quarta-feira, 30 de junho de 2010

A vitória "moral" : PT 1 - Telefónica 0



Não foi Aljubarrota. Foi uma espécie de batalha de Toro em que D. Afonso V fugiu, mas D. João II, ainda príncipe, se manteve, ocupando o campo de batalha no final da refrega - em teoria, era o que fazia o vencedor, nos tempos de antanho. De forma simplificada: o Estado Português usou a "golden share" para inviabilizar a compra da "Vivo" pela "Telefonica", na Assembleia Geral da PT, hoje realizada. Para já, portanto, a "Vivo" brasileira continua a pertencer, em 50%, à PT. Mas, por outro lado, é preciso dizer que 76% dos accionistas eram a favor da venda da "Vivo" à "Telefonica". Os nacionalistas vendem-se barato, hoje em dia. Babam-se por euros...
O tempo é, muitas vezes, a verdade. É ponto assente, hoje, que a batalha de Toro foi ganha pelos castelhanos. Se não fosse a nossa derrota, ontem, no Mundial de Futebol, será que o Estado Português teria usado, hoje, a "golden share"?
Veremos, como diz o cego...

P. S. : para Luís Barata, no seu Prosimetron, que, como eu, gosta de História; e, ao contrário(?) de mim, parece gostar de futebol. Mas também porque usou, há uns dias, a palavra "antanho" de que eu gosto muito.
Nota importante: muita atenção ao comunicado que o BES fará, ainda hoje.

Álvaro de Campos lido por E. M. Cioran


A 19 de Janeiro de 1970, E. M. Cioran (1911-1995) anotou, no seu diário ("Cahiers / 1957-1972"), o seguinte:
"Abro as «Poesies» d'Alvaro de Campos (Pessoa), e dou por
«Seja o que for, era melhor naoter(sic) nascido.»
Seja como for, melhor fora não ter nascido.
É um erro acreditar que há uma relação directa entre o sentimento de infelicidade e a questão do nascimento. A incriminação feita ao nascimento tem raízes profundas: e ela terá lugar, mesmo quando não houver ressentimento contra a existência. É que o fenómeno de nascer encarado em si mesmo é tão ofensivo para a razão, tão pesado de consequências e tão estranho em si, e fora de outras considerações, que é mais fácil aceitá-lo como uma anomalia do que como uma evidência. Eu não regresso a ter nascido. Além disso que outrém também tenha nascido, não me provoca nenhuma admiração. Todos os «nascidos» me perturbam."

António Leal Moreira, compositor português

A lista de compositores portugueses não é muito extensa. Parece-me, por isso, importante lembrar António Leal Moreira (1758-1819) que nasceu, em Abrantes, a 30 de Junho. Foi o primeiro director musical do Teatro Nacional de S. Carlos e compôs a Sinfonia para 6 orgãos da Real Basílica de Mafra.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Cia : tudo aquilo que consegui saber...




Cia, cicia, ou também "Emberiza cia, Linnaeus, 1766", é um pequeno pássaro da família dos fríngidas, com a corpulência de um pardal. Identificam-na ou confundem-na com a cotovia. E também há quem diga que há duas cias. É um nome muito usado em palavras cruzadas. E, em poesia, apareceu e aparece frequentemente. Estou-me a lembrar das cotovias (ou cias) de Shakespeare, Shelley, S. Francisco de Assis ou Manuel Bandeira.

Nota breve: será que este poste vai ter mais visitas dos Estados Unidos do que teve o dos hambúrgueres do Obama? É isso que vou tentar confirmar, oportunamente.

Nos 10 anos da morte de Vittorio Gassman

Vittorio Gassman (1922-2000), um dos grandes actores italianos do séc. XX, morreu, faz hoje 10 anos. Recordámo-lo na leitura de um poema ("Virá a morte e terá os teus olhos...") de Cesare Pavese (1908-1950).

Revivalismo Ligeiro III : Donovan


Leituras Antigas VI : Colecção Argonauta


Leitor assíduo da Colecção policial Vampiro, da Livros do Brasil, deixei-me um dia tentar, em meados dos anos 50, pela irmã gémea Colecção Argonauta. Ainda comprei os três primeiros volumes - de que reproduzo os nº1 e 2 -, que custavam Esc.12$50, mas cedo me apercebi de que não era o meu género, e por aí me fiquei. Bastante mais tarde, anos 80, reincidi com um título de outra editora (Caminho) que fora um "best-seller": "A nebulosa da Andrómeda" de Iván Efrémov. Mas também não consegui ler o livro até ao fim. Foi o adeus à ficção científica. No entanto, há que dizer que as traduções da Colecção Argonauta eram bem feitas (Eurico da Fonseca, Fernanda de Castro, Mário Henrique Leiria...), e as capas sugestivas eram, inicialmente, de Cândido da Costa Pinto.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Estatuária e jardim suspenso - itinerário pedestre


Quem vier da Almirante Reis e virar para a rua do Paço da Raínha, ainda tranquila à hora do almoço, encontra, à direita, junto da Academia Militar, um busto rendilhado da que foi a única portuguesa raínha de Inglaterra - Catarina de Bragança (1638-1705), mulher de Carlos II. Não deu herdeiros ao Rei, mas deixou um legado composto de geleia de laranja e chá à paupérrima e cinzenta gastronomia da Grã-Bretanha. Convenhamos que não foi coisa pouca.
Se continuarmos a avançar, já no Campo dos Mártires da Pátria (Campo de Santana), deparamos - e eu nunca me tinha apercebido - com o busto de El Inca Garcilaso de la Vega (1539-1616), obra do escultor peruano Miguel Baca Rossi (1917), que foi oferecido à cidade de Lisboa, pelo Peru, em 1984. El Inca foi um homem de duas culturas muito distintas. Criado, até aos 10 anos, na corte Inca, porque filho da princesa Isabel Palla Occlo, veio aos 21 anos para a corte espanhola, uma vez que era filho, também, de um nobre espanhol. Aí escreveu "Los comentarios reales...", cuja primeira edição foi impressa em Lisboa, obra singular de um renascentista desenraízado e dividido.
Continuemos. Há um pequeno lago, na Praça: há girinos, pequenos patos, garnisés lutando, entre si, por uma minhoca, há um gigantesco pombo castanho-róseo passeando a sua soberba; há velhos dando miolo de pão às pombas. Mas se seguirmos em direcção ao elevador do Lavra, pouco antes, podemos descer preguiçosamente até ao chamado jardim (suspenso) do Torel. Infelizmente, tem muito mais betão que verde vegetal...é uma pena. Mas, mesmo assim, dos vários patamares podemos alcançar horizontes únicos, no meio do casario. Para trás o que parecem sumptuosas "villas" italianas; em frente, a linda mancha verde, ao longe, do Jardim Botânico que, na Rua da Escola Politécnica, se esconde atrás da antiga Faculdade de Ciências.
Há uma esplanada quieta, silente, convidativa. Uma caipirinha ou um "mojito" são sempre bem vindos na canícula, ao princípio da tarde. Quando acabarmos, mesmo que as palavras apeteçam demorar-se, é só descer mais alguns patamares deste jardim suspenso. Até à Rua das Pretas, para regressar, de novo, ao ruído e à civilização...

P. S.: para ms, com afecto.

Da Grécia : com lirismo sábio



Não aspires, minh'alma à vida eterna:
mas vai esgotando o campo do possível.

Píndaro (518a.c.-438a.c.), em tradução de David Mourão-Ferreira.

D. Francisco de Portugal : Amor e amizade


Na sua "Arte de Galantaria" impressa postumamente, em 1670, D. Francisco de Portugal (1585-1632) escreveu, sobre o amor e a amizade, o seguinte:
"Em todas as idades e em todas as nações se pleitearam cuidados, e houve mestres de amor; a galantaria, porém, nasceu com botas e com capa de baeta. Os estilos são mais veneráveis por serem mais antigos. O tempo encheu de artifícios o que eram inocências: alquimista do que não importa, desluziu o são como aparente.
Digamos porque não se chama ao amor amizade. Entre as duas coisas há esta diferença: o amor é uma paixão que tem mais de desejo que de prazer; e a amizade é uma afeição reverente, ou um amor envergonhado, que tem mais prazer que de desejo. O amigo pretende para o que sempre ama, e o amante para o que pode deixar de amar. Um cuida de si, outro descuida-se de si. Este nome amizade significa tudo comum entre iguais, coisa que se não tolera entre galã e Dama. ..."

domingo, 27 de junho de 2010

O escanção aconselha...


...para acompanhar o "Steinbutt", que em francês ou inglês se escreve da mesma forma, "turbot", mas cientificamente se apresenta como "scophtalmus rhombus" ou "pseta maxis", o escanção sugeriu à dona de casa, um pouco preocupada nas suas lides para fazer o jantar, para que acompanhasse com Quinta da Alorna, branco (Arinto/ Chardonnay), reserva de 2009, bem fresco. Ao que ela replicou que à refeição iria chamar, com toda a propriedade, "Jantar do Prefácio"...
P. S.: para MR e JAD.

Revivalismo Ligeiro II : Sidney Bechet


Citações XXXV : Martinho Lutero


"Quem não gosta de vinho, de mulheres e de canções, será um tolo toda a sua vida."

Martinho Lutero (1483-1546).

Curiosidades 9 : Balanço e Contas


Um mês passado, quase, sobre a última actualização de dados em relação à procura de temas, visitas e entradas de países no Arpose, façamos um balanço dos elementos novos e mais recentes. Assim, a frequência média de visitas diárias desceu cerca de 10%, passando de 40 para 36. Três novos países fizeram a sua estreia: Índia (Calcutá - West Bengal), Roménia (Bucareste) e Japão. Os dois últimos vieram à procura de Napoleão (citações), o visitante de Calcutá veio em busca de "praxes conimbricenses" - talvez alguém da ex-Índia portuguesa, saudoso do tempo em que estudou em Coimbra...
As entradas dos Estados Unidos, inesperadamente, subiram imenso, muito embora a quase totalidade provenha de Mountain View (Califórnia). Quase foram o dobro, nestes últimos dias, das visitas do Brasil que andavam quase a par com os USA, anteriormente. Mas a intensidade teve um pico, quase diria excessivo, no dia em que num poste referi o nome de Obama, a propósito de hambúrgueres (Mercearias Finas 9A). Uma das entradas demorou 26 minutos e 13 segundos!, é obra...
Finalmente, um panorama numérico, percentual e frio de entradas por países, numa recente amostragem de 100 visitas:
Portugal - 41% : 41 visitantes.
U.S.A. - 19% : 19 entradas.
Brasil - 10% : 10 visitas.
Japão - 1% : 1 visitante.
Roménia - 1% : 1 entrada.
Não localizáveis - 28 visitas : 28%.

Jogos Infantis 2 - Futebol de Sopro


Contrariando a tendência generalizada que se ocupa, ruidosamente, do futebol, escolhemos um jogo inofensivo, recordando brincadeiras menos barulhentas. Com efeito, o jogo reproduzido na imagem permitia uma brincadeira futebolística partilhada, com recurso ao sopro. Numa altura em que não se falava, ainda, do "ambiente" e de uma "Lei contra o Ruído", as brincadeiras surtiam o seu efeito sem necessidade de imitar o ornear do asno.
O Futebol de Sopro como bom exemplo cívico a reter.

Post de HMJ

sábado, 26 de junho de 2010

Revivalismo Ligeiro I : Vicky Leandros

Música e Poesia XII : Sermão aos pássaros/ Liszt



Franz Liszt (1811-1886) compôs esta obra musical para piano (Sermão de S. Francisco de Assis aos Pássaros) entre 1862 e 1863. A pianista que executa a peça é a húngara Etelka Freund (1879-1977) que foi discípula de Busoni (1866-1924). A pintura reproduzida é de Giotto (1267?-1337).

Memória 30 : Alfredo Marceneiro


Alfredo Rodrigo Duarte (1891-1982), mais conhecido por Alfredo Marceneiro, faleceu, precisamente, há 28 anos. Fadista anti-vedeta, por excelência, cantava como se estivesse para desfalecer e, isso, bastou para tornar a sua voz e os seus fados inconfundíveis. Mas era rigoroso e exigente naquilo que fazia. Aqui o lembro.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Mercearias Finas 9A : Trufas, caviar e hambúrgueres


Estava eu, por interposta pessoa (Julio Camba), a falar de trufas no Arpose, e não é que me cai no "prato" um hambúrguer ?!... Valha-nos deus, que isto já é notícia no "Público", de hoje. Qualquer dia, temos meia página de jornal, com fotografia e tudo, a noticiar que Cavaco Silva e o rei Juan Carlos comeram um cozido à portuguesa, ou uma caldeirada à fragateiro, nas Docas. Mesmo assim, prefiro estes pratos, retintamente nacionais, a um hambúrguer macdonaldiano gorduroso. Hambúguer que, por sinal, tem ascendência germânica: é o "Deutsches Beefsteak" (de Hamburgo) que os GI's levaram para a América depois da II G. Guerra. Engorduraram-no, tornaram-no mais rentável, e chamaram-lhe seu. Bom proveito!
Porque isto, em matéria de comida prefiro, de longe, a gastronomia europeia (viva o caviar!) à americana. E, no tocante a notícias, opto pelas que têm justificação e sentido, sendo substantivas.
Ou substanciais...

Mercearias Finas 9 : Trufas



Desta vez, socorro-me de um livro, para abordar uma delícia comestível. E, mais uma vez, recorro a Julio Camba (1882-1962), esse galego de escrita elegante, de verbo bem disposto, grande conhecedor da gastronomia deste mundo. É um capítulo inteiramente dedicado às trufas, que traduzi do castelhano, e que pertence ao livro de que tenho vindo a falar: "La Casa de Lúculo...". A única actualização que se poderia fazer ao texto de Julio Camba é que, hoje em dia, para além de cães de faro e apetite fidalgos, também se usam suínos treinados, na procura das terrenas e divinais trufas. Orwell que nesta data (25 de Junho) nasceu, em 1903, exclamaria, com propriedade e direitos de autor, é o "triunfo dos porcos"!; mas vamos ao texto de Camba:
Aquele que nunca comeu uma trufa assada em cinzas de carvão de azinheira, ou cozida ao vapor de um vinho respeitável, não sabe o que são trufas. A trufa é o produto mais misterioso e mais prodigioso da terra. Não se pode cultivar nem colher, e há que caçá-la, saindo para o campo, com um cão que cheire o seu rasto. Na realidade, a trufa tem sempre algo de caça e não é só pela maneira de como se apanha, mas também pelo sabor que a caracteriza. Eu estabeleço entre ela e os outros vegetais a mesma relação que há entre um pato selvagem e um pato de galinheiro. Esse aroma poderoso da trufa, esse perfume bravio que as caracteriza, essa sua personalidade única que só se obtém em plena liberdade, longe do homem e da civilização.
Eu imagino que o cão fareja a trufa que jaz debaixo da terra, de igual modo que nós cheiramos a trufa assada, e calculo o que deve sofrer o pobre quando lha tiram da boca. Os cogumelos oferecem-nos o perfume do campo e do bosque, isto é, o perfume da superfície da terra. As trufas, ao contrário, oferecem-nos a essência mais íntima e entranhada. Pegar numa boa trufa, uma dessas trufas de cor de ébano, gordas como um punho, que só, ai!...se produzem em França - as nossas, coitadinhas, criadas na terra, e até os «tartuffi bianchi» italianos, são uma espécie de batatas comparadas com as trufas de Perigord -, equivale a um acto religioso, porque nos dá um novo sentido do mundo e da vida.
Enquanto que dessas trufas de conserva que se utilizam para fazer algumas voláteis e pequenas incrustações de carácter decorativo, mais vale nem falar. Em Lyon costumam lardear as «poulardes" com grandes bocados de trufas frescas, mas em tal quantidade que as «poulardes» assim preparadas se chamam «poulardes demi-deuil» ou de meio luto, e aquilo, sim, é outra coisa. Apesar da sua fúnebre denominação, a «poularde-deuil», impregnada com o gosto da trufa, não tarda em reconciliar com a vida o homem mais desesperado.
É uma ideia muito antiga a de que a trufa desenvolve a nossa capacidade amatória, e isso não me surpreende muito. Não é que eu acredite muito nas vitaminas. Nem em nada de parecido, mas creio sim que nenhuma emoção artística se basta em si mesma, e que o homem precisa de descarregar sempre, pela via sentimental, aquilo que recebe. Daí que não se conceba uma bela paisagem sem um terno idílio; daqui resulta que os recém-casados vão passar a lua-de-mel à Suiça, e daqui, finalmente, a tradição da trufa, manjar que nos enche de desejos.

Em consequência : John Dowland

Em consonância com a cantiga do Conde de Vimioso. E também de mediação para temas mais ligeiros.

Do Cancioneiro Geral (IV) : Conde de Vimioso


Cantiga sua


Se alguém deseja prazer,
viva em no esperar,
que tudo o mais é achar
maneira de o perder.

Diga-me quem alcançou
bem algum que desejasse,
se nunca tanto folgou
que disso se contentasse.
E pois se acaba o prazer,
que se espera em alcançar,
quem esperar de o ter
não ouse de o tomar.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Citações XXXIV : contra as vuvuzelas



Quando ouço o som de uma vuvuzela lembro-me sempre de um macho a ornear.

Alberto Soares (1944).

Bibliofilia 20 : Folhetos de Cordel e Entremezes



Não sou grande conhecedor de entremezes nem de folhetos de cordel. Tenho, sim, vários folhetos de poesia do séc. XVIII, e outros de José Daniel Rodrigues da Costa, já do séc. XIX. Os primeiros entremezes parece terem tido origem nos sécs. XIV/XV. Rui de Pina fala deles na sua crónica sobre D. João II. Segundo Luiz Francisco Rebello, a palavra portuguesa entremez provém do francês "entremetz".
Quando me ofereceram, ontem, por um preço módico, estes dois folhetos que se reproduzem, não resisti a comprá-los. Após leitura ligeira, fazem-me lembrar pequenos "libretos" de revista à portuguesa, "avant la lettre". Não têm grande qualidade literária, nem indicam os nomes dos seus autores, mas são divertidos. Têm 16 páginas, cada um. E a tipografia, onde foram impressos, é a mesma (Typ. de Mathias José Marques da Silva, na Rua do Ouro, em Lisboa). Creio que, pelo menos um ("Novo Entremez/ intitulado/ O Gallego Lorpa e os Tolineiros."), terá algum interesse sociológico sobre o período em que foi editado.

Ainda Julio Camba : em louvor do linguado



Já aqui falamos de Julio Camba, autor galego de "La Casa de Lúculo o el Arte de Comer (Nueva Fisiología del Gusto)", de 1929. Transcrevemos, traduzindo, uma parte do capítulo que ele dedicou a um dos seus peixes predilectos - o linguado.
"O amor apaixonado pela sardinha, cuja miséria reconheço, bem como a sua grandeza, não bastaria, nem com acrescentos, para me fazer menosprezar o linguado. O linguado é, porventura, o melhor de todos os peixes do mar, mas!, desconfiai das imitações. Não sou eu que compartilhe a opinião de um amigo meu, que sustenta que, na Corunha, há umas máquinas, tipo prensa, com as quais se convertem em linguados todos os peixes. Não. A falsificação faz-se mesmo no fundo do mar, longe dos olhares humanos e é a propria natureza quem os transforma. Devido ao enorme êxito obtido pelo saboroso acantoperígio, uma quantidade de peixes insignificantes adoptaram a forma extra-plana, e quando o pescador lança a sua rede para pescar linguados, não é estranho que os peixes-galos, as solhas, os "rapantes(?)", etc., se metam fraudulentemente nela a ver se passam como clandestinos. Quem não tem imitadores neste mundo, irmão linguado?
O linguado presta-se a preparações esquisitas. Em qualquer livro de cozinha encontrará V., amigo leitor, as receitas do linguado Marguery, do linguado Joinville, do linguado Mornay, etc.; mas, por razões que exponho noutro sítio, não aconselho que experimente alguma delas. Nada disso. Cozinhe antes o seu linguado, um bom linguado de um quilo, cem gramas a mais ou a menos, mas não demasiado menos. Os linguados deste tamanho são os que chegam a Madrid com a carne no seu devido ponto de firmeza. Polvilhe-o com um pouco de farinha - suponho naturalmente que o seu linguado esteja limpo - e frite-o em azeite: bom azeite e muito azeite..."

P. S.: para MR (e JAD), que provavelmente, em breve, provarão um "primo"...

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Posso glosar ou repetir ? , para me ir habituando ?

Muito obrigado!

Diz-me a consciência que devo ser tolerante...

..., compreensivo, abrangente, humilde, paciente, "não-elitista", compassivo, caridoso... mas as vuvuzelas?, Senhor, será que também deverei ficar surdo?

À mesa


Julio Camba (1882-1962), nascido em Pontevedra, foi um conhecido jornalista, escritor e humorista espanhol. Ligado, na juventade, aos meios anarquistas, veio mais tarde a adoptar posições conservadoras. Era também um amante de boa comida e desde 1949, até à morte, residiu no Hotel Palace, em Madrid - um pouco como a nossa Beatriz Costa fez, no Tivoli. Da sua bibliografia consta o volume "La Casa de Lúculo o el Arte de Comer" (1929) onde aborda, com boa disposição e humor, temas gastronómicos muito diversos que vão desde a cozinha norte-americana aos vinhos franceses, da melhor forma de fritar linguados aos bons modos de comer à mesa, ou as regras do comer e dietas. Deste último capítulo se transcrevem alguns conselhos:

"Deve ter-se sempre um regime alimentar, uma dieta contra a obesidade, contra a arteriosclerose ou contra qualquer outra coisa, para quando nos derem alguma má comida, nos possamos escusar com o nosso regime. É a melhor política."
"Em contrapartida, quando nos oferecerem um comer excelente, o melhor é mandar a dieta dar uma volta. O supremo de qualquer regime é mesmo o prazer de o não cumprir."
"Se não soubermos descascar a fruta de modo elegante, podemos desculpar-nos com a teoria das vitaminas e comê-la com a pele."

Os estorninhos


Inesperadamente, hoje, vi estorninhos sobre o Tejo. Só costumava observá-los em Outubro/Novembro, volteando no céu, virando, revirando, em bandos compactos que se interceptavam, reuniam, adensavam, e dividiam de novo. Sempre me lembravam, no Outono, um cardume de pequenos peixes (sardinhas, carapaus juvenis?) que vi, no Verão de 1968, sob uma pequena ponte do cais, no mar da Trafaria. Os pequenos peixes, às centenas, coruscavam, no brilho do sol. Hoje, seria impossível, as águas estão escuras, sujas, impenetráveis ao olhar.
Mas esta tarde, em pleno Junho, início do Verão, apareceram os estorninhos. Uma pequena nuvem e, mais alguns, esses aos pares, dispersos. Seriam estorninhos malhados, pretos ou comuns? À distância, não consegui distinguir. Mas vieram muito cedo. Será das alterações climáticas? Também não sei responder. Mas dou-lhes as boas vindas, de contente.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Variações, por causa das Alsácias, Albertinas e as pequenas Vanessas

Os nomes próprios definem épocas. Eu estive para me chamar Tito, mas o meu Pai não quis.

Para MR que, a propósito de Alsácias e Lorenas, me fez lembrar o facto.

Do Cancioneiro Geral (III) : Ruy Moniz


Cantigua de rruy moniz a huma mulher que elle ja conheceo, & mandoulhe huma muyto maa rreposta


Dama do gentil despacho,
que pouco dais por ninguém,
eu sei que vós sabeis bem
se são fêmea ou será macho.

Eu vos não aborrecia,
eu sei bem que vos coçava,
e que quando me aprazia
em osso vos cavalgava.
Pois sequer haveis empacho
vós mulher de pouco bem
de quem vos, em Santarém,
cavalgou sem barbicacho.

Nota: procedi a algumas adaptações ortográficas, no poema.

Concerto de Aranjuez, de Joaquin Rodrigo - Adagio

Para HMJ, um traço de união, no Tempo.

Citações XXXIII : José Saramago


" A dificuldade que Espanha sempre teve em unificar-se não poderia ser resolvida pela democracia, porque democracia é liberdade, e livre e plural teria de ser, nela, a vontade dos cidadãos. O grande desafio que Espanha enfrenta no limiar do século que se aproxima será o da conversão em Estado federal, a grande ameaça à fragmentação numa nova espécie de « reinos de taifas»."

José Saramago (1922-2010), in A ETA continuará a matar ( 24/7/1997).

Leituras Antigas V : Biblioteca dos Rapazes


Esta colecção ("Biblioteca dos Rapazes") tem já a chancela de qualidade da Portugália e começou a ser editada no início dos anos 50. Havia também a "Biblioteca das Raparigas", para as meninas. "O Cavalo Preto" foi traduzido por Edith Pinto, "Moby Dick" por Alsácia Fontes Machado, provavelmente um pseudónimo, dado que nem todos traduziriam Melville...
Desta colecção "Biblioteca dos Rapazes" tenho apenas 5 livros. Dá-se conta da lista dos primeiros volumes:
I . A Flecha Negra, por Stevenson.
II . Aventuras de um Rapaz nas Florestas do Amazonas, por Ballantyne.
III . A Ilha de Coral, por Ballantyne.
IV . O Cavalo Preto, por Anna Sewell.
V . O Pirata, por Frederick Marryat.
VI . O Rapto, por Stevenson.
VII . Pedro, Pescador de Baleias (2 volumes), por Kingston.
VIII . Aventuras de Tom Sawyer, por Mark Twain...

segunda-feira, 21 de junho de 2010

À memória do Bartolomeu, e em forma de fábula


O homem era um excelente canalizador. Profissional rigoroso, excessivamente imaginativo na solução de problemas, cumpridor e honesto. Provam-no, ainda, as imensas obras, perfeitas, que fez na empresa onde eu trabalhava, na altura. Os desníveis dos canos ficaram exactos, nunca houve inundações nem entupimentos. Mas um dia, em finais de Junho de 2004, quando foi aos escritórios da Empresa, para receber o pagamento de uns trabalhos, todos nós percebemos que não era o mesmo Bartolomeu de antigamente. Falava dos aviões da TAP (tinha lá trabalhado na Manutenção) que estavam "presos por cordas", dizia que Scolari era uma emanação "do demónio", tinha arranques muito agressivos na voz... Prognosticava que Santana Lopes ia ser Primeiro-Ministro de Portugal. Todos achamos que o Bartolomeu estava louco. O Europeu de 2004 tinha-lhe feito mal. E a Empresa, onde eu trabalhava, nunca mais o contratou.

Ao início do Verão



Soneto menor à chegada do Verão


Eis como o verão
chega de súbito,
com seus potros fulvos,
seus dentes miúdos,

seus múltiplos, longos,
corredores de cal,
as paredes nuas,
a luz de metal,

seu dardo mais puro
cravado na terra,
cobras que despertam
no silêncio duro...

Eis como o verão
entra no poema.


Eugénio de Andrade, in Ostinato Rigore

Boa noite com Beethoven

Para a oliveira da eurídice, com votos de bons sonhos e uma noite tranquila, mesmo que num novo vaso.

domingo, 20 de junho de 2010

Jogos Infantis 1A



Era uma vez uma caixa chamada Mattolac que continha pauzinhos, cabeças, barrigas, pés, cristas, etc. Os meninos abriam a caixa e a sua imaginação, mais ou menos dotada, orientava o gesto manual de criar bonecos de madeira. O galo apresentado na imagem é apenas uma versão pobre das possibilidades de criação. Elucida, através de um exemplo concreto, a diferença entre um menino a fazer "versinhos" e um outro que, posteriormente, se revela poeta.

Foi assim que imaginámos, no poste anterior, um menino a brincar com bonecos de madeira e que depois se tornou conhecido, como artista, e com o nome de Juan Miró.

Post de HMJ

Comic Relief (1) - uma intermediação


Nota breve: os antigos dramaturgos ingleses, nas tragédias e para atenuar a tensão, costumavam intercalar um pequeno pormenor cómico (comic relief) para aliviar, mentalmente, o público das suas peças. Até William Shakespeare utilizou este estratagema no "Romeu e Julieta".

E. M. Cioran : talvez pela pior das razões...



"À excepção de alguns casos aberrantes, o homem não se inclina para o bem: que deus o obrigaria a isso? É preciso vencermo-nos, contrariarmo-nos pela violência, para poder praticar a menor das acções que não esteja tocada pelo mal. ..."

E. M. Cioran, in "Le Mauvais Démiurge"(1969).

Auden, a Verdade, Cioran e o apud...



Pessoas há, na nossa vida, que contribuiram, decisivamente, para sermos o que somos. Mas houve também livros e autores que foram estruturantes e essenciais no nosso crescimento mental. Na formação de uma Ética. Além disso, existiram "causas" que nos obrigaram, ao longo do tempo, a tomar posição ou partido, sem subterfúgios ou ambiguidade, por um dos lados da barricada. Fosse ela moral ou política.
Entre muitos outros, contribuiram para a minha formação, E. M. Cioran (1911-1995), e um poeta, nascido inglês, que se naturalizou americano, W. H. Auden (1907-1973). Deste último traduzi, enquanto "free-lancer" do Prosimetron, em 1/1/2010, na minha "Escolha Pessoal XII", o poema "A História da Verdade" que termina assim, na minha versão:
"...Só que entretanto, assim como os úteis pratos de papel
A Verdade converteu-se em quilovátios,
E a última coisa a fazer foi criar um anti-modelo,
Alguma inverdade por onde alguém possa mentir,
Um nada em que ninguém precise de acreditar."
Quanto a Cioran é um "companheiro" meu, mais antigo do que Auden. As primeiras leituras que dele fiz datam de meados dos anos 60 do século passado. As suas "provocações" sempre me obrigaram a situar, salutarmente, a minha posição - e a pensar. Por isso, quando MR ou Luís Barata, no Prosimetron, colocaram postes de e sobre Cioran, e foram muitos (19/8/2008, 25/4/2009, 5/11/2009, 6/11/2009, 8/11/2009, 11/11/2009, 10/12/2009, 11/1/2010...), quase sempre os comentei, porque o pensamento deste franco-romeno (filósofo de rua, como lhe chamam) sempre foi, para mim, estimulante. No Arpose, E. M. Cioran tem sido referido com alguma regularidade (7 postes), desde 15 de Dezembro de 2009. Relembro uma das frases desse primeiro poste de Cioran:
"O rancor é da mesma essência que o arrependimento, uma vez que, tanto um como outro, são imunes ao esquecimento."


P. S. : para c. a. , "et pour cause"...

sábado, 19 de junho de 2010

Na morte de Saramago : 4 notas para um balanço


A Praça do Município, em Lisboa, aquando da chegada do corpo de José Saramago, hoje, cerca das 14,30hrs., não estava sequer cheia pela metade : a) Se o PCP quisesse encher o Largo, tê-lo-ia feito sem a menor das dificuldades.
Ouvi os testemunhos, ou li as declarações de Cavaco Silva, José Socrates e Zapatero sobre o Escritor: b) Nota-se a diferença e qualidade do texto castelhano.
Lembro-me das observações e censuras da hierarquia da Igreja Católica sobre José Saramago, depois da publicação de alguns dos seus livros: c) "O Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (SNPC), da Igreja Católica, divulgou ontem um comunicado no qual manifesta « o seu pesar na morte de José Saramago, grande criador da língua portuguesa e expoente da nossa cultura.». "( "Público" de 19/6/2010).
Palavras para quê?, mas, mesmo assim, concluo este brevíssimo balanço: d) José Saramago era um Homem independente, pensava pela sua cabeça, não agradava aos medíocres nem aos hipócritas, não transigia e afirmava, sempre e corajosamente, as suas convicções. Não ficou a dever nada a ninguém, senão a Pilar del Rio, mas Portugal tem uma dívida grande para com ele.

Favoritos XXVI : Chico Buarque de Holanda


No aniversário de Chico Buarque de Holanda (66 anos): "Valsinha".

Do Cancioneiro Geral (II) : D. João Manuel, camareiro-mor de D. Manuel I


Regra sua para quem quiser viver em paz


Ouve, vê, e cala,
e viverás vida folgada:
tua porta cerrarás,
teu vizinho louvarás,
quanto podes não farás,
quanto sabes não dirás,
quanto vês não julgarás,
quanto ouves não crerás,
se queres viver em paz.
Seis coisas sempre vê,
quando falares, te mando,
de que falas, onde, e quê,
e a quem, como e quando:
nunca fies, nem porfies
nem a outro injuries,
não estejas muito na praça
nem te rias de quem passa,
seja teu tudo o que vestes,
a velhacos não afrontes,
não cavalgarás em potro.
Nem tua mulher gabes a outro,
não cuides de ser valentão
nem travar contra a razão.
Assim lograrás tuas cãs
com tuas queixadas sãs.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Sem palavras

José Saramago



Morreu Saramago, e fico comovido. Um lídimo Escorpião que morre no período da sua VIII casa - Gémeos. Oitava casa que representa, astrologicamente, entre outros motivos: morte e ressurreição ( Fénix). Não sou um incondicional da sua obra, mas sou um reverente admirador da sua irreverência - mesmo na velhice. Da sua intervenção constante, sempre em defesa da ética, dos mais fracos, da justiça. Muitas vezes, até, contra a sua própria opção política. Afrontando, corajosamente, o políticamente correcto das águas brandas portuguesas e do cinzentismo nacional. Era, pelo menos, um exemplo de claridade, honestidade e justiça moral.
Há muito poucos portugueses desta tempera. Hoje, perdemos um destes sobreviventes. Com grande tristeza minha.

A ribeira do Jamor


Passei por lá, ontem. Quase diria, em romagem de saudade. Foi na ribeira do Jamor que vi as primeiras galinhas de água. E, se não fosse um velho explicá-las ao neto, nem hoje saberia dizer o nome daqueles pássaros pernilongos. Viam-se, pela ribeira, pequenos patos que subiam do Palácio de Queluz, melros, pintassilgos e pequenos pardais. Ouviam-se rãs a coaxar, no Verão, cigarras e grilos musicavam o ar. E havia uma figueira, antiquíssima, que a crassa ignorância e desapego da freguesia de Queluz ou da Câmara de Sintra mandou arrancar. Dava uma sombra benfazeja, nos dias de calor, para quem atravessasse a pequena ponte quase artesanal que nos levava ao outro lado. E figos, bem saborosos - que ainda comi dois ou três...
Ontem, a ribeira do Jamor ia transparente e límpida. Normalmente, quando lá passava, na ponte, as margens estavam juncadas de lixo e detritos. A atenção ao ambiente já morreu há muito e as criancinhas também aprenderam pouco, nas escolas portuguesas, de agora... Como eu dizia, a ribeira ia clara e limpa em direcção ao Palácio. Na sua placidez inofensiva e bucólica, esquecemos que esta ribeira do Jamor, aquando das chuvas do Inverno, também pode ser assassina. Matou nos anos 60, voltou a matar em Fevereiro de 2008 : duas jovens que iam, de Belas, para o seu trabalho, logo pela manhãzinha. Quem a visse, ontem, à ribeira do Jamor, cantarolando entre os seixos lavados e os limos verdes, não acreditaria.

Por entre a etiqueta da Corte e os fastos da Igreja

Entre a cortesia e a Igreja, nada melhor que este Minuete de Luigi Boccherini.

Pequena história - cortesia



Estando em Castela, o infante D. Luís recolhia-se uma noite com o seu cunhado, o imperador Carlos V, quando ao entrar numa porta, por onde tinham de passar, cada um fazia questão que o outro passasse primeiro, por cortesia. O Imperador, pegando no braço do Infante, quase com força, obrigou-o a passar primeiro. Não querendo D. Luís aceitar esta honra, e não podendo recusá-la, lançou mão de uma tocha que um pagem levava, e adiantando-se, disse: "Senhor, como criado!"

Curiosidades 8 : algumas datas religiosas


Ano 120 - início da utilização da água benta.
Ano 157 - criação da penitência.
Ano 348 - os primeiros frades.
Ano 593 - invenção do purgatório.
Ano 1000 - início do uso dos sinos.
Ano 1015 - celibato dos padres.
Ano 1119 - criação das indulgências.

Donde se vê que nem tudo foi eterno na Igreja de Roma. Alguns usos ou regras até são recentes, se comparados com a eternidade...

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Juvenília (4)


Geometria Simples,ou
Mulher de Costas para o Sol


Caem dos ombros
seios,
atrás dos ombros
Sol.

O ombro
vagamente pressentido,
a sombra
do ombro.

Caem dos ombros
seios,
sombras.

Atrás dos ombros,
Sol.


(1964-2010)


Memória 29 : Eddy Merckx



Já parece ter sido no tempo em que os animais falavam... Quando ainda não havia a ditadura do futebol. E os amantes do desporto se dividiam pelo hóquei em patins, pelo ciclismo, pelo futebol... Hoje, tudo converge num monolitismo ensurdecedor de "vuvuzelas".
Por isso me apraz lembrar Eddy Merckx que nasceu, a 17 de Junho de 1945, na Bélgica. Ganhou 5 voltas à França em bicicleta e outras tantas no "Giro d'Italia". Era no tempo em que os populares, em Portugal, acorriam às estradas para ver passar os ciclistas: Alves Barbosa, Peixoto Alves, Joaquim Agostinho...
Era na época em que Alexandre O'Neill escrevia:

O homem que pedala, que ped'alma
com o passado a tiracolo,
ao ar vivaz abre as narinas:
tem o porvir na pedaleira.

Era no tempo em que os animais falavam... Era no tempo em que ainda não havia "vuvuzelas".

Citações XXXII : Vincent van Gogh



"Eu posso passar bem, na vida e na pintura, sem o bom Deus. Mas não posso, eu sofredor, passar sem algo maior que é, em mim, o poder de criar."

Vicent van Gogh (1853-1890), referido por Albert Camus em "L´homme révolté".

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Entre a Irlanda e a Inglaterra : John Dowland

Para uma sequência harmoniosa, depois de Yeats, escolhi Dowland. Nascido em Dublin, para os irlandeses, natural de Londres, segundo os ingleses. John Dowland (1563-1626), seja como for, é um compositor notável.

Trocar de Rosa : W. B. Yeats



Quantos terão amado os teus gestos gráceis,
Tua beleza com amor falso e sincero,
Mas apenas um soube amar a alma errante,
E as tristezas que transformam o teu rosto.

William Butler Yeats (1865-1939).



P.S.: este poste tem dois credores: Eugénio de Andrade pelo título, e Luís Barata que, no Prosimetron, lembrou esta quadra de Yeats. Só a tradução é minha.

Bibliofilia 19 : O Viajante Universal



A história conta-se em algumas palavras. Eu costumava frequentar, em Agosto, uma sombria livraria da Póvoa de Varzim, creio que na Rua Tenente Valadim, paralela à Rua da Junqueira. O dono, e único atendedor, não era lá muito simpático. Mas era, também, poeta amador, daqueles que juntam versos, em quadras. Tinha publicado, em edição de autor, vários livros de poesia e, de cada vez que eu lá ia, aproveitava para me tentar vender algum. Só lhe comprei um, que dava pelo saboroso título de "Escrínio dos cem beijinhos". O livreiro era viúvo e tinha, na sua loja, imensas primeiras edições já esgotadas, em Lisboa: Sophia, Cinatti, Tomás Kim... Comprei lá vários desses livros que ainda têm o carimbo "Livraria Académica". Eu cobiçava-lhe também uns cartapácios que ele tinha arrumados na última prateleira, alta, junto ao tecto - que não, eram da sua biblioteca, dizia ele.
No Verão de 1970 ou 1971, fui lá com um familiar, e achei o homem diferente: menos antipático, mais amável. Disse-me, depois, que já podia vender os livros que eu cobiçara, anos a fio. Tinha tido dois enfartes e ia viver para o Porto, com o filho e, por isso, ia fechar a loja. Comprei bastantes coisas - dentro do que me permitia o orçamento da altura. Entre elas, 42 volumes de " O Viajante Universal" do Senhor De Laporte (a obra, "rollandiana", terá 51 ou 52 tomos), a Esc. 2$50, cada um. Regressei a Esposende, na companhia do Tó, com uma abada de livros. Para lá do poeta amador da Póvoa de Varzim, os livros pertenceram, antes de mim, a Thomaz António da Silva Gama, de Sta. Comba Dão, e, também, a Jozé Paulo (Ferreira?), da mesma localidade. Hoje, estão comigo. Até quando?
Não é frequente "O Viajante Universal" aparecer à venda. E, quando isso acontece, só tomos dispersos. Em 40 anos, só consegui adquirir mais um, na antiga Livraria Histórica e Ultramarina, do saudoso Aquário, Senhor Almarjão. Em Maio de 1998, num leilão do Correio Velho, havia o tomo XVIII para vender, mas esse já eu o tinha...

Lembrar David



Para lá da musicalidade dos seus versos e de um timbre clássico e estético que é transversal a toda sua obra, seja ela ensaio, prosa ou poesia, David Mourão-Ferreira (1927-1996) tinha também a capacidade rara e generosa de admirar os outros poetas e de os divulgar. Não é coisa pouca, neste nosso país. Nos 14 anos da sua morte, lembramos:
A Flor

Entre a erva dos nervos camuflada,
emboscada no túnel de uma veia,
a flor apenas rompe, deslumbrada,
quando o pinhal, à noite se incendeia...

Virá a converter-se em depressão,
enfarte do miocárdio, ou embolia,
no dia em que se apague esse clarão
com que a sua presença se anuncia...?

Mas numa artéria já sem movimento,
ou na erva dos nervos recolhida,
descobrirão a flor feita de vento
que em vida me deu morte e me deu vida...

Hão-de enterrar então a flor e o vaso.
E nunca mais ninguém alude ao caso.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Nocturno de um rústico observador de pássaros



Quase não havia aves, no céu, ao entardecer. Nove dias a crescerem, ainda, até ao S. João, em claridade. E, depois, começam as noites, outra vez a ganhar terreno. Consigo ainda ler na varanda virada a leste, depois do jantar. Mas hoje quase não vejo pássaros: poucos insectos no ar?, o anoitecer demasiado fresco?, ou será que o peneireiro e a sua cria vigiam, lá do alto?
Na tenda "árabe" do terraço da casa defronte, lá ao longe, tremula a bandeira das quinas, esfarrapada (já tem 6 anos), ao vento. Não fosse este nacionalismo rasteiro e pedestre... Vizinhos passeiam os seus "lulus" no descampado, uma vizinha sacode da janela uma enorme toalha, do jantar. Nem pelas migalhas, os pardais regressam. As andorinhas, muito menos. Céu pálido, sem aves no horizonte.
Um friozinho tímido atravessa a rua, vindo do Norte. Instala-se. Enerva a quietude das duas palmeiras, até aí, tranquilas. Parece querer dar as boas vindas à noite que vem a chegar, pé ante pé, silenciosamente. São quase 21,30: uma gaivota, solitária, regressa. Ou será o peneireiro? De tão distante e alta, a ave, não consigo distinguir. O céu acinzenta, muito devagar. E a noite, discreta, parece que me pediu licença para entrar...
P. S. : para a MR, não só, mas também pelo Nino Rota.

Leituras Antigas IV : Colecção Heróis e Aventureiros



Da colecção "Heróis e Aventureiros", publicada pela Editorial Dois Continentes, Travessa do Loureiro, 3 (a Santa Marta), em Lisboa, tenho os 7 primeiros livros. O inicial, "Tarzan e a Escrava", tem data de impressão: Outubro de 1954. O nº2 e 3 ocupavam-se de "Moby-Dick" de Herman Melville, em adaptação traduzida. Cada página dos livros era dividida entre texto e imagem. As ilustrações variavam de autores (Carlos Alberto, Raph Marc, Gigi...). Grande parte das adaptações deve-se a Pedro Rosal.
A partir do volume 5 ("O Herói da Montanha" de Alexandre Dumas), os livros passaram a ser editados pela Livraria Civilização, do Porto, mas o aspecto gráfico piorou, consideravelmente. Cada obra custava Esc. 7$50. O nº7 da colecção ("Nas Garras do Capitão Pirata" de Georges Cheylard) foi publicado em Maio de 1957. Desconheço se foram publicados mais volumes.

Favoritos XXV : Quarteto para Cordas, Op. 27, E. Grieg

Aproveito o facto da data de nascimento de Edvard Hagenup Grieg (15-6-1843//4-9-1907), compositor norueguês, para incluir, no Arpose, uma das peças musicais que mais aprecio. Trata-se do Quarteto para Cordas em lá menor, Op. 27. O que aqui fica registado é apenas o 1º movimento ( Allegro molto ed agitato). Recomendo, a quem não conheça, a audição completa desta obra, muito bela, de Grieg.

Dário Alves e os jacarandás




Li-o ontem no "Público", num artigo sobre a morte de Dário Castro Alves (1927-2010), ilustre diplomata brasileiro, grande amigo de Portugal e fervoroso admirador de Eça de Queiroz ("Era Lisboa e chovia", de 1984, além de outros livros sobre Eça). Foi também grande apreciador da gastronomia portuguesa. Mas o que li e me surpreendeu, pelo meu desconhecimento, foi Dário Alves ter dito, um dia, ao seu motorista (Adriano Rodrigues) que a floração dos jacarandás, em Lisboa, se dava por duas vezes: "...uma vez na Primavera, motivada pelo clima, e no Outono, porque têm uma memória biológica" da chegada da Primavera no Brasil, de onde são provenientes. Curioso, não é?

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Caçada em Viena



Eu não sabia que as lebres comiam amores-perfeitos, mas pelo menos na Áustria, e mais precisamente em Viena, isso acontece. É o que nos diz Claudio Magris (1939), a pgs. 169/171, no capítulo "Entre os outros vienenses", do seu livro "Danúbio". No Cemitério Central de Viena, o escritor assistiu à tentativa de abate controlado de faisões, lebres e coelhos-bravos, por parte de 3 jardineiros que, uma (?) vez por ano, entre as cinco da manhã e a hora de abertura, ao público, do cemitério, tentam reduzir esta fauna prolífica que se acoita e reproduz por ali. Comem as flores (especialmente os amores-perfeitos) das jarras nas sepulturas, desenterram e mordiscam plantas ornamentais que embelezam as campas, desordenam, nas suas correrias desenfreadas, a placidez e quietude do Campo Santo. É assim em Viena, daí os jardineiros-caçadores com as suas caçadeiras de dois canos, na sua oficial rotina, ano a ano. Nessa madrugada em que Magris assistiu à caçada, no entanto, os jardineiros não foram muito felizes. Só conseguiram acertar e matar uma lebre e erraram o tiro sobre um faisão que, também foi avistado, mas conseguiu escapar. Paz à sua vida!

Henry Mancini


Henry Mancini (1924-1994) que faleceu há 16 anos, precisamente, faz parte dessa geração dourada de compositores de música para cinema de que fazem parte Nino Rota, Maurice Jarre, Tiomkin, Rózsa e Morricone, entre outros. Os temas de "Romeu e Julieta", "Stardust", "Pink Panther", "The Baby Elephant Walk" de "Hatari" são inesquecíveis na sua musicalidade harmoniosa. Lembramos, no aniversário da morte de Henry Mancini, "Moon River" do filme "Breakfast at Tiffany's".

No Aniversário de "A Casa Improvável"






Para c. a., com parabéns pelo 1º aniversário de "A Casa...". Ou, por imagem, e via J. R. Jimenez:

"Que as asas ganhem raízes
e as raízes voem."