomas - "Não entres tão depressa nessa noite escura". É precisamente esse poema que iremos traduzir, desse galês de vida excessiva que morreu aos 39 anos, em Nova Iorque.
No poema, sem título, Dylan Thomas incita o pai, octogenário, frágil e quase cego (mas que fora um homem robusto e forte), a resistir, com raiva, à morte - lutando, como fizera toda a sua vida. O poeta utilizou, na composição, a forma "villanelle", frequente em França, no séc. XVI, e que tem um esquema rimático simples. Seis estrofes, cinco das quais são tercetos com rima "aba"; a sexta e última estrofe, uma quadra, com a rima: "abaa". Na tradução, que se segue, não respeitei esse esquema rimático, tentando, no entanto, trair o menos possível o espírito do poema.

Não vás p'la noite mansa, assim, tão complacente,
A velhice deveria arder com raiva até ao fim do dia;
Raiva, raiva contra a luz que vai morrendo.

Embora os sensatos saibam que a treva os espera,
Porque as suas palavras já não têm o fulgor de outrora
Não vás p'la noite mansa, assim, tão complacente.

Homens bons, submersos na última vaga, invocando
As suas débeis façanhas que ondulam na verde baía,
Raiva, raiva contra a luz que vai morrendo.

Homens rudes que prenderam o sol e o cantaram no seu voo
E aprenderam, tão tarde, como lhe ofenderam o destino,
Não vás p'la noite mansa, assim, tão complacente.

Homens sérios, perto da morte, que vêem no olhar turvo
Da cegueira como podem arder, meteoros, e ser felizes,
Raiva, raiva contra a luz que vai morrendo.

E tu, meu pai, aí nas tristes alturas, amaldiçoa,
E abençoa-me agora com as tuas lágrimas ardentes, peço-te.
Não vás p'la noite mansa, assim, tão complacente.
Raiva, raiva contra a luz que vai morrendo.

Dylan Thomas, em sequência (I)

Um poeta galês, Dylan Thomas (1914-1953), dito por um actor galês, Anthony Hopkins (1937).

segunda-feira, 19 de julho de 2010

La Bruyère


Áulico talvez, mas com certeza mais que Lampedusa, Jean de La Bruyère (1645-1696) é lembrado por apenas um livro que publicou em vida: "Les Caractères" (1688). E que teve, até à morte do seu autor, mais três edições, sempre acrescentadas em páginas.
Suprema aspiração - deixar apenas um livro de tudo aquilo que a vida nos ensinou. Mas que fosse bem feito e uma súmula exacta e rigorosa daquilo que foi essencial para o autor, e o possa, também, definir por inteiro.
Traduzo, do prefácio de "Les Caractères", um pequeno excerto do texto de La Bruyère:

"...É preciso saber ler, e em seguida calar, ou ser capaz de transmitir o que lemos e, nem mais nem menos, aquilo que se leu; e se não o podemos fazer, às vezes, não é o suficiente, é preciso ter vontade de o fazer; sem estas condições, que um autor exacto e escrupuloso tem o direito de exigir de alguns espíritos por única recompensa do seu trabalho, duvido que ele deva continuar a escrever, a menos que prefira a sua própria satisfação à utilidade de vários e ao respeito pela verdade. ..."

P. S.: para MR, que me fez uma pergunta, há dias; e para H.N., que me ofereceu uma edição bonita e maneirinha de "Les Caractères".

Favoritos XXX : Lucas Cranach "O Velho"


Lucas Sonder (1472-1553) ou Lucas Cranach "O Velho" é sobretudo conhecido pelos seus nus femininos onde a pele evanescente e os olhos amendoados de jovens mulheres marcam o seu traço e autoria.
Da pintura estrangeira do Museu Nacional de Arte Antiga, às Janelas Verdes, "Salomé" é o meu quadro preferido.

Bartolomeo de Selma e Salaverde

Não conhecia este compositor espanhol, Bartolomeo de Selma e Salaverde (1580?-1640) que veio a morrer na Polónia ou Suécia. A sua obra é escassa, ou talvez se tenha perdido, pela sua vida movimentada. Dei com Salaverde por acaso, mas achei curiosa e bonita esta pequena peça musical e, por isso, aqui a deixo.

Nota muito pessoal: esta pequena obra musical parece-me um oaristo, no melhor sentido...

Leituras Antigas IX : Colecção Misterinho (brasileira)



Esta "Colecção Misterinho" é uma espécie de irmã gémea da anteriormente referida ("Colecção Pequenina"). É igual no formato, na disposição de páginas, embora as capas sejam inferiores no traço do desenho - o autor é outro: António Euzébio. Também eram publicadas pela Editôra Brasil-América Limitada, do Rio de Janeiro. Os temas é que eram diferentes: enredos policiais, maioritariamente, mas também ficção científica. O primeiro número, de Abril de 1956, é de Edgar Wallace: "A Porta das sete chaves".
Desta colecção tenho apenas 16 livrinhos, sendo o último, em meu poder, o nº 41, "O Justiceiro Negro" de Roderic Graeme. Estes livros despertaram-me pouco interesse e, por isso, nunca assinei a colecção e só comprava os números que me pareciam mais curiosos ou melhores. Tal como a sua congénere, o preço foi subindo, gradualmente, de 5 para 7 e, finalmente, para 10 Cruzeiros cada livrinho.

domingo, 18 de julho de 2010

Mercearias Finas 11 : Senhores Vinhos na memória





Na sua, quase, rústica autenticidade e na sua "bondade" generosa gustativa, natural e pura, há vinhos que nunca esquecerei. A marca de muitos já não existe e, bem poucos amadores como eu, se lembrarão deles. Estou-me a lembrar do "Ribalta" tinto de que o extinto(?) Restaurante Paris, da Baixa lisboeta, ainda tinha algumas garrafas de 2 ou 3 colheitas dos anos 50 e 60, aqui há uns anos; ou dos "FR", ribatejanos fidalgos, macios e pujantes, cujo rótulo tinha uma pequena ferradura, como marca do produtor Francisco Ribeiro. Mas também dos Dão Cabido e das suas colheitas de 1964 e 1965, que eram excelentes. Tenho ainda, na garrafeira, um "Ribalta" tinto, da Companhia Comercial C. Vinhas, S.A.R.L., da colheita de 1966 que foi decantado e reengarrafado pelo produtor em 1978. Foi uma produção de 85.407 garrafas e a minha tem o número 27.861. É um Garrafeira que não tive ainda coragem para abrir. Será (seria) o meu último Ribalta, de boa memória, certamente.
Em antiguidade tenho de recordar um Garrafeira CRF de 1949 - foi o vinho mais antigo que bebi até hoje - e que também foi decantado e reengarrafado, nos anos 60. A esse, bebi-o no dia de Natal de 1979, acompanhado de um Queijo Serra babão e amanteigado, e em boa companhia familiar. Estava óptimo.
Tenho que lembrar também os vinhos do Bussaco (assim chamados por causa do Palace-Hotel) que só podem ser lá bebidos, ou no Hotel Astória, de Coimbra. São criação genial de um grande enólogo, já falecido: José dos Santos. Numa noite de grande nevoeiro, nos anos 90, provei o branco de 1983 e o tinto de 1982, no Palace-Hotel do Bussaco. Ambos esplêndidos. Estes vinhos do Bussaco são também célebres pela longevidade, mantendo todavia a sua qualidade de excelência.
Mas o caso mais notável e, talvez, o melhor vinho que bebi até hoje, foi um Garrafeira Aliança, tinto, de 1960. Tinham-me oferecido dois em 1978 ou 1979, e eu já só tinha uma garrafa. Mas eu conto: em 2001, alertaram-me para que havia uma garrafa a verter, gota a gota, na despensa-garrafeira. Fui ver. A rolha já tinha entrado para dentro da garrafa, mas a cápsula (ainda de chumbo, como eram antigamente) protegera o derrame e saída do vinho - só se perdera cerca de 5% do conteúdo. Pu-lo ao alto, no dia seguinte decantei o vinho, e bebêmo-lo. Estava belíssimo - a melhor recordação, vinícola, da minha existência.
Não falei dos Barca Velha, mas esses, ainda aí estão, para beber e durar...

Jogos Infantis 5 - Regatas


A condizer com o calor, escolhemos, para hoje, um jogo "fresquinho".
Como se explica no verso da tampa da caixa, os quatro jogadores - no máximo - têm que evitar açudes e redemoinhos para alcançar, finalmente, o lago central. Depois de lá chegar, é só passear no barquinho pequeno, reproduzido na imagem, e aproveitar a fresca.
Nota: Outros brinquedos e jogos podem ser vistos na página electrónica do Museu dos Brinquedos da Majora.


Dedicado aos meninos "infelizes".
Post de HMJ

A propósito de memória, Albert Camus



" A memória dos pobres está menos preenchida do que a dos ricos, tem menos referências no espaço porque eles raramente abandonam o lugar onde vivem, menos referências também no tempo de uma vida uniforme e cinzenta. Certamente, há a memória do coração que dizem que é a mais segura, mas a do coração usa-se com dor e no trabalho, e esquece-se depressa sob o peso das fadigas. O tempo perdido não se recupera senão nos ricos. Para os pobres, ele marca somente vagos traços no caminho até à morte."
Albert Camus (1913-1960), "Le premier homme".

P. S.: para MR, por razões de causa; para c.a., por uma sequência lógica.

Liszt / Brendel

Uma convergência para a noite.

sábado, 17 de julho de 2010

Lembrar uma data


Há quem considere 17 de Julho, outros referem 18 de Julho de 1936 como data de início da Guerra Civil Espanhola (1936-1939). O poema de Juan Ramón Jimenez (1881-1958) que se traduz, abaixo, é bastante anterior (1904) e integra o livro "Jardines Lejanos" onde o eco do Romanceiro é perceptível. Seja como for, este poema poderia aplicar-se ao levantamento militar de Melilla, em Julho de 1936, que deu início à carnificina posterior.
VII

Quem anda pelo caminho
esta noite, jardineiro?
- Não há ninguém no caminho...
- Será pássaro agoireiro.

Será mocho, ou uma gralha,
dois olhos do campanário...
- É a água que se afasta
pelo campo solitário...

- Não é água, jardineiro,
não é água... Minha sorte
que era água, cavaleiro.
- Será a água da morte.

- Jardineiro, não ouviste
como chamam da varanda?
- Cavaleiro, é o latido
que sai do teu coração.

- Quando abrirá a manhã
para as róseas alegrias!
- Quando tocará o sino
os bons dias, os bons dias!

...É um arrastar de ferros,
uma voz profunda, uma...
- Cavaleiro, são os perros
que estão uivando à lua...

Para que servem os Escritores?

P. S.: com agradecimentos a ms.

Citações XXXVIII : Francisco Manuel de Melo


Sou obrigado a quem de mim se lembra, se me louva, porque me anima; se me censura, porque me melhora.

Francisco Manuel de Melo, Cartas Familiares, Centúria I, carta 74.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Revivalismo Ligeiro X : Simon & Garfunkel

Embora ao condor eu preferisse um pequeno peneireiro português, a canção é demasiado bonita para eu não a lembrar.

Leituras Antigas VIII : Colecção Pequenina (brasileira)



A banda desenhada, para mim, identifica-se, no essencial, com dois nomes: " O Cavaleiro Andante" e a "Colecção Pequenina", de origem brasileira. Foi em 1955 que a descobri e pertencia à Editora Brasil-América Limitada. Tinha direcção de Adolfo Aizen e a sede era na Rua General Almérico de Moura, 302, Rio de Janeiro. Depois vieram as associadas , Colecção Misterinho (do mesmo formato), Edição Maravilhosa e Epopeia - todas da mesma casa editora. Foi nestas revistas de banda desenhada que li, pela primeira vez, de forma condensada, "O Conde de Monte Cristo", "O Corcunda de Notre Dame", "A Escrava Isaura"...
Da "Colecção Pequenina" tenho 48 números (era mensal), porque cheguei a ter assinatura. As ilustrações, pelo menos das capas, eram de José Gomes, e muito sugestivas. Esta colecção teve início em 1954 e o último livrinho que possuo é o nº 70 ("Heróis da Floresta", sobre Robin Hood), de Janeiro de 1960. Gradualmente o preço da revista foi aumentando: a princípio 5, depois 7 e, finalmente, cada pequena revista, já custava 10 Cruzeiros. Mas eram bem empregues.

Juvenília (6)


Poema da Memória


Não envenenem mais
o peso
das coisas sem idade.

Deixem-nas
amorosamente repousadas,
levemente esquecidas,
levemente lembradas

- um lago calmo
de águas densas e paradas.


(1965-2010)

Às vezes, também me apetece um fado...

Das novas gerações, o meu voto inteiro e dedicado.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Fragmentos, ao cair da noite


O "aladino" (lâmpada solar) começou a piscar às 21,11, mas os pássaros, hoje, estavam inquietos e recolheram cedo. O céu, azul-cinzento, está sereno e sem nuvens. O vento equilibrado na frescura, as crianças, porém, estão barulhentas e aguerridas, nos chutos e gritos pela rua. Luzes vão abrindo à flor da noite, como dantes na colina de S. Roque.
Um vulto de mulher, ao longe, regressa a casa. Lembro-me de uns versos antigos, com mais de quarenta anos : ... uma mulher sobe a rua, lentamente,/ medita o passo, dilui-se em solidão...
Mas depois, ao querer lembrar-me de um nome completo, a memória esbarra na escuridão. Só recordo o primeiro nome. Guardei-o demais, concluo. Mas temos que guardar sempre alguns segredos. Porque nos dão força, por vergonha ou pudor, ou por discrição da alma. Mas há também um pequeno poema, muito juvenil, sem título, que se poderia chamar: Maria. Talvez seja tempo de o rever.